America’s Quarterly: Violência urbana cresce no Chile e Gabriel Boric pende para a direita

Governo enfrenta um ambiente político adverso, que testará a capacidade de Boric manter unida sua fragmentada coalizão de esquerda conforme ele pende para uma posição mais dura em relação ao crime

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Por Nicolás Saldías*

Três policiais foram mortos no Chile durante o cumprimento de seu trabalho em um mês. Em 12 de março, Álex Salazar foi atropelado por suspeitos em fuga. Duas semanas depois, suspeitos de crimes mataram a tiros Rita Olivares. E em 5 de abril Daniel Palma foi baleado na cabeça em um cruzamento. Repetidas tragédias agitam a política do país, ocasionando descontentamento público em razão da criminalidade em ascensão — e muitos sentem que o governo não tem feito o suficiente.

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Problemas de segurança se tornaram um fardo pesado para o presidente esquerdista Gabriel Boric. Eleito para um mandato incumbido de transformar o modelo social e econômico do Chile, Boric percebeu o apoio para essas transformações evaporarem quase totalmente conforme um processo de reforma constitucional fracassou, em setembro do ano passado, e a criminalidade tomou o centro das atenções. Agora o governo enfrenta um ambiente político adverso, que testará a capacidade de Boric manter unida sua fragmentada coalizão de esquerda conforme ele pende para uma posição mais dura em relação ao crime.

A vertiginosidade do declínio na popularidade de Boric é inédita na história recente do Chile, e ele teve uma das luas de mel mais curtas entre os presidentes latino-americanos eleitos recentemente. A situação complicada de segurança no Chile é uma razão importante para sua aprovação em queda — ele tem de enfrentar desafios como a atual violência na região de Araucanía praticada por grupos mapuche radicais e mais criminalidade em áreas urbanas. O índice de homicídios no Chile aumentou 32% em 2022 em relação ao ano anterior. Em março, três quartos dos chilenos relataram ter medo de se tornar vítimas de crimes, de acordo com o instituto local de pesquisas Cadem.

Policiais patrulham centro de Santiago: violência urbana preocupa os chilenos  Foto: MARTIN BERNETTI / AFP

As causas para o aumento na criminalidade incluem tráfico humano e de drogas, assim como furto de recursos naturais. A relativa afluência do Chile torna o país um alvo tentador para sindicatos criminosos internacionais, especialmente enquanto destino de migrantes e narcóticos. Mas os criminosos estão ficando mais audaciosos, conforme atestam as mortes dos policiais no mês passado, forçando Boric a se adaptar rapidamente.

Os chilenos consideram a criminalidade o principal problema em seu país. No fim de março, 71% afirmaram que o combate ao crime deveria ser prioridade nos esforços administrativos do governo, contra 60% anteriormente no mesmo mês. Os eleitores deram notas baixas ao governo de Boric em relação à criminalidade, com 69% afirmando que desaprovam a maneira com que o governo lida com o tema e apenas 29% aprovando (o que espelha os índices de aprovação e desaprovação de Boric).

Baixa avaliação de Boric

Uma razão para a baixa avaliação do público é a decisão de Boric, do fim de 2022, de perdoar 13 criminosos condenados pela Justiça, que, mostraram pesquisas, foi rejeitada pela maioria dos chilenos e fez azedar suas relações com a oposição, ocasionando o colapso de negociações a respeito de novas leis de segurança. A manobra foi vista como uma concessão para sua base de esquerda, que tem figurado no lado perdedor das batalhas por políticas desde a rejeição, em setembro, da proposta de Constituição.

Depois das mortes de policiais em março, o governo se esforçou para apressar a aprovação de seis projetos de lei que buscam expandir os poderes da polícia. Cinco das seis propostas receberam amplo apoio legislativo, mas a dita lei Naín-Retamal não obteve apoio da coalizão do próprio Boric, Apruebo Dignidad. A lei pretende ampliar o escopo da legítima defesa para os policiais, mas membros da coalizão de Boric se opuseram ao projeto, temendo que a legislação possibilite uso excessivo da força pela polícia. Mas o governo deu apoio à proposta, e Boric anunciou que aumentará o gasto em segurança em US$ 1,5 bilhão neste ano.

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A criminalidade tende a continuar o problema mais importante enfrentado pelo governo Boric, pois as razões subjacentes da elevação nos índices de criminalidade requererão esforços concertados e resultados concretos poderão tardar anos. A oposição também deverá manter um foco específico no crime, já que se trata do ponto fraco do governo politicamente.

A principal crítica do governo é a popular prefeita de Providencia, Evelyn Matthei, que está posicionada para se candidatar à presidência pela coalizão de direita Chile Vamos. Ela tem colocado o foco em questões de segurança como principal plataforma de sua campanha e criticou o governo por não levar criminalidade suficientemente a sério afirmando que eles têm de nomear um czar do combate ao crime.

Mas há um risco de que a retórica de endurecimento contra o crime de Matthei possa ser insuficiente para dialogar com eleitores frustrados com o que eles consideram uma falta de segurança desenfreada. O sucesso de Nayib Bukele em El Salvador em reduzir rapidamente os números de homicídios tem se provado um modelo atraente para figuras políticas em todo o continente, e o Chile pode não ser exceção.

Boric se opunha a muitas reformas que teriam dado poder às forças de segurança, mas como presidente ele tem sido forçado a abrir concessões

Figuras como José Antonio Kast, de extrema direita, ou o populista de direita Franco Parisi podem se valer de uma insatisfação generalizada em relação à criminalidade para propor políticas mais radicais contra o crime. Políticas em estilo Bukele são difíceis de serem aplicadas no Chile em razão das fortes instituições democráticas do país, mas os riscos ao devido processo legal poderiam, apesar disso, ser elevados.

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Enquanto isso, Boric se verá atarefado à medida que continuar a se mover para o centro político, introduzindo políticas de segurança que aumentam poderes e recursos das polícias chilenas. Antes de chegar à presidência, Boric se opunha a muitas reformas que teriam dado poder às forças de segurança, mas como presidente ele tem sido forçado a abrir concessões.

Boric está se adaptando à nova realidade em torno de segurança no Chile. Mas sua base de esquerda, tanto no Congresso quanto popular, deverá permanecer hostil às suas novas políticas. E poderá decidir abandoná-lo, o que poderia transformar seu governo em um pato-manco — e afundar as chances da esquerda nas eleições de 2024. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

  • Saldías é analista especializado em América Latina e Caribe da Economist Intelligence Unit e obteve PhD em ciência política da Universidade de Toronto

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