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Bush ignora grandes lições de um presidente sábio

A história se repete, como disse o filósofo americano George Santayana, especialmente para aqueles que não a estudam. Por Tom Murphy.

Por Agencia Estado
Atualização:

Uma coalizão de grandes potências, junto com Israel, invade um país no sempre volátil Oriente Médio. Há dois objetivos: proteger interesses econômicos vitais e tirar do poder o presidente daquele país, um homem que se diz "o líder natural do mundo árabe." Das grandes potências, só uma fica fora da coalizão. Seu presidente condena a invasão como "um exercício do imperialismo vitoriano." Ele exige a retirada das tropas através de uma resolução das Nações Unidas, mas os invasores derrubam a iniciativa com o seu poder de veto no Conselho de Segurança. A invasão, alerta este presidente sábio, era um grande erro. E como foi. Os invasores fracassaram. Governos caíram, exceto o do "líder do mundo árabe." Ao contrário, o presidente do país invadido viraria o herói da resistência ao imperialismo. Meio século de ira, tensão e guerra se segue. A História se repete A história se repete, como disse o filósofo americano George Santayana, especialmente para aqueles que não a estudam. A invasão em questão era aquela organizada pela França e o Reino Unido em 1956 com o objetivo de tirar o Canal de Suez das mãos de Gamal Abdel Nasser, o presidente do Egito que se proclamara o "Pai dos Árabes." Entre os líderes dos países da Otan, apenas uma voz se levantou contra a guerra. Mas era uma voz poderosa, a do presidente dos Estados Unidos, Dwight D. Eisenhower. O presidente americano atual, George W. Bush, anda esquecido. Deveria ser lembrado das palavras de seu grande antecessor republicano, que disse no dia 2 de novembro de 1956, em meio a crise de Suez: "Não vejo nenhuma vantagem em entrar numa briga destas; o mundo inteiro chama você de valentão e você sequer tem o apoio firme de seu próprio povo." Era a profecia. Os ministérios do Reino Unido e da França, os de Anthony Eden e Guy Mollet, respectivamente, cairiam em seguida. Nasser, temendo novas ações militares no seu território, decidiu negar acesso ao Canal de Suez para todos, mandando afundar 32 navios carregados de blocos de concreto que navegavam por suas águas. O canal só foi reaberto em 1970. Arquivo/AE Eisenhower, exemplar comandante das forças aliadas na Segunda Guerra Mundial e chefe do Estado Maior no início da Guerra Fria, sabia que a marca principal de uma grande potência não era o uso da força mas sim a sobriedade e a cautela. Dos oito presidentes entre Truman e Reagan, Eisenhower foi o que menos usou as Forças Armadas em intervenções no exterior e o que menos registrou baixas militares. O curioso pacifismo militar Neste sentido, Eisenhower se inseria perfeitamente na tradição militar americana, cuja doutrina data dos anos em que William T. Sherman servia no cargo de chefe do Estado Maior (1869-1883). O teimoso Sherman, impiedoso comandante durante a Guerra Civil americana (1861-1865), pregava uma fé simples e até curiosa entre os soldados - o ódio à guerra. A guerra, segundo Sherman, deveria ser evitada a qualquer custo. Porém, uma vez deflagrada, a melhor solução seria sempre a mesma - a força maciça. "A guerra," disse Sherman, "é infernal." Era esta a filosofia do Presidente Eisenhower, como é do atual Secretário do Estado Colin Powell, também militar profissional e ex-chefe do Estado Maior. Enquanto isso, os "falcões" do governo americano, incluindo o próprio presidente, o vice-presidente Dick Cheney e o Secretário de Defesa Donald Rumsfeld, ou nunca enfrentaram uma guerra de verdade (Rumsfeld era instrutor na Marinha, Bush membro da Guarda Nacional, uma espécie de exército de reserva), ou simplesmente não serviram nas Forças Armadas. Para alguns, mas especialmente para membros do próprio partido republicano, a prudência de Eisenhower beirava o pacifismo. Em determinado momento, por exemplo, o presidente pensou em fechar West Point, a histórica academia militar americana de onde ele mesmo tinha saído tenente em 1915. Eisenhower agia assim por motivos que até os assessores mais próximos, como Nelson Rockefeller, não entendiam. No fundo, ele achava que a "necessidade de intervir" no exterior era, na realidade, ora pânico, ora interesse, ora machismo puro. Como disse o biógrafo Stephen Ambrose (autor do magnífico Banda de Irmãos), "ninguém pode calcular quantas vidas Eisenhower preservou ao longo dos oito anos da sua presidência ao resistir aos coros, em alguns casos unânimes, exigindo guerra." Quando os franceses pediram tropas americanas para prolongar a sua aventura no Vietnam em 1954, Eisenhower negou. Arquivo/AE Quando a direita americana exigiu a invasão de Cuba depois da Revolução de Fidel Castro em 1959, ele resistiu. Quando os líderes do Congresso, até os próprios republicanos, fizeram coro para aumentar maciçamente os gastos militares depois do lançamento de Sputnik em 1957, o presidente respondeu com seu famoso discurso sobre os perigos de um "complexo militar-industrial desenfreado." As lições de um presidente sábio Ike, como o presidente era chamado pelo povo americano, deixou muitas lições para os seus sucessores. No caso específico da crise de Suez, Eisenhower temia com toda razão a perda de influência por parte dos Estados Unidos sobre seus aliados no Mundo Árabe. E não era só isso. Ike, ao contrário dos presidentes republicanos mais recentes, estava atento aos países mais pobres do planeta. Pediu mais dinheiro para fomentar o desenvolvimento internacional do que o antecessor democrata Harry Truman, ao dizer "a prosperidade americana não tem futuro quando um terço da humanidade está faminta." A outra lição é política. Uma grande ironia é que Ike ganhou popularidade ignorando as pesquisas de opinião. A crise do Canal de Suez eclodiu dias antes da eleição de 1956. Segundo o então chefe do Estado Maior, o General Andrew Goodpaster, "o presidente disse que se a questão do Suez o derrubasse ele entraria feliz na aposentadaria." Ike fez o seu discurso condenando os próprios aliados. "O nosso compromiso é com as Nações Unidas e a lei internacional, não com alianças tradicionais." Isto a seis dias do pleito que deu a ele a reeleição. Ele ganhou 35 milhões de votos contra os 25 milhões recebidos pelo democrata Adlai Stevenson. Os Estados Unidos de hoje são, como eram nos anos 1950, o país mais poderoso do mundo não em função das suas armas mas, isto sim, por causa das liberdades civis que a prosperidade e uma sociedade liberal proporcionam aos seus habitantes. Isto, o Presidente Eisenhower, grande militar, entendia. É o que o presidente atual, sem experiência pessoal de guerra, já esqueceu ou nunca aprendeu.

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