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Assassinos do presidente do Haiti tinham elos no exterior

Morte de Jovenel Moïse implica ex-comandos militares colombianos que cruzaram a República Dominicana, dois haitiano-americanos do sul da Flórida e um impasse na Embaixada de Taiwan

Por Anthony Faiola , Rachel Pannett e Shawn Boburg
Atualização:

PORTO PRÍNCIPE - O misterioso complô que levou ao assassinato do presidente do Haiti, Jovenel Moïse, assumiu as dimensões de um caso internacional, reunindo ex-comandos militares colombianos que cruzaram a República Dominicana, dois haitiano-americanos do sul da Flórida e um impasse na Embaixada de Taiwan, enquanto as autoridades do país pediam ajuda internacional em sua busca pelos mentores do crime.

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A empobrecida nação de 11 milhões de habitantes permaneceu paralisada por dúvidas - incluindo se os autores intelectuais do assasinato vinham das fileiras dos inimigos mais óbvios de Moïse ou eram potencialmente muito mais próximos do presidente.

Bed-ford Claude, um promotor haitiano, disse ao The Washington Post que havia solicitado o “interrogatório” de Dimitri Herard e Laguel Civil, figuras importantes da segurança do presidente. Na capital, as autoridades pediram "calma", pois os cidadãos irados queimaram carros supostamente usados pelos suspeitos e enquanto a polícia prendia cidadãos colombianos escondidos, cujo plano de fuga foi frustrado.

Homem da Polícia Nacional monta guarda na entrada da residência presidencial, em Porto Príncipe. Foto: VALERIE BAERISWYL / AFP

Uma linha de questionamento focou no que os participantes sabiam. Um dos americanos disse aos investigadores que eles foram contratados como “intérpretes” para uma operação que pensaram ser uma missão autorizada para prender o presidente.

As autoridades colombianas confirmaram na noite de quinta-feira que pelo menos seis dos suspeitos eram ex-membros do exército colombiano, dizendo que haviam iniciado uma investigação sobre seu suposto envolvimento. O ministro da Defesa, Diego Molano, disse que a Interpol havia solicitado formalmente informações sobre seis pessoas supostamente responsáveis pelo ato, duas das quais morreram.

“Inicialmente, as informações indicam que são cidadãos colombianos, aposentados do Exército Nacional”, afirmou.

O chefe da polícia nacional da Colômbia, general Jorge Luis Vargas, disse que informações sobre suas finanças, horários e datas de voos serão enviadas a Porto Príncipe para auxiliar na investigação.

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O enredo insólito levou ao assassinato do presidente de 53 anos e feriu gravemente sua esposa, Martine, em sua casa no bairro Pelerin 5, nas colinas acima de Porto Príncipe, na quarta-feira.

As autoridades haitianas disseram que dois cidadãos americanos de ascendência haitiana, identificados como James Solages, 35, e Joseph Vincent, 55, estão entre os presos. O jornal Le Nouvelliste do Haiti, citando juízes investigadores que entrevistaram Solages e Vincent, disse que os homens alegaram ser intérpretes dos agressores. Solages disse que “encontrou o emprego na Internet”.

“Eles disseram que eram intérpretes. A missão era prender o presidente Jovenel Moïse, no âmbito de um mandato de um juiz de instrução, e não matá-lo ”, disse a juíza Clément Noël ao jornal.

Solages disse que estava no Haiti havia um mês e morava “não muito longe” da casa do falecido presidente. Joseph disse que estava no Haiti havia seis meses. Solages disse às autoridades que os mercenários estavam no Haiti há cerca de três meses e que alguns deles haviam entrado pela República Dominicana, disse o jornal.

O presidente do Haiti, Jovenel Moise, assassinado nesta quarta-feira, 7, segundo o governo local. Foto: (AP Photo/Dieu Nalio Chery, File)

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Schubert Dorisme, 63, tio de Solages, um dos suspeitos, disse em uma entrevista que sua família ficou chocada com o suposto envolvimento do sobrinho no assassinato do presidente haitiano e só soube de sua prisão ao ver uma notícia no Facebook. Solages não tinha treinamento militar, disse ele.

“Em primeiro lugar, sinto muito pelo que aconteceu com meu presidente. Lamento profundamente. Me sinto como se meu filho tivesse matado meu irmão”, disse Dorisme do lado de fora de sua casa em Tamarac, onde parentes de Solages se reuniam. “Eu amo meu presidente e amo James Solages”, disse ele. “Eu não sei como isso aconteceu. Ele não tem nenhum treinamento militar ”, acrescentou.

Dorisme disse não ter certeza de quanto tempo seu sobrinho esteve visitando o Haiti antes do assassinato, mas acrescentou que ele viajava periodicamente para ajudar nos esforços humanitários e de caridade em sua cidade natal, Jacmel, onde uma vez concorreu sem sucesso a prefeito.

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Dorisme disse que membros da família nunca souberam que Solages tivesse crenças políticas radicais. “Para mim, ele foi lá só por causa disso”, disse ele, referindo-se ao ataque mortal.

Enquanto os tiroteios entre a polícia e os suspeitos acotneciam na quinta-feira, a embaixada de Taiwan em Porto Príncipe disse que a polícia haitiana, com a aprovação de Taipei, entrou em seu território e prendeu 11 pessoas que invadiram o complexo e estavam escondidas lá.

A morte de Moïse gerou incerteza quanto à legitimidade da liderança do Haiti e agravou a situação de segurança volátil no país que divide a ilha de Hispaniola com a República Dominicana.

A representante especial das Nações Unidas para o Haiti, Helen La Lime, disse a repórteres na quinta-feira que o Conselho de Segurança havia discutido a portas fechadas um pedido do Haiti para fornecer “assistência de segurança” à investigação em meio a uma crise política que se aprofunda.

“Todos os esforços devem ser feitos” para levar os responsáveis pelo assassinato do presidente à justiça, acrescentou. As autoridades estão procurando outros oito suspeitos.

Moïse, um empresário que assumiu o cargo em 2017, governou por decreto após o término dos mandatos parlamentares em janeiro de 2020. Dois homens agora afirmam ser oprimeiro-ministro. Moïse deveria empossar Ariel Henry, um neurologista, como primeiro-ministro na quarta-feira para substituir o primeiro-ministro em exercício Claude Joseph - o último nomeado dos premiês em série do país.

As Nações Unidas reconheceram na quinta-feira a legitimidade de Joseph, que La Lime disse estar comprometido com a realização de eleições em setembro.

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Enquanto isso, os vizinhos regionais estão pedindo uma intervenção internacional para evitar mais distúrbios em um país já instável por meses de protestos contra a extensão do governo de Moïse. Gangues armadas com alianças pouco claras assumiram o controle de partes crescentes do país, aterrorizando a população com sequestros, estupros e assassinatos.

O presidente colombiano, Iván Duque, pediu à Organização dos Estados Americanos na quarta-feira que envie uma “missão urgente” para proteger a ordem. José A. Blanco, o representante permanente da República Dominicana nas Nações Unidas, fez um pedido semelhante à comunidade internacional na quinta-feira.

“A principal preocupação é a segurança no momento”, disse Blanco aos repórteres. “Pedimos uma missão robusta no Haiti para ajudar o povo haitiano a restaurar a paz”.

Questionado na quinta-feira se as Nações Unidas deveriam considerar a restauração de algum tipo de operação de manutenção da paz, La Lime disse que o Haiti deveria especificar que tipo de assistência de segurança está buscando. As Nações Unidas encerraram uma missão de paz de 15 anos ao país em 2019.

A raiva em Porto Príncipe está crescendo à medida que as autoridades tentam impedir que a capital caia nas mãos de vigilantes. Um vídeo compartilhado na quinta-feira por Mathias Pierre, ministro eleitoral e das relações interpartidárias do Haiti, mostrou dois suspeitos amarrados sendo arrastados de uma casa por uma multidão em fúria. Bandos queimaram três dos cinco veículos apreendidos pela polícia após o ataque.

O chefe de polícia Charles Leon mostrou 17 suspeitos algemados perante jornalistas em uma entrevista coletiva na noite de quinta-feira. Em uma mesa próxima estavam armas que as autoridades disseram ter apreendido, incluindo rifles de assalto e facões, bem como um quadro com os passaportes dos homens.

As autoridades ainda não forneceram evidências do suposto envolvimento dos detidos no assassinato e permanecem perguntas sobre quem lançou o ataque e por quê. Eles disseram que 28 agressores estiveram envolvidos, com 17 capturados, três mortos e oito ainda em fuga.

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As autoridades disseram que o ataque foi conduzido por uma equipe de "comandos". Isso gerou especulações nas redes sociais sobre como a equipe de elite descrita pela polícia poderia penetrar na casa do presidente, na segurança e na sala do pânico, mas acabar presa por não ter planejado uma fuga.

Houve relatos conflitantes sobre se membros das forças de segurança foram feridas no ataque. O juiz haitiano Carl Henry Destin, que avaliou a cena na manhã de quarta-feira, disse ao Post que testemunhas oculares com quem ele falou disseram que apenas Moïse, que foi morto, e a primeira-dama, que foi baleada, foram feridos no ataque. Os agressores alegaram ser agentes da Agência Antidrogas dos EUA - uma acusação que as autoridades americanas negam e que as autoridades haitianas descartaram. 

O presidente foi encontrado morto em seu quarto, de costas, em uma camisa branca manchada de sangue e calça azul.

“Seu corpo foi crivado de balas”, disse Destin. “Ele estava perfurado por 12 buracos, entre eles, cinco grandes buracos.”

O quarto foi saqueado, disse ele. “Vimos um líquido vermelho, provavelmente sangue, ao redor da cama onde estava o presidente”, disse Destin. “Encontramos o corpo dele no chão em frente à cama.”

Ele disse que a filha do presidente, Jomarlie Jovenel Moïse, relatou ter visto sua mãe com ferimentos no braço direito. Jomarlie estava com seu irmão mais novo durante o ataque. Destin disse que uma empregada e outro funcionário da casa foram amarrados pelos agressores.

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