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Caso George Santos: Um vigarista me sucedeu no Congresso dos EUA, diz Tom Suozzi, seu antecessor

Comportamento de Santos foi além da conversa fiada: ele inventou as bases de sua biografia em uma medida que a maioria dos eleitores acharia impossível

Por Tom Suozzi

Hoje é meu último dia como membro do Congresso, e George Santos está prestes a tomar posse do assento que eu ocupei por seis anos. Ele fará o juramento de “sustentar com boa-fé” a Constituição e assumirá esta obrigação sem nenhum “propósito de evasão”. Perdi a conta de quantas evasões e mentiras Santos cometeu e contou a respeito de si mesmo, suas finanças e suas histórias e relações em nossa faixa de Long Island e do nordeste do Queens. Quando ele tomar assento, nosso Congresso será diminuído, assim como nosso país e os eleitores do Terceiro Distrito Congressional de Nova York — que logo serão componentes de sua circunscrição. Entristece-me que, após 30 anos de função pública fundamentada sobre trabalho duro e serviço para os cidadãos dessa região, eu seja sucedido por um vigarista.

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Ainda assim, agarro-me ao meu senso de otimismo. Acredito que, apesar de vagarosa e frustrante como se apresenta certas vezes, nossa democracia, nossa imprensa livre e nosso estado de direito funcionam. Eles têm de funcionar.

Eu também conheço bastante bem os eleitores do Terceiro Distrito; eles acreditam no Estado de direito, em jogar conforme as regras. Eles gostam de autenticidade em seus líderes e se orgulham de ter um bom detector de conversa fiada. Mas fato é que o comportamento de Santos foi além da conversa fiada: ele inventou as bases de sua biografia em uma medida que a maioria dos eleitores acharia impossível. A vergonha poderá ser grande demais, correto? Estou certo de que se os eleitores do Terceiro Distrito tiverem oportunidade de determinar seu futuro político novamente, ele partirá.

George Santos gargalha durante votação de presidente da Câmara dos EUA. Foto: Win McNamee/Getty Images/AFP

Mas por agora não há como contornar o fato de que o jogo de mentiras de Santos é a manifestação de um crescente fenômeno político de dizer ou fazer qualquer coisa sem nenhuma consequência automática. Sejam eles negacionistas eleitorais de extrema direita, indivíduos que fazem ataques pessoais e conclamam violência contra oponentes ou alegações de massacres de bandeira-falsa, extremistas berrando a primeira coisa que lhes vêm à mente ou até mesmo um político afirmando que poderia “atirar em alguém” na Quinta Avenida que nem assim perderia apoiadores. Se pretendemos subjugar a tirania de mentirosos contumazes e suas mentiras, Santos deve ser responsabilizado: ele tem de ser removido, pelo Congresso ou pela Justiça, porque não há nenhuma indicação que ele será motivado por sua consciência a renunciar voluntariamente.

Não faço essas afirmações de maneira leviana. Expulsar um membro do Congresso não é tarefa fácil, e o que se espera é certamente elevado. A democracia do nosso país tem como base eleições livres e justas, a sabedoria dos eleitores e a transferência pacífica de poder. Mesmo agora, alguns dos eleitores da minha circunscrição não querem seus votos revogados e Santos retirado.

Mas agora nós sabemos que ninguém votou no verdadeiro George Santos. Evidentemente, alguns candidatos dizem e fazem qualquer coisa para conquistar um assento e então abusar da confiança do público. Em Santos temos uma pessoa que abusou da confiança do público mesmo antes de assumir o assento; é atordoante pensar como serão suas ações e conversas no Congresso em nome de seus eleitores.

Sei, a partir da minha experiência como prefeito da minha cidade-natal e como executivo do Condado de Nassau, que você não consegue que as coisas sejam feitas sem construir confiança entre seus colegas. Como alguém poderá confiar em Santos? Como ele poderia ser eficiente?

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Mesmo antes das mentiras de Santos serem expostas nos meios de comunicação, ele já se mostrava um avatar desta era de impunidade e inconsequência. Concorremos em 2020: estávamos no meio da pandemia de covid, ele não morava no distrito e ninguém nunca tinha ouvido falar dele. Santos tinha poucos fundos de campanha, e durante nossas raras aparições conjuntas durante a campanha, todas virtuais, ele transpirava falácia. Eu o ignorei, quase não mencionei seu nome e o derrotei com uma margem de 12 pontos.

Na noite após a eleição de 2020, Santos entrou no desacreditado vagão “stop the steal” (parem o roubo) de Donald Trump. Nós sabíamos no Dia da Eleição que tínhamos vencido — e de lavada. Mas ele usou o movimento trumpista para levantar fundos online e atendeu a orientação para novos membros antes da eleição ser resolvida. Eu fui empossado em 3 de janeiro de 2021, sem muito alarde. Depois soubemos que ele havia comparecido ao comício de Trump na Ellipse, em 6 de janeiro de 2021. E ele foi além, gabando-se de que tinha feito “um cheque legal para uma firma de advocacia”, para ajudar réus que tinham invadido o Capitólio. (Provavelmente nem isso ele fez.) Seu comportamento deveria ter-nos alertado a todos, mas ele não foi levado a sério — e infelizmente, como Robert Zimmerman, seu oponente democrata na eleição de 2022, afirmou, a imprensa não captou realmente o nível de sua falsidade. Suas ações e comentários sobre o 6 de Janeiro não surtiram as consequências que deveriam.

Agora nós sabemos mais a respeito das mentiras em sua biografia. Ficamos estarrecidos com sua insensível e falaciosa associação com a comunidade judaica. Seu tour de desculpas foi constrangedor e continua a levantar mais dúvidas perturbadoras. Saberemos mais a respeito de sua fortuna recém-descoberta, seus registros financeiros questionáveis e seus financiamentos de campanha à medida que a imprensa, as autoridades policiais e, idealmente, a Comissão de Ética da Câmara o investigarem. Mas já sabemos o suficiente.

Toda essa atenção poderia estar agradando Santos? Este inexperiente novato que inventou grande parte de sua história de vida é agora mais bem conhecido do que a maioria dos congressistas, incluindo a mim. Ele está ficando tão conhecido quanto outros abusadores de confiança, como Sam Bankman-Fried e Bernie Madoff. Assim como eles, Santos parece ter conduzido suas finanças de maneiras altamente incomuns, talvez ilegais. Mas tenho de imaginar, tendo visto seu deleite por atenção e seu autoapreço, se ele gosta que todos saibam seu nome — mesmo que isso ocorra por causa de outra mentira ainda maior.

George Santos admitiu ter mentido sobre biografia para concorrer ao posto de deputado em Nova York. Foto: Olivier Douliery/ AFP

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As pessoas do meu distrito estão organizando comícios, assinando petições e exigindo que a liderança republicana atue. O distrito é um modelo de moderação, visto por muitos observadores políticos como uma circunscrição 50-50, com eleitores favoráveis a atitudes pés no chão. Eles desgostam de partidarismos e valorizam lideranças sinceras. Eles estão agora sendo representados por um mentiroso escorregadio e inexperiente, um indivíduo insincero. Todos os dias eles se perguntam: “Como isso pode ter acontecido? O que podemos fazer”. Estamos contando com a imprensa para continuar apurando, com as forças policiais para seguir investigando e com o crescimento da pressão política na Câmara.

Mas repito: acredito que corrigiremos esta situação. Tantas pessoas em pânico vieram a mim durante a presidência de Trump, temerosas de que suas táticas poderiam lhe garantir um segundo mandato — e com mais autoridade. Ele perdeu. Fui um dos últimos a permanecer na Câmara enquanto o motim de 6 de Janeiro se intensificava, e as pessoas se preocuparam legitimamente com a possibilidade dos insurrectos se saírem bem-sucedidos. Nós certificamos a eleição naquela noite, e mais de 960 pessoas foram indiciadas. Os negacionistas eleitorais foram decididamente obrigados a recuar.

Tenho sempre em minha mente uma das minhas falas favorita do filme “O Exótico Hotel Marigold”, de 2011: “Tudo dá certo no fim. Então, se nem tudo está certo, é porque a história ainda não acabou”. É assim que me sinto em relação aos Estados Unidos agora mesmo. Não se trata de uma ideia ingênua; é isso que nos mantém sãos e capazes de continuar avançando na era de Santos e Trump. O sistema funciona — se não imediatamente, por fim. Funcionou durante toda a nossa história e funcionará agora. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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*Suozzi, do Partido Democrata, representava o Terceiro Distrito Congressional de Nova York desde 2017. Ele foi executivo do Condado de Nassau, prefeito de Glen Cove, Long Island, e concorreu para a indicação democrata para a eleição ao governo de Nova York em 2022

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