Como os partidos ultraortodoxos estão mudando a política israelense

Líderes ultraortodoxos pressionam governo de Netanyahu para consolidar privilégios históricos

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Por Isabel Kershner
Atualização:

JERUSALÉM — Para preservar seu novo governo, o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, além de estar abrindo concessões significativas para partidos políticos de extrema direita em relação a assuntos que envolvem palestinos, independência do Judiciário e poderes policiais, também se movimenta, mais discretamente, em defesa de outros elementos críticos para sua coalizão: os partidos que representam o rapidamente crescente público judeu ultraortodoxo.

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Membros da comunidade ultraortodoxa de Israel há muito desfrutam de benefícios não disponíveis para o restante dos cidadãos israelenses: dispensa do serviço militar para estudantes da Torá, bolsas do governo para os que escolhem dedicar-se a estudos religiosos em tempo integral em vez de trabalhar e financiamentos para escolas segregadas, que recebem dinheiro do governo apesar de mal tocar nas matérias obrigatórias no currículo oficial estipulado pelo governo.

Esses benefícios alimentaram ressentimentos entre grandes segmentos mais seculares do público, e líderes israelenses declararam durante anos que sua intenção era atrair mais judeus ultraortodoxos, conhecidos como haredim (haredi no singular), à força de trabalho e a se envolver com a sociedade mais amplamente.

Seção eleitoral em Beit She'an, Israel, com pôsteres do partido ultraortodoxo Shas. Ala pressiona Netanyahu por manutenção de privilégios Foto: Amit Elkayam/NYT - 01/11/2022

Mas a torrente de promessas de Netanyahu nas semanas recentes — enquanto ele montava o governo mais à direita e mais religiosamente conservador da história de Israel — sugere que líderes ultraortodoxos estão pressionando pesado para cimentar o status especial de sua comunidade, com implicações amplas para a sociedade e a economia do país.

Netanyahu prometeu para os líderes ultraortodoxos uma cidade nova, segregada, apenas para os haredim, onde seu estilo de vida guiaria o plano diretor; concordou em aumentar o financiamento para estudantes de seminários haredim e dar acesso a ultraortodoxos a empregos no governo sem requerer graus universitários; e prometeu uma miríade de ajudas do governo para o sistema escolar haredi.

“Está muito claro que a liderança ultraortodoxa que costurou esses acordos busca o fortalecimento da autonomia haredi, não integração”, afirmou o professor Yedidia Stern, presidente do Instituto de Políticas para o Povo Judeu, um centro de pesquisas independente.

O ministro das Finanças de partida, Avigdor Liberman, crítico voraz dos partidos ultraortodoxos, afirmou que o custo de todos os financiamentos adicionais prometidos para as causas haredim ficaria em estimados 20 bilhões de shekels (cerca de US$ 5,7 bilhões) ao ano e constitui “uma tentativa de arruinar a economia de Israel”.

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As promessas para os haredim são parte de uma série de mudanças que a coalizão liderada por Netanyahu tenta operar, que inclui reformas no Judiciário que permitiriam ao Parlamento derrubar decisões da Suprema Corte e dar aos políticos mais influência sobre a nomeação de juízes. A coalizão tem assentos suficientes no Parlamento para avançar com as medidas e planeja introduzi-las como legislação contanto que seus variados partidos permaneçam unidos, mas elas também poderiam enfrentar desafios nas cortes.

O novo governo de coalizão de Israel também prometeu uma estratégia intransigente em relação aos palestinos, com algumas graduadas autoridades apoiando, em última instância, a anexação israelense da Cisjordânia, um território que os palestinos consideram parte de seu futuro Estado, e a aceleração da construção de assentamentos judaicos na região.

Em um de seus primeiro atos como ministro israelense da Segurança Nacional, o ultranacionalista Itamar Ben-Gvir visitou na semana passada um volátil lugar santo de Jerusalém, sagrado para judeus e muçulmanos, desafiando ameaças de repercussões violentas e de provocar uma reação furiosa de líderes árabes e condenações internacionais.

Netanyahu, o primeiro-ministro israelense mais longevo na função, foi retirado do cargo 18 meses atrás e substituído por uma frágil coalizão de forças anti-Netanyahu da direita e da esquerda, mas que excluiu partidos ultraortodoxos e de extrema direita. Depois que aquela coalizão ruiu, a quinta eleição em Israel em menos de quatro anos trouxe Netanyahu e seu bloco de extrema direita e haredi de volta ao poder, conquistando junto uma maioria de 64 legisladores no Parlamento de 120 assentos.

Netanyahu, o primeiro-ministro israelense mais longevo na função, foi retirado do cargo 18 meses e retornou com um governo de coalizão Foto: Amir Cohen / Reuters

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Os partidos ultraortodoxos ganharam o maior número de assentos em anos nas eleições de novembro, o que refletiu o rápido crescimento dessa comunidade em grande medida insular e tornou os haredim elementos-chave no governo de Netanyahu.

Para garantir a lealdade dos partidos ultraortodoxos, Netanyahu também concordou em criar orçamentos especiais para transporte público em regiões haredim e em criar uma lei fixando o estudo da Torá enquanto valor nacional, similar ao serviço militar obrigatório. Outra medida contenciosa seria formalizar o antigo arranjo que garante isenção do alistamento nas Forças Armadas para estudantes da Torá, o que minaria ainda mais o anteriormente consagrado princípio da conscrição universal no país.

A sociedade ultraortodoxa não é homogênea, e alguns haredim modernos entram no Exército, obtêm educação superior secular buscando se equipar para o mercado de trabalho e até trabalham no setor de alta tecnologia.

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A maioria das mulheres ultraortodoxas trabalha, mesmo que em empregos mal remunerados. Mas somente cerca da metade dos homens haredim trabalha. Críticos afirmam que a promessa de aumentar as bolsas para estudantes da Torá os desincentivará a se juntar à força de trabalho.

Filhos de ultraortodoxos correspondem a um quarto de todas as crianças judias matriculadas no sistema escolar e a um quinto de todos os estudantes do país, judeus e árabes. A maioria dos meninos haredim se dedica a estudos religiosos e aprende pouco ou nada de matemática, inglês ou ciências.

Estudos da Torá serão formalmente reconhecidos como educação superior, e alunos de seminários haredim terão os mesmos 50% de desconto no transporte público concedidos aos estudantes universitários.

Políticos ultraortodoxos promovem há muito uma agenda social conservadora, que rejeita a ideia do casamento civil ou entre pessoas do mesmo sexo e se opõe aos direitos dos gays, assim como ao trabalho e à ativação do sistema de transporte público durante o shabat. E seu envolvimento na política tem alienado muitos judeus no exterior que praticam formas menos rígidas de judaísmo.

As novas concessões abertas por Netanyahu — incluindo propostas para restringir a Lei do Retorno, que garante refúgio e cidadania automática para judeus estrangeiros, seus cônjuges e pessoas com pelo menos um dos avós judeu — já tensionam os laços de Israel com muitos judeus da diáspora.

A estratégia dos ultraortodoxos ao longo dos anos foi de uma “mentalidade de exílio”, afirmou o comentarista político Israel Cohen, da rádio Kol Berama, voltada à comunidade haredi, com foco em permanecer um elemento à parte em vez de tentar influenciar a sociedade em geral.

Agora, a “cultura haredi-israelense” amadureceu, afirmou ele, e “os haredim querem que Israel seja um país mais judaico”. Ele acrescentou: “Você poderia pensar que quando um haredi virasse israelense ele se tornaria mais liberal. Mas não, é o contrário. Eles querem que Israel se torne mais haredi”. /TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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