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Análise: República bananeira dos Estados Unidos

O Partido Republicano rendeu-se a uma única família e seus negócios; a convenção se tornou uma plataforma para emoldurar a fama e a fortuna dessa família 

Por Fareed Zakaria e W. POST
Atualização:

Através dos anos, tenho acompanhado campanhas eleitorais em países do Terceiro Mundo nas quais um candidato chama o outro de criminoso e, às vezes, ameaça prendê-lo tão logo seja eleito. Mas não tinha visto isso acontecer em nenhuma democracia ocidental – até esta semana. A convenção republicana foi colorida e caótica, mas, acima de tudo, marcada por um furor punitivo ao qual não faltaram falsos promotores, julgamentos espetaculosos e multidões entoando hinos. O que o mundo viu foi os EUA transformados em república bananeira.

Chegamos tão baixo e tão depressa que às vezes é difícil lembrar que isso não é normal. Apenas oito anos atrás o então candidato republicano, John McCain, interrompeu um de seus apoiadores que acusava Barack Obama de ser árabe, logo, suspeito. McCain explicou que o adversário era, na verdade, “um cidadão e homem de família”, do qual discordava apenas politicamente. 

Em 1983, constrói a Trump Tower, edifício de 58 andares, com auxílio de mão de obra de imigrantes ilegais pagos abaixo do salário mínimo Foto: AP Photo/Charles Rex Arbogast, File

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É visível o contraste com o tom desta campanha, elevado ao máximo por Donald Trump, que insiste em repetir que Hillary Clinton merece cadeia. Trump chegou até a prometer que, se for eleito, seu secretário de Justiça vai consultar os livros e “dar uma boa olhada” na possibilidade de processar Hillary. Ele mesmo já concluiu que a adversária é “culpada como o inferno”. Coisas assim poderiam ter acontecido num país da América Latina – 30 anos atrás. 

A convenção republicana foi marcada pelo ódio a Hillary, pois essa é até agora a única ideia que une o partido. As pessoas escolheram um candidato que não acredita na ideologia que inspirou líderes republicanos durante décadas – livre mercado e livre-comércio, impostos baixos, governo limitado, desregulamentação, reforma do Estado de bem-estar social e uma política externa expansionista. 

Em entrevista ao New York Times, Trump anunciou que não honraria as garantias da Otan de dar segurança aos aliados europeus. Isso é rompimento não apenas com sete décadas de política externa republicana, mas com um profundo compromisso americano que vem preservando a paz desde 1945. É também a mais precipitada declaração de um candidato presidencial dos tempos modernos. 

Mas isso não surpreende. Trump nem finge ter uma ideologia. Sua principal ideia é que ele é grande e, se o país o eleger, o país ficará maior. “Compartilhem minha glória”, grita Evita na produção de Andrew Lloyd Webber. Trump também acena com isso aos eleitores.

Na boa tradição dinástica, os filhos de Trump são importantes vices nos negócios e em campanha. Como assinalou o Washington Post, “há tantos Trumps falando quanto há senadores”. De fato, o ponto alto de cada noite era o discurso de um membro da família. O Partido Republicano rendeu-se a uma única família e seus negócios. A convenção se tornou uma plataforma para emoldurar a fama e a fortuna dessa família. 

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Aconteça o que acontecer, a marca Trump sairá da eleição mais célebre globalmente e com muito mais possibilidades de colar seu nome a condomínios, clubes de golfe, ternos e cursos duvidosos de autoajuda. De fato, Trump, ganhando ou perdendo, uma das consequências desta eleição poderá ser a de que, finalmente, ele valerá o que proclama. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ 

*É COLUNISTA

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