PUBLICIDADE

Com disparada de casos, chineses agora querem ficar em casa

Quase ninguém está se aventurando nas ruas de Pequim, mesmo depois da flexibilização das medidas anti-covid após a maior onda de protestos no país em décadas

PUBLICIDADE

Por Keith Bradsher e David Pierson

Os restaurantes fecharam porque muitos funcionários testaram positivo para covid. Os normalmente onipresentes entregadores de comida que atravessam o trânsito em suas scooters desapareceram por causa das infecções. As farmácias estão sem remédios para gripe e os supermercados estão ficando sem o essencial, como desinfetante e lenços antibacterianos.

PUBLICIDADE

Menos de uma semana depois que o Partido Comunista da China suspendeu as rígidas restrições contra o coronavírus, após a política de covid zero do governo levar aos maiores protestos na China em mais de 30 anos, Pequim agora parece uma cidade em meio a um lockdown – desta vez, auto-imposto pelos residentes.

Calçadas e ruas comerciais, antes movimentadas, agora estão vazias, as vias de tráfego desertas. Os residentes estão dentro de casa e acumulando remédios enquanto uma onda de covid varre a capital chinesa. “Ninguém se atreve a sair agora”, disse Yue Jiajun, dono de um restaurante em Pequim, que inicialmente comemorou quando os clientes puderam jantar dentro no local na semana passada, apenas para ver o aumento de infecções afastar os clientes de novo.

Farmacêutica prepara medicação para uma chinesa em Pequim, em imagem desta quarta-feira, 14. Casos de covid aumentaram na China após o relaxamento das medidas Foto: Dake Kang / AP

“Mesmo para entrega, não tenho clientes”, disse Yue, que admitiu não haver motoristas de entrega suficientes para seus pedidos.

Por toda a cidade, os moradores foram tomados pela percepção de que um vírus que a maior parte do mundo já havia experimentado estava se espalhando livre e rapidamente pela primeira vez, três anos depois de ter surgido. O Weibo, o popular serviço de mídia social da China, estava repleto de pessoas de todo o país compartilhando notícias de suas infecções e experiências pessoais com a covid.

“Percebo que 50% a 60% dos meus parentes e amigos testaram positivo”, escreveu uma pessoa no Weibo, o site de mídia social da china. Liu Qiangdong, executivo-chefe do site de comércio eletrônico JD.com, e Wang Shi, magnata do setor imobiliário, compartilharam no Weibo suas experiências sobre a recuperação da covid. Zhang Lan, fundador de uma popular rede de restaurantes, a South Beauty Group, pegou covid e divulgou em sua rede social suplementos vitamínicos e salsichas como possíveis remédios.

“Estou aqui para encorajá-los”, disse Zhang a seus telespectadores. “Ajuste sua mentalidade, beba bastante água. Você vai ficar bem.”

Publicidade

Os testes rápidos de antígeno são agora uma das mercadorias mais procuradas na cidade, depois de quase esgotarem nas lojas. Remédios também se tornaram difíceis de encontrar, seja em clínicas hospitalares ou em farmácias. Muitos moradores reclamam que a cidade deveria ter feito mais para antecipar o surto de covid e estocar remédios com antecedência.

“A questão mais urgente é a escassez de remédios”, disse um morador de Pequim de 25 anos, que deu apenas o nome de sua família, Wang, por medo de represália.

Wang disse que teve uma febre de 39 graus e dor de garganta na manhã de sábado, além de tontura. Ele testou positivo para coronavírus em um teste rápido de antígeno em casa e foi para uma clínica em um hospital.

“Não sei se estava certo fazer isso em casa, então vim ao hospital para saber se há alguma precaução”, disse Wang, acrescentando que tentou obter ibuprofeno, um analgésico e um popular remédio herbal chamado Lianhua Qingwen, sem sucesso.

Em vez disso, o médico receitou loxoprofeno, um analgésico diferente, e grânulos de Ganmao Qingre, um remédio herbal menos procurado. “Muitos remédios com grande demanda não estão disponíveis agora, e não sei se outros medicamentos prescritos podem ter o mesmo efeito”, disse Wang.

Vincent Chen disse que recorreu a amigos fora de Pequim que lhe enviassem remédios para febre depois que ele não conseguiu encontrar nenhum em suas farmácias locais ou online. Ele teve que gastar com uma empresa de entrega expressa porque os serviços comuns estavam ocupados ou não tinham pessoal suficiente. “Os correios estão paralisados”, disse Chen, 35.

Moradores usam máscaras nas ruas de Pequim, em imagem desta quarta-feira, 14 Foto: Ng Han Guan / AP

Tutoriais agora estão se espalhando no Weibo ensinando os moradores da cidade a comprar remédios em farmácias do interior.

Publicidade

O acúmulo de remédios não se limita a remédios para tosse e pastilhas. As lojas estão ficando sem pêssegos em conserva porque acredita-se que eles contenham nutrientes suficientes para afastar o vírus. O lanche doce é popular no nordeste da China para tratar os sintomas do resfriado, mas parece estar ganhando adeptos em outros lugares, à medida que as pessoas tentam obter uma vantagem sobre a doença. A mídia estatal alertou que “não há provas de que os pêssegos façam diferença contra a covid”.

Não foi a única vez na última semana que o governo teve que intervir para tentar acalmar um frenesi por causa de um elixir. A Administração Estatal de Regulamentação do Mercado, um órgão fiscalizador, alertou produtores e varejistas sobre os preços descontrolados depois que Lianhua Qingwen, o remédio herbal, começou a ser vendido a mais do que o triplo de seu preço normal. “É estritamente proibido aumentar os preços”, determinou o regulador na sexta-feira.

As ações da Shijiazhuang Yiling Pharmaceutical, fabricante da Lianhua Qingwen, subiram mais de 20% na bolsa de valores de Shenzhen desde que as restrições anti-covid foram relaxadas.

A escassez parece estar chegando aos alimentos. Pequim prometeu repetidamente que não haveria desabastecimento durante a pandemia. A capital, dada a sua importância política, tradicionalmente teve prioridade no abastecimento de alimentos.

Grandes pilhas de laranjas, milho, repolho e outros produtos ainda estavam disponíveis nos supermercados da cidade que conseguiram reunir funcionários suficientes para permanecerem abertos. As únicas seções com estoque cada vez menor eram para produtos de limpeza e bebidas, já que os clientes tentavam limitar quanto tempo precisariam ficar dentro de casa.

Outras empresas não têm tanta sorte quanto as mercearias. A China tentou revitalizar sua indústria de viagens na semana passada, encerrando as muitas restrições às viagens entre as províncias. Mas alguns hotéis de Pequim pararam de receber novos hóspedes porque têm poucos funcionários para cuidar deles por causa da onda de covid.

A gravidade do surto de Pequim é difícil de discernir. O sistema de testes em massa da China está sendo desmantelado, então o número de infecções é desconhecido. A cidade registrou 559 casos confirmados e 468 infecções assintomáticas na terça-feira. Isso está abaixo dos 1.163 casos confirmados e 3.503 infecções assintomáticas em 5 de dezembro, o último dia em que as autoridades exigiram um teste negativo para entrar em espaços públicos.

Publicidade

Outros dados disponíveis sugerem que a cidade está passando por um aumento nos casos. Li Ang, porta-voz da Comissão Municipal de Saúde de Pequim, disse em entrevista coletiva na terça-feira que o número de chamadas para serviços de emergência foi seis vezes maior do que o normal e que as visitas a clínicas de febre aumentaram 16 vezes em uma semana.

Uma das maiores questões é se a China pode manter o atendimento médico para pessoas que adoecem gravemente com covid ou que têm condições que requerem tratamento especial. Pequim, com alguns dos melhores hospitais do país, tem uma vantagem sobre as áreas rurais. A cidade apelou no sábado para que as pessoas não ligassem para a linha direta de emergência médica se fossem assintomáticas ou tivessem apenas casos leves.

Vários idosos que deixaram um hospital no distrito de Dongcheng no sábado disseram em entrevistas que receberam tratamento, inclusive para diálise renal.

Mas um homem de 66 anos, reclamando de uma semana de dor crônica na base das costas, disse que foi recusado porque o pronto-socorro estava cheio. O homem, que deu apenas o nome de sua família, Gao, disse que não vai desistir. “Ainda estou com dor”, disse ele. “Virei outra vez.”

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.