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Os Hermanos

A ex-sex symbol, o ex-ditador e os desaparecidos

Por arielpalacios
Atualização:

Houve coito ou não houve coito? Houve algum presente ou não? Debate sobre desaparecidos da Ditadura Militar saiu brevemente do relato das torturas para ingressar no burlesque. Acima, Graciela Alfano em capa de revista argentina em meados dos anos 70, quando ficou famosa. A estudante de Engenharia e modelo, dizem as más línguas, teria tido um affaire com almirante Emilio Massera, integrante da troika militar que implantou a ditadura mais sanguinária da História da América do Sul no século XX. Um programa de fofocas denunciou que ela teria recebido presentes saqueados de prisioneiros políticos.

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Estes presentes consistiriam em peles e joias que os militares haviam roubado dos desaparecidos políticos (Massera foi acusado de enriquecer graças aos bens saqueados dos desaparecidos políticos, além de extorsões a empresários).

O estopim da investigação, que está sendo realizada pelo promotor Luis Comparatore, foi "Intrusos", um programa de fofocas no canal de TV América comandado pelo jornalista Jorge Rial, especializado em escândalos sexuais das celebridades. Irritada com as especulações sobre seu affaire, Alfano reagiu com veemência. "Se você vai para a cama com um genocida, isso não quer dizer que você sai com 30 mil desaparecidos", afirmou, causando o repúdio imediato das organizações de defesa dos direitos humanos.

Alfano afirmou que nunca havia revelado o nome de homem algum com o qual havia mantido alguma espécie de coito ou afins. No entanto, há poucos meses, contou com detalhes como havia feito um fellatio no ator americano Lorenzo Lamas em um camarim de um canal de TVem Buenos Aires nos anos 90.

As revelações realizadas por Rial também tiveram um efeito de estupefação entre  os integrantes de organizações de defesa dos Direitos Humanos, que costumavam desprezar os programas de fofocas, por considera-los "fúteis". Alguns integrantes das ONGs preferiram que o caso Alfano-Massera fosse deixado de lado, já que isso poderia "frivolizar" a História dos desaparecidos. Outros, na contra-mão, indicaram que exigiam uma profunda investigação, para ver quais atores e modelos estiveram conectados de alguma forma com a ditadura militar. Outros, ainda, afirmaram que as supostas práticas sexuais de uma atriz com um genocida não tinham importância jurídica alguma. Mas, destacavam que seria importante verificar se Alfano havia recebido bens que pertenciam aos desaparecidos ou ex-detidos ainda vivos.

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"La" Alfano atualmente, durante um programa de auditório em Buenos Aires.

O ESPIÃO DE PINOCHET - Comparatore recebeu relatórios desclassificados do serviço de inteligência chileno que respaldariam as suspeitas. Um dos documentos sobre a relação entre Massera e Alfano - e a eventual entrega à sex symbol de bens usurpados de pessoas detidas nos centros clandestinos de tortura da ditadura - foi preparado nos anos 70 por Enrique Arancibia Clavel, um dos espiões preferidos do ditador chileno Augusto Pinochet, autor do atentado contra o general Carlos Prats (braço-direito do presidente Salvador Allende na área militar) em Buenos Aires em 1974. Clavel apareceu assassinado há poucos meses em seu apartamento portenho, supostamente morto por um garoto de programa.

O escândalo aumentou quando a atriz Elsa Ayala afirmou que viu a ex-modelo com Massera nos anos 70 no escritório do almirante quando foi fazer um apelo por seu marido, um desaparecido político. Segundo Ayala, Alfano interrompeu a reunião com Massera com uma frase cortante: "basta, o almirante está ocupado e com muitas coisas para fazer". Ayala replicou: "mas é a vida de meu marido!". Alfano deu a tréplica: "bom, você não é a única...".

Massera tentou flertar também com a presidente Isabelita Perón quando esta estava presa em Bariloche, afirmam biógrafos do defunto ex-almirante. Na foto, Massera está à esquerda.

CASANOVA - Massera, que morreu em dezembro passado após uma década em coma, nunca fez declarações públicas sobre seu hipotético caso nos anos 70 com a então jovem modelo. Com fama de "Casanova", Massera - que assassinou os maridos de algumas amantes - ostentava impecáveis uniformes e permanente bronzeado. O militar, que foi definido pelo escritor e jornalista Miguel Bonasso como um "serial killer com sorriso de Gardel", era famoso por sua crueldade, maquiavelismo e personalidade esquizofrênica. Entre 1976 e 1981 ele integrou a primeira troika que comandoua Argentina nos anos de chumbo.

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Com a voltada democracia, foi detido e levado a julgamento em 1985 pelas acusações de 83 homicídios, 632 sequestros, 267 torturas, 102 roubos, 201 falsificações de documentos, 23 casos de pessoas reduzidas à escravidão, além de 11 sequestros de bebês e uma extorsão. Foi condenado à prisão perpétua, mas, cinco anos depois, foi indultado pelopresidente Carlos Menem(1989-99), sobre o qual também pairam rumores de um caso com Alfano na década de 90.

Graciela Alfano, pela rede de micro-bloggings Twitter, afirmou que nunca teve tipo algum de relação com "o senhor Massera" mais além de "um aperto de mãos" durante uma gala no Teatro Colón. Alfano também disse que sentia-se "caluniada". A ex-sex symbol tentou defender-se das acusações afirmando que possui um "cunhado (Enrique Pecoraro) desaparecido da ditadura em1979".

Sobre Pecoraro, a página que está em um site de d.humanos, aqui.

Capa do jornal Página 12 quando Massera pegou o ferry boat de Caronte no Aqueronte. Ou, quando abotoou o paletó de madeira. Ou ainda, quando foi bater alcatra na terra ingrata.

ESMA: IMOBILIÁRIA, MATERNIDADE E CLUBE DA PERVERSÃO

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Dos 651 campos de concentração da Ditadura, a Escola de Mecânica da Armada (ESMA) tornou-se o mais emblemático. Dentro da cidadedeBuenos Aires,apoucos quarteirões do estádio Monumental de Núñez, foi o cenário das torturas mais cruéis do regime militar. De 5 mil pessoas que passaram por suas celas, somente umas 150 sobreviveram.A ESMA,segundo ojornalista e analista políticoEduardo Aliverti, era "um clube de perversão".

Nesse lugar também funcionava uma maternidade clandestina, onde nasciam os bebês, filhos das prisioneiras políticas. As mães eram assassinadas após o parto, enquanto que as crianças eram entregues a famílias de militares sem filhos. Ao redor de 100 bebês nasceram na ESMA.

Enquanto que nos outros campos de concentração os militares recorriam a métodos "clássicos" como o fuzilamento, na ESMA os oficiais da Marinha, "eliminavam" os prisioneiros por meio dos "vôos da morte". Esta era a denominação da modalidade de jogar os prisioneiros dos aviõesem plenovoô sobreo rio daPrata ou o Oceano Atlântico.

A Esma,alémde centrode detenção e torturas, também transformou-se em um armazém de bens confiscados dos prisioneiros. Durante os sete anos do regime militar, os oficiais da Esma enriqueceram com a venda de jóias, móveis antigos e obrasde arteroubadas das pessoas detidas. Além disso, Massera e seus cúmplices organizaram uma imobiliária, que vendia os apartamentos e casas dos prisioneiros.

"Viva Hitler", "Nós somos deuses" eram algumas das frases que os oficiais haviam pintado nas paredes das salas de tortura, onde também violentavam as prisioneiras que minutos depois levavam - ainda em estado de choque e sangrando - para jantar em uma churrascaria de luxoem plenocentro portenho.

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A jornalista Miriam Lewin, uma das sobreviventes da ESMA, relatou ao Estado o modus operandi dos militares: "eles tinham métodos muito refinados. Vários prisioneiros viram como torturavam seus bebês, na sua frente, ameaçando esmagar a cabeça das crianças".

Espalhados em17 hectares, os diversos edifícios da ESNA que compõem o antigo centro de torturas possuem nomes que indicam o humor negro dos oficiais: "Avenida da Felicidade", "Eldorado", "O Capuz" e "O Pequeno Capuz" (estes dois últimos, em alusão aos capuzes que os militares colocavam sobre a cabeça dos prisioneiros, que freqüentemente ficavam semanas ou meses sem ver a luz do dia).

A Escola de Mecânica da Armada está a poucos quarteirões do estádio Monumental, do time River Plate.

Durante a Copa do Mundo de 1978, os prisioneiros podiam escutar desde suas celas as torcidas no estádio gritando "gol". Nos dias de jogo os oficiais detinham as sessões de tortura para dedicar-se a ver pela TV os embates futebolísticos. Quando os jogos concluíam, dedicavam-se novamente a aplicar choques elétricos ou arrancar as unhas dos prisioneiros.

 

Em 2009 "Os Hermanos" recebeu o prêmio de melhor blog do Estadão (prêmio compartilhado com o blogueiro Gustavo Chacra).

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