Direita dos EUA tem um problema com Putin; leia a análise de Paul Krugman

Fascínio pelo ditador russo agora cobra um preço alto dos conservadores americanos

PUBLICIDADE

Por Paul Krugman (The New York Times)
Atualização:

Até poucas semanas atrás, muitas figuras influentes na direita dos EUA amavam, simplesmente amavam Vladimir Putin. E, de fato, algumas delas não conseguem deixar de amá-lo. Por exemplo, mesmo que Tucker Carlson tenha relutantemente se afastado do apoio total a Putin, ele ainda culpa os EUA pela guerra e promove desinformação russa a respeito de laboratórios de armas biológicas financiados pelos EUA.

PUBLICIDADE

Em sua maioria, porém, os amantes de Putin nos EUA estão encarando uma hora da verdade. Não tanto porque Putin tenha se revelado um tirano disposto a matar grandes números de inocentes — eles já sabiam disso, ou deveriam saber. O problema é que o homem-forte que eles admiram — elogiado por Donald Trump, que o qualificou como “sagaz” e “gênio” pouco antes de ele invadir a Ucrânia — está se revelando excepcionalmente fraco. E não por acidente. A Rússia está diante de um desastre precisamente porque é governada por um homem que não aceita nenhum tipo de crítica e não tolera nenhum tipo de dissidência.

Do lado militar, numa guerra que a Rússia claramente planejou como uma blitzkrieg que sobrepujaria a Ucrânia em dias, os russos ainda não conseguiram capturar nenhuma das dez principais cidades ucranianas — apesar de bombardeios de grande alcance estarem deixando essas cidades em escombros. Do lado econômico, a tentativa de Putin de se proteger de possíveis sanções do Ocidente tem fracassado, com tudo indicando que a Rússia entrará em uma recessão comparável a uma depressão. Para perceber por que isso é importante, você precisa entender as fontes do fascínio da direita por um ditador brutal, um fascínio que começou até antes da ascensão de Trump.

Vladimir Putin no Kremlin; presidente russo vai se tornando um estorvo para os conservadores americanos Foto: Mikhail Klimentyev/Kremilin via AP

Parte desse amor por ditador refletiu a crença de que Putin era um defensor da antilacração — alguém que não acusaria você de ser racista, crítico da cultura do cancelamento e da “propaganda gay”.

Publicidade

Parte disso refletiu um fascínio sinistro pela pretensa masculinidade de Putin — Sarah Palin declarou que ele caçava ursos com as mãos quando o ex-presidente Barack Obama ainda usava “a calça jeans da mamãe” — e a aparente robustez do povo de Putin. No ano passado, o senador Ted Cruz, republicano do Texas, comparou a imagem de um soldado russo de cabeça raspada com um anúncio de recrutamento do Exército dos EUA, fazendo pouco dos militares americanos “lacradores e emasculados”.

Por fim, muitos na direita simplesmente gostam da ideia de um governo autoritário. Poucos dias atrás, Trump, que conteve seus elogios a Putin, escolheu em vez disso expressar admiração pelo norte-coreano Kim Jong-un. Os generais e assessores de Kim, notou ele, “se curvaram” quando o ditador discursou, acrescentando: “Quero meu povo agindo assim”.

Fonte de fraqueza

Mas agora estamos reaprendendo uma antiga lição: às vezes, o que parece força é na verdade fonte de fraqueza.

Aconteça o que acontecer na guerra, ficou claro que o Exército russo é bem menos formidável do que aparentava no papel. As forças russas parecem mal treinadas e mal lideradas; e também parece haver problemas com os equipamentos russos, como dispositivos de comunicação.

Publicidade

Essas fraquezas poderiam ter sido percebidas por Putin antes da guerra se jornalistas investigativos e órgãos supervisores independentes em seu governo tivessem condição de analisar a verdadeira prontidão militar de seu país. Mas nada disso é possível na Rússia de Putin.

Os invasores também ficaram claramente chocados com a resistência da Ucrânia — tanto em termos de determinação quanto em competência. Informações de inteligência realistas poderiam ter alertado a Rússia de que isso poderia acontecer; mas você gostaria de ser o oficial diante de Putin dizendo: “Presidente, temo que sua excelência poder estar subestimando os ucranianos.”?

Do lado econômico, devo admitir que tanto a disposição do Ocidente em impor sanções quando a eficácia dessas sanções surpreendeu a todos, incluindo a mim.

Ainda assim, autoridades em economia e especialistas independentes na Rússia deveriam ter avisado Putin antecipadamente que a “Fortaleza Russa” era uma ideia profundamente equivocada. Não teria sido necessária uma análise profunda para perceber que os US$ 630 bilhões de Putin em reservas em moeda estrangeira ficariam amplamente inutilizados se as democracias do mundo cortassem o acesso da Rússia ao sistema bancário internacional. Também não teria sido necessária uma análise profunda para perceber que a Rússia é profundamente dependente de importações de bens de capital e outros itens essenciais para a indústria.

Publicidade

PUBLICIDADE

Mas de novo, você gostaria de ter sido o diplomata a dizer para Putin que o Ocidente não é tão decadente quanto ele pensa, ou o banqueiro lhe dizendo que seu celebrado “cofre de guerra” será inútil numa crise, ou o economista lhe dizendo que a Rússia depende de importações?

A questão é que o argumento por uma sociedade aberta — uma sociedade que permita dissidências e críticas — vai além da verdade e da moralidade. Sociedades abertas também são, de longe, muito mais eficazes do que autocracias fechadas. Ou seja, ainda que você possa imaginar que um homem-forte, por simplesmente dizer às pessoas o que fazer, tem grande facilidade para governar, essas vantagens são mais do que neutralizadas pela ausência de debate livre e pensamento independente. Ninguém pode dizer ao homem-forte que ele está errado, nem pedir para ele pensar duas vezes antes de tomar alguma decisão catastrófica.

O que me traz de volta aos admiradores de Putin que víamos nos EUA pouco tempo atrás. Eu gostaria de pensar que eles tomarão o fiasco russo na Ucrânia como uma lição objetiva e repensarão sua própria hostilidade a respeito da democracia. OK, não espero realmente que isso aconteça. Mas a esperança é a última que morre. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

* É colunista do ‘The New York Times’, professor da City University of New York Graduate Center e vencedor do Prêmio Nobel de Economia em 2008.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.