A Coreia do Sul quer submarinos nucleares há muito tempo. Um novo reator poderia abrir uma porta.

Projeto de tecnologia avançada levanta dúvidas a respeito das intenções do país

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Por Choe Sang-hun
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SEUL — A reunião foi discreta, uma apresentação realizada no mês passado por autoridades sul-coreanas para cerca de 50 moradores de um vilarejo da costa sudeste do país, em um centro comunitário.

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O governo, segundo ouviu a plateia, planeja fabricar uma versão-teste de um pequeno reator nuclear no novo centro de pesquisa atômica — o maior já erguido no país — que está em construção no vilarejo de Gampo. O reator modular, previsto para ficar pronto em 2027, seria similar aos que alimentam de energia embarcações marítimas como quebra-gelos e navios de contêineres.

Mas este pode não ser o único objetivo dessa tecnologia avançada. O projeto, afirmam especialistas em energia atômica, poderia possibilitar à Coreia do Sul realizar um sonho antigo, de desenvolver um submarino nuclear — algo que os Estados Unidos, seu mais poderoso aliado, têm rejeitado há décadas.

Submarino de mísseis USS Michigan chega à base naval de Busan, na Coreia do Sul, para uma visita de rotina Foto: William Carlisle/U.S. Navy/Handout via REUTERS

Em setembro, a Austrália anunciou que construirá submarinos nucleares com ajuda americana e britânica, enquanto os aliados buscam equilibrar o crescimento militar da China. Para a Coreia do Sul, porém, qualquer parceria desse tipo esteve fora do alcance há cerca de 50 anos, sob os termos de um tratado com Washington que impede os sul-coreanos de usar materiais nucleares com propósitos militares.

O governo do presidente Moon Jae-in tem argumentado pela remoção dessa proibição, afirmando que construir submarinos nucleares é crucial para fazer face a ambições similares da Coreia do Norte. O senso de urgência cresceu à medida que o Norte testou uma série de mísseis balísticos lançados por submarinos nos anos recentes e anunciou, em janeiro, que está trabalhando no projeto de um submarino nuclear.

“Não há melhor maneira de perseguir, monitorar e deter submarinos nucleares norte-coreanos do que acionarmos submarinos nucleares nossos”, afirmou Moon Keun-sik, ex-capitão da Marinha que liderou uma iniciativa anterior da Coreia do Sul de construir submarinos nucleares. “Não podemos depender dos EUA para fazer isso por nós.”

O projeto do reator sul-coreano emerge em meio a temores crescentes de uma corrida armamentista na região do Indo-Pacífico, motivada pelo conflito de superpotências entre China e EUA. Na segunda-feira, a Austrália anunciou um pacto militar com a Coreia do Sul que foi classificado como o maior acordo de todos os tempos entre os australianos e um país asiático.

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No front da energia nuclear, a Coreia do Sul não é o único país desenvolvendo reatores modulares pequenos (RMPs) enquanto fontes de energia neutra em carbono. Mas seu projeto, o Reator Avançado para Múltiplas Aplicações, atrai atenção especial.

Lim Chae-young, que chefiou o projeto do reator no Instituto Coreano para Pesquisa em Energia Atômica, ou KAERI, afirmou que “não estamos construindo-o com um submarino em mente”. Ainda assim, a capacidade de 70 megawatts do reator é similar à dos reatores dos primeiros submarinos nucleares americanos e seria suficiente para alimentar a nova geração de submarinos sul-coreanos de 4 mil toneladas, afirmou Bryan Clark, especialista em submarinos do Instituto Hudson, um centro de pesquisa e pensamento com base em Washington.

A Coreia do Sul possui 24 reatores nucleares em operação, que produzem 29% da eletricidade consumida domesticamente. O país também construiu 21 submarinos desde o início da década de 1990. Mas todas as embarcações são movidas a baterias alimentadas por motores a diesel e têm de subir à superfície com frequência para se abastecer de combustível ou ar para seus motores. Submarinos nucleares são capazes de permanecer debaixo d’água por meses a fio e se movem com muito mais velocidade.

A primeira tentativa da Coreia do Sul de desenvolver um submarino nuclear, com uma força-tarefa secreta conhecida como 362, lançada em 2003, foi cancelada em meio à controvérsia.

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Moon, o ex-capitão da Marinha, liderou a força-tarefa. Em 2004, o painel já havia finalizado o projeto básico do reator com ajuda da Rússia, afirmou Kim Si-hwan, que trabalhou no projeto como pesquisador do instituto sul-coreano de energia atômica.

A cooperação técnica do instituto com os russos para a fabricação de reatores pequenos remonta a 1995. Em seu relatório anual de 2017, a OKBM Afrikantov, uma empresa russa que fabrica reatores para submarinos, navios quebra-gelo e usinas flutuantes, relatou “discussão contínua com o KAERI a respeito de cooperação nos termos do projeto de reator integral”.

O projeto secreto foi abandonado em 2004, após a revelação de que os cientistas do instituto tinham enriquecido urânio secretamente em 2000, aplicando uma tecnologia usada na fabricação de armas nucleares.

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Mas a Coreia do Sul nunca abandonou suas ambições, apesar de seus obstáculos serem há muito tempo mais diplomáticos do que tecnológicos. Em 2016, a ONG Nuclear Threat Initiative, com base em Washington, afirmou que, se uma corrida armamentista irromper na Ásia, “tanto Japão quanto Coreia do Sul são capazes de construir submarinos ou embarcações de superfície movidos a energia nuclear”.

Quando o presidente Moon estava em campanha eleitoral, um ano depois, ele declarou que “É hora de adquirirmos submarinos nucleares”.

Pouco após sua posse, em 2017, ele pediu para Washington ajudar a resolver o problema do tratado de 1972, o qual a Coreia do Sul concordou em assinar em troca de ajuda dos EUA no desenvolvimento de uma indústria nuclear.

De acordo com Moon Chung-in, ex-conselheiro-especial do presidente Moon, o ex-presidente Donald Trump fez uma sugestão surpreendente: por que a Coreia do Sul simplesmente não compra submarinos nucleares americanos? Mas Washington nunca mais tocou nesse assunto, nem ajudou a Coreia do Sul a obter combustível atômico para seus submarinos, por motivos de não proliferação nuclear.

“Sem urânio enriquecido, o submarino nuclear sul-coreano, se algum dia for construído, não passaria de uma carapaça vazia”, afirmou Lee Byong-chul, professor do Instituto de Estudos sobre Extremo Oriente da Universidade Kyungnam, na Coreia do Sul.

O gabinete de Moon recusou-se a comentar o assunto.

No ano passado, o Ministério da Defesa sul-coreano afirmou que construiria outros seis submarinos, os três primeiros movidos a baterias de lítio. A pasta não especificou o tipo de energia que alimentaria os outros três submarinos de 4 mil toneladas. Mas Kim Hyun-chong, que na época era vice-conselheiro de segurança nacional de Moon, afirmou que a próxima geração de submarinos sul-coreanos seria movia a energia nuclear.

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O reator avançado que a Coreia do Sul está desenvolvendo usa urânio enriquecido a 19,75% como combustível, enquanto usinas nucleares comerciais usam urânio enriquecido a menos de 5%. Apesar de urânio enriquecido a 19,75% não ser incomum para reatores modulares pequenos em desenvolvimento atualmente, urânio com grau similar de enriquecimento também é usado em alguns dos submarinos nucleares em atividade no mundo.

“Seria para uso comercial ou outros propósitos marítimos, mas é uma base bem plausível para o desenvolvimento de submarinos nucleares, e o nível maior de enriquecimento de combustível nuclear é um indicativo muito importante dessa possibilidade”, afirmou Toby Dalton, codiretor do Programa para Política Nuclear do Fundo Carnegie para Paz Internacional.

Nem todo mundo acha que a Coreia do Sul precisa de submarinos nucleares.

Clark, o especialista do Instituto Hudson, afirmou que submarinos movidos a diesel e eletricidade são geralmente menores, mais silenciosos e mais baratos do que os nucleares, o que os torna adequados para operações regionais, como o patrulhamento das águas litorâneas no entorno da Península Coreana. “Seul tem lugares mais importantes onde gastar seu dinheiro”, afirmou ele.

Lee Jae-myung, candidato do partido de Moon nas eleições presidenciais de março, ainda não declarou sua posição a respeito do assunto. Yoon Suk-yeol, o principal candidato da oposição, afirmou que pretende priorizar a melhoria da vigilância aérea e via satélite contra a Coreia do Norte em vez de investir em submarinos nucleares.

“Não acho que precisemos disso neste momento”, afirmou Yoon.

Mas pedidos por submarinos nucleares persistem.

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“Se a Coreia do Norte construir submarinos nucleares, isso mudará o jogo”, afirmouYoon Suk-joon, pesquisador do Instituto Coreano para Assuntos Militares. “A melhor maneira de lidar com eles seria temos submarinos nossos vigiando as proximidades de uma base de submarinos norte-coreanos, por meses se necessário, e segui-los quando eles forem postos em operação.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL