Em Israel, coalizão de direita radical tem vitória eleitoral e dá visibilidade a líder racista

Coalizão chamada Sionismo Religioso, anti-LGBT, defensora da segregação de árabes e do fim da cidadania israelense para não-judeus, deve ter entre seis e sete cadeiras no Parlamento e pode participar do novo governo

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Por Redação
Atualização:

JERUSALÉM - A coalizão formada por três partidos de extrema direita Sionismo Religioso superou as expectativas na eleição de Israel e, com 90% dos votos apurados, deve obter entre seis e sete cadeiras no Parlamento de Israel, a Knesset. Antes da eleição, analistas consideravam que a coalizão, liderada pelo Partido Sionismo Religioso (oficialmente União Nacional), comandado por Bezalel Smotrich, ficaria de fora do Parlamento, abaixo do limite eleitoral de quatro cadeiras mínimas para participar da Knesset.

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Smotrich, que certa vez sugeriu enfermarias segregadas em hospitais para que "mulheres judias não tivessem de dar à luz ao lado de palestinas", comemorou os números sem precedentes cantando e dançando na frente de seus apoiadores na noite de terça-feira, quando foram divulgadas as primeiras pesquisas de boca de urna.

Mas com 90% dos votos apurados, Israel continua sem saber se alguma coalizão terá maioria suficiente para formar um governo após a eleição de terça-feira. E uma surpresa pode mudar o lado da balança. A entrada do pequeno partido islâmico de Mansour Abas, Raam, no Parlamento. De acordo com a apuração até a noite desta quarta-feira, Raam obteve pelo menos 3,5% dos votos, acima do limite de 3,25% necessários. Enquanto isso, o Likud, partido do primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu, tem 30 cadeiras, seguido pelo Yesh Atid, de Yair Lapid, com 17.

O líder do Partido Sionismo Religioso, Bezalel Smotrich; legenda terá representação no Knesset. Foto: Menahem Kahana/Pool via AP

Analistas afirmam que Netanyahu empurrou os partidos nanicos da direita radical para uma aliança com o Otzma Yehudit (Poder Judeu) de Itamar Ben-Gvir, para que juntos consigam superar a barreira de 3,25% e apoiem uma coalizão de direita após as eleições. Se os resultados se confirmarem, Ben-Gvir, o número três da coalizão, poderá pleitear um cargo ministerial em uma coalizão de governo, caso esse esforço seja liderado pelo primeiro-ministro. 

"Eu tenho um sonho", disse Ben-Gvir. "Eu tenho um sonho que os soldados israelenses viverão em uma nação que os defenda... Eu tenho um sonho que um governo de direita fortalecerá a identidade judaica deste país", disse ontem.

Ben-Gvir defende o incentivo à emigração forçada de cidadãos árabes que se recusem a declarar lealdade a Israel e a aceitar um "status inferior" em um estado judeu. Também defende que Israel expanda sua soberania por toda a Cisjordânia.

Advogado controvertido e polêmico, ele costumeiramente defende colonos judeus acusados de violência contra palestinos em território ocupado, suspeitos acusados de ataques terroristas de direita e judeus acusados de crimes de ódio, e representa o Lehava, uma organização que luta contra o casamento de judeus com não-judeus.

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Itamar Ben-Gvir, líder do Poder Judeu, cumprimenta apoiadores em Jerusalém. Foto: MENAHEM KAHANA/ AFP

Ele foi condenado em 2007 por incitar o racismo após segurar cartazes em um protesto com os dizeres “Expulse o inimigo árabe”.

Até o ano passado, ele mantinha uma foto em sua sala de estar de Baruch Goldstein, um colono americano-israelense que em 1994 matou 29 palestinos em Hebron enquanto eles faziam as orações matinais.

Ben-Gvir é o herdeiro ideológico de Meir Kahane, um rabino nascido nos Estados Unidos que se tornou um líder religioso de extrema direita e cujo partido extremista, Kach, foi banido. Assassinado em 1990 em Nova York por um ultra-ordoxo, Kahane queria que os judeus adotassem o "poder judaico", inspirado nos Panteras Negras e outros grupos militantes étnicos da época.

O partido de Kahane tinha uma plataforma para "proteger a honra de Israel contra insultos dos negros", defendia o fim da cidadania israelense para não judeus e a expulsão de árabes do país e dos territórios controlados por Israel. Ele também queria proibir os casamentos mistos e as relações sexuais entre judeus e não judeus. Kahane alertava para os riscos de "mulheres judias sendo seduzidas por árabes" e propôs sentenças de prisão para "todo árabe que tiver relações sexuais com uma judia".

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Ben-Gvir afirmou que o partido dele, o Poder Judeu, "não é uma continuação" da ideologia de Kahane, mas disse que considerava o homem "um santo, que lutou em guerras pelo povo de Israel e foi morto santificando o nome de Deus".

No mês passado, Netanyahu assinou um acordo com a coalizão Sionismo Religioso, do qual o Poder Judeu faz parte, prometendo cargos no governo em troca de apoio. O líder de 71 anos disse que Ben-Gvir faria parte de sua ampla coalizão, mas "não era adequado" para ser membro do gabinete.

Nahum Barnea, um comentarista do jornal mais vendido do país, o Yedioth Ahronoth, escreveu na quarta-feira que a ascensão do  Sionismo Religioso "não é apenas um golpe moral; é uma catástrofe ideológica". "O Likud agora é um refém nas mãos de um grupo de pessoas antidemocráticas, racistas, homofóbicas e patrocinadoras do terrorismo", escreveu Nahum Barnea.

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O Poder Judeu é tão radical que nem mesmo os defensores geralmente firmes do primeiro-ministro estão conseguindo engolir a vitória.

OAmerican Israel Public Affairs Committee (Aipac), lobby judaico nos EUA, chamou o Poder Judeu de um partido de extremistas ultranacionalistas, de "racista e repreensível". 

Além de Ben-Gvir, Avi Maoz, que ocupa o sexto lugar na lista do Sionismo Religioso, parece ter uma vaga garantida na Knesset.

Maoz é o líder do Partido Noam, que também integra a aliança e foi fundado em 2019 por seguidores do rabino Tzvi Tau. O partido pediu para livrar Israel do que vê como influências não judias e "estrangeiras" - que ele culpou "pela crescente aceitação do estilo de vida LGBTQ".

Na visão de mundo de Tau, os "israelenses seculares representam forças imorais que estão corrompendo o país e levando-o em uma direção ímpia".

Na conferência de fundação do partido, Tau comparou o "mundo kosher" - o "puro Israel" dos ativistas do Noam - ao "mundo apodrecido e agonizante" da cultura secular.

"Não vamos deixar nossos meninos e meninas serem ratos de laboratório na pedagogia e demagogia do mundo pós-moderno. ... Este lesbianismo e homossexualidade são uma experiência ... quem está deixando isso acontecer?", disse. "Quem perguntou às pessoas o que elas pensam? Quem lhes deu o mandato de promover esses mitos de dois pais que são homens ou de dois pais que são mulheres?" e apelou a uma "revolução cidadã" contra isso./ COM AFP

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