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Os Hermanos

"Colchão" financeiro dos argentinos é king size

Por arielpalacios
Atualização:

Argentinos guardam no 'colchão' US$ 170 bilhões. Só no ano passado colocaram neste refúgioum total de US$ 12 bilhões. Os colchões - este magnífico invento do Neolítico que foi brilhantemente aperfeiçoado pelos árabes antes das cruzadas - são o símbolo do dinheiro em lugar seguro. Eles foram um dos diversos esconderijos que os argentinos utilizaram ao longo das últimas décadas para resguardar suas economias.

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O refúgio financeiro preferido dos desconfiados habitantes deste país, os colchões, estão cada vez mais cheios de dólares que saem do sistema financeiro nacional. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec), em média, mensalmente em 2012, US$ 1 bilhão partiu em êxodo do sistema para formar parte daquilo que os economistas na city financeira portenha chamam de "riqueza oculta" da Argentina. No total, atualmente, os argentinos contariam com US$ 170,7 bilhões nos mais variados refúgios.

Mais além do simbólico colchão - cada vez mais king size - os argentinos, para esconder seus dólares recorrem livros nas estantes, potes velhos de conservas e buracos embaixo do assoalho, entre outros. Além destas alternativas improvisadas, guardam suas economias em lugares ortodoxos como caixas de segurança dentro de território nacional e contas bancárias no exterior.

O volume de dinheiro nos colchões e outros refúgios equivale a 40% do PIB da Argentina. Além disso, é quatro vezes maior que as reservas atuais do Banco Central, que na semana passada estavam em US$ 39 bilhões.

O ato de colocar o dinheiro nos colchões - e fora do país - é um clássico argentino há tempos. Mas, essa tendência acentuou-se desde a crise econômica, política e social de 2001. Logo antes da explosão da crise em dezembro daquele ano, os argentinos tinham um total de US$ 81,87 bilhões fora do sistema. Desde a crise o dinheiro fora do sistema aumentou em mais de 100%.

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Neste colchão repousa Hermafrodita, a famosa figura da mitologia grega.A pintura é de Louis Gabriel Blanchet (1705-1772). 

Por trás deste fenômeno estão quatro décadas de desconfiança nos governos de plantão (que volta e meia realizavam confiscos) e dos bancos instalados no país (que com frequência fechavam suas portas, deixando os correntistas sem suas economias). Segundo estimativas da city financeira portenha, o grau de bancarização dos argentinos é um dos mais baixos do ocidente: em 2010 53% das famílias do país não operam com banco algum.

Na última meia década o dinheiro nos "colchões" deu grandes saltos, acompanhando os momentos de crises e incertezas políticas. Esse foi o caso do ano 2008, quando o governo Kirchner manteve um duro confronto com os ruralistas. Nesse ano, o dinheiro fora do sistema aumentou em 23 bilhões. Em 2009, quando a presidente Cristina desatou uma guerra contra a mídia não-alinhada, gerando mais incertezas sobre a segurança jurídica, o volume aumentou em 14 bilhões.

Os analistas afirmam que o volume em 2012 poderia ter sido substancialmente maior ao registrado. Mas, o "corralito verde" (denominação das medidas de restrição para a compra de dólares) provocou uma desaceleração do fenômeno.

Metade do dinheiro fora do sistema estaria nos esconderijos domésticos, afirmam os analistas. A outra metade estaria em contas bancárias no exterior na Suíça, paraísos fiscais do Caribe e no Uruguai.

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No colchão acima, São Martim de Tours (316-397) dormindo profundamente (embaixo do colchão, umas misteriosas grandes caixas). A obra, que está na capela de São Martim,na igreja de São Francisco, em Assis, Itália, é "O sonho de São Martim", pintada entre 1312 e 1317 por Simone Martini (1284-1344), um dos grandes pintores do 'trecento' italiano (e o mais famoso no domínio da cor). São Martim de Tours, coincidentemente, é o patrono da cidade de Buenos Aires (e como ele se transformou no patrono portenho,bom... essa é uma história divertida que vale a pena contar em outra postagem, mais especificamente, no dia 11 de novembro, que é o dia deste santo).

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FERRY BOAT E BANCOS - Uma das alternativas dos argentinos é o de colocar o dinheiro em bancos no Uruguai (país que também foi o tradicional ponto de refúgio de exilados políticos ao longo de quase dois séculos, que ali buscavam a segurança que não obtinham em seu país).

Para fazer isso, as pessoas que moram em Buenos Aires ou sua área metropolitana só precisam pegar um avião e estão em meia hora em Montevidéu. Ou, tomar o ferry-boat no porto de Buenos Aires e desembarcar uma hora depois na cidade uruguaia de Colônia, onde os bancos estão especialmente abertos nos sábados, para atender os argentinos.

Ali, desde milionários, passando por profissionais liberais, comerciantes, autônomos até aposentados colocam suas economias a resguardo. Isto é, desde volume milionários até contas com depósitos de US$ 3 mil.

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Sketch do grupo Monty Python em seu programa de TV, o "Monty Python's Flying Circus", no qual um casal tenta comprar um colchão.

ROMANOS, ÁRABES E O MARIO PUZO - Em diversas partes do planeta também usa-se a figura do colchão como uma quantia de dinheiro que serve de resguardo para imprevistos ou como base para um investimento.

A palavra em português e em espanhol vem do latim "culcita", que significa colcha ou lugar para deitar. Dali vem o verbo francês "coucher" (deitar ou ter sexo).

Em outros idiomas, como o inglês (mattress), o francês (matelas), o alemão (matratze), o italiano (materasso) e o russo (??????) a origem da palavra provém do árabe má?ra? (???? ), que significa lugar onde se joga alguma coisa (que deriva do verbo ??? (pronuncia-se ?ara?a, isto é, "jogar").

No romance "O Poderoso Chefão" (The Godfather, de 1969) o escritor Mario Puzo cita a expressão mafiosa "to go to the mattresses" (ir aos colchões), como equivalente a ir para a guerra, usar táticas rudes, agira sem limites.

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- I want Sollozzo. If not, it's all-out war. We'll go to the mattresses.

(Quero o Sollozzo. Se não for assim, será guerra total. Nós iremos aos colchões)

Va bene...mas quantos ministros mesmo, caro?

40 ANOS, 33 MINISTROS DA ECONOMIA, 33 PRESIDENTES DO BC E 19 PRESIDENTES DA REPÚBLICA

No dia 4 de junho de 1975, o então ministro da Economia, Celestino Rodrigo, anunciou um pacote de medidas que causou o primeiro grande colapso econômico e financeiro que o país sofria desde a crise mundial de 1929. O pacote - "El Rodrigazo" - implicou em uma desvalorização de 160% da moeda, aumentos de 100% das tarifas de serviços públicos, entre outras controvertidas medidas.

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Em seis meses, a inflação escalou 183%, enquanto protestos sociais, sindicais e políticos alastravam-se. A presidente Isabelita Perón perdeu respaldo e foi derrubada por um golpe militar oito meses depois.

Coincidentemente, de 1975 para cá o país teve uma grave crise econômica a cada sete anos.

Nos últimos 40 anos a instabilidade política e econômica da Argentina gerou uma troca constante dos nomes do comando da política econômica que intensificou a desconfiança dos argentinos e os levou a colocar suas economias fora do alcance dos governos e dos bancos. Nestas quatro décadas a Argentina teve 33 ministros da economia. Coincidentemente, o país também teve 33 presidentes do Banco Central.

O número de presidentes da República foi menor, em um total de dezenove, entre militares, civis eleitos nas urnas, além de civis provisórios colocados pelo Parlamento. Mas, marcados pela constante da instabilidade, somente três completaram seus mandatos.

Os analistas indicam que o motivo para o substancial volume de dinheiro nos colchões não indica uma tentativa de driblar o fisco, mas sim, o temor pela instabilidade econômica do país.

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Nestas quatro décadas a Argentina passou por seis graves crises econômicas que incluíram períodos recessivos, confiscos bancários, mega-desvalorizações da moeda e calote dos títulos públicos. Os diversos governos de plantão alternaram fases de políticas estatizantes, privatizações e restatizações.

Pinguins (os de Madagascar) e um reboliço com colchões e travesseiros. "La Pinguina", Cristina Kirchner, desatou uma intensa cruzada anti-dólar após sua reeleição em 2011. As medidas, ironicamente chamadas de "corralito verde" pelos portenhos, praticamente impediram que os argentinos comprem dólares para poupar. Paradoxalmente, a própria presidente Cristina em bancos tinha aplicações financeiras na moeda de "El Imperio", a.k.a. Estados Unidos. O escândalo foi de tal magnitude que La Pinguina teve que anunciar que "pesificaria" essas aplicações.

EXPRESSÕES PARA A FUGA DE DÓLARES

"Cruzar o charco": Expressão para indicar que a pessoa atravessará o "charco", denominação irônica do rio da Prata, rumo ao Uruguai (onde milhares de argentinos possuem contas bancárias, longe da fiscalização do Estado argentino e de eventuais confiscos ou restrições).

"Quem aposta no dólar perde": Frase de Lorenzo Sigaut, ministro da economia da Argentina em 1981. No entanto, em menos de uma semana a cotação do dólar aumentou em 35%, contrariando as previsões do ministro.

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"Quem depositou dólares receberá dólares": Frase do presidente provisório Eduardo Duhalde em plena crise em janeiro de 2002. Dias depois percebeu que isso seria impossível e implantou o "corralón" (confisco das contas em dólares). Os dólares foram "pesificados" compulsoriamente a 1,40 pesos. Três meses depois o câmbio real chegava a 4,00 pesos.

"Corralito verde": Denominação irônica das medidas aplicadas pelo governo Kirchner para restringir as operações de compra e venda de dólares.

Colchões: Em meio às turbulências das políticas econômicas dos governos de plantão nem sempre é possível dormir placidamente como neste quadro do batutésimo Henri de Toulouse-Lautrec (1864-1901). É o "Dans le lit" (Na cama), de 1893. Exposto no Musée D'Orsay, Paris

 

E aqui, o vídeo sobre colchões & dólares na TV Estadão:

 

 
 

Em 2009 "Os Hermanos" recebeu o prêmio de melhor blog do Estadão (prêmio compartilhado com o blogueiro Gustavo Chacra).

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