Combate ao EI na rede expõe dilemas

Pressão dos EUA sobre empresas amplia debate sobre censura de conteúdo na web

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Por Fernanda Simas
Atualização:

A propaganda na internet tem sido a principal ferramenta do Estado Islâmico para recrutar jovens jihadistas. As mensagens que promovem o terrorismo e enaltecem as ações do grupo extremista ganham repercussão ainda maior ao serem divulgadas nas redes sociais.

Para combater a prática, governos pedem que empresas privadas como Facebook, Google e Twitter ajam de forma mais eficaz para barrar a propagação das mensagens e contas pró-jihadistas, mas a questão é polêmica e desperta a discussão sobre os limites do controle de conteúdo na internet.

Vídeo mostra militantes do Estado Islâmico na cidade síria de Raqqa Foto: AP

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O professor Hany Farid, presidente do Departamento de Ciência da Computação na Dartmouth College e um dos desenvolvedores do sistema de rastreamento de pornografia infantil juntamente com a Microsoft, acha não ser possível impedir a propagação de mensagens pelo Estado Islâmico na internet, mas defende que é possível tornar mais difícil a promoção do extremismo e da violência.

“Desenvolvemos uma tecnologia para interromper a transmissão mundial da pornografia na internet. A mesma tecnologia pode ser usada para interromper a propagação de imagens e vídeos relacionados com o extremismo”, explicou Farid ao Estado.

Mas, ainda de acordo com o especialista, isso não é suficiente para impedir as ações de propaganda do EI. “Novas tecnologias serão necessárias para barrar outras formas de recrutamento na web. Acredito que elas estejam ao nosso alcance, mas as empresas do Vale do Silício devem decidir se querem resolver esse problema”, acrescentou.

Algumas horas após o ataque a tiros em San Bernardino, EUA, quando 14 pessoas foram mortas, o comentário “Califórnia, já chegamos com nossos soldados. Decidam como será o seu fim, com facas ou bombas” foi publicado na 335.ª conta do Twitter pró-Estado Islâmico. A empresa tenta deletar as contas, mas no momento em que uma é desativa outra é criada.

A cada semana, o Facebook bloqueia 1 milhão de mensagens que promovem o terrorismo ou ideologias radicais, segundo o responsável pela luta antiterrorista da ONU, Jean-Paul Laborde. Como as ações parecem não ser suficientes, Washington retomou os pedidos para que as empresas do setor não usem criptografia, permitindo que troca de mensagens sejam interceptadas.

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“Nós sabemos que americanos, e pessoas de todo o mundo, não querem uma internet fortemente controlada. Eles não querem que as redes sociais que usam removam depoimentos por temerem estar violando alguma lei federal caso deixem alguma mensagem passar”, explicou o diretor para Liberdades Civis da Electronic Frontier Foundation, David Greene.

Equilíbrio. O professor Farid acredita ser possível alcançar um equilíbrio entre a proteção aos cidadãos e a liberdade de discursos. “Nos deparamos com essa questão ao desenvolver a tecnologia para combater a distribuição de pornografia infantil. Sempre houve e sempre haverá um compromisso entre o discurso livre e a proteção das pessoas. Encontrar esse equilíbrio é difícil e requer uma reflexão significativa” afirmou.

Para o diretor internacional da Electronic Frontier Foundation, Danny O’ Brien, a questão é mais complexa e envolve limites do que cada Estado deseja. “Esse tipo de restrição de discurso leva as plataformas online para um caminho perigoso. Quem define ‘terrorismo’? O Facebook, por exemplo, pretende impor sua política apenas contra o que o governo americano descreve como terroristas ou também atenderá uma solicitação no caso de a Rússia acusar alguém de terrorismo?”

O’Brien conclui afirmando que a questão da transparência nessa forma de combate online também é importante. “O conteúdo deletado e os usuários retirados das redes em resposta às pressões políticas são muito mais difíceis de rastrear. Precisamos saber qual discurso está sendo realmente afetado pelas ações (de combate ao EI).”