Em uma era pessimista, ainda há lugar para otimismo nos EUA?; leia análise

Vários tipos de pessimismo podem chegar a conclusões contraditórias, mas têm como base realidades inegáveis

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Por Bret Stephens
Atualização:
5 min de leitura

THE NEW YORK TIMES - Vivemos uma época — uma era, na realidade — de pessimismo nos Estados Unidos. O pessimismo aparece em diferentes matizes. Há o pessimismo progressista: o país está oscilando entre um fascismo sob bonés do lema MAGA (Make America Great Again) e uma nova versão de The Handmaid’s Tale (a distopia adaptada para série).

Há o pessimismo conservador: as instituições, das escolas de ensino fundamental ao Pentágono, estão sendo capturadas pela “cultura da lacração”. Há o afro-pessimismo: pessoas negras sempre foram excluídas por um racismo sistêmico e impossível de eliminar.

Há o pessimismo dos brancos de classe média e trabalhadora: o país e os valores que eles conheceram por gerações estão sendo sequestrados por elites presunçosas e autocentradas, que os desprezam.

A saúde mental nos EUA estava em um acentuado declínio antes da pandemia de coronavírus  Foto: Damon Winter/ The New York Times

Há também o pessimismo de centro: estamos perdendo a capacidade institucional, as normas culturais e a coragem moral precisas para forjar as concessões mútuas pragmáticas necessárias em quase todos os níveis da sociedade. O tudo ou nada é agora nosso padrão.

Esses vários tipos de pessimismo podem chegar a conclusões contraditórias, mas têm como base realidades inegáveis. Em 2012, houve cerca de 41 mil mortes por overdose nos EUA. No ano passado, este número passou de 100 mil.

Em 2012, houve 4,7 assassinatos a cada 100 mil habitantes. No ano passado, o índice chegou a 6,9, um aumento de 47%. Uma década atrás, mal ouvíamos falar de roubos de carros a mão armada. Agora, a ocorrência desse crime está nas alturas. Furtos em lojas? Idem.

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A saúde mental no país estava em um acentuado declínio antes da pandemia, com um aumento de 60% em episódios de depressão entre adolescentes entre 2007 e 2019. Tudo o que sabemos a respeito dos efeitos dos lockdowns e dos fechamentos das escolas sugere que essa situação piorou muito.

Dignidade do trabalho

A economia conta uma história parecida. “Os EUA do século 21 conseguiram de alguma maneira produzir marcadamente mais riqueza para os ricos, mesmo enquanto gerou muito menos emprego para seus trabalhadores”, observou Nicholas Eberstadt, do American Enterprise Institute, em um emblemático ensaio publicado em 2017 pela seção Commentary.

Decorre em parte da perda de empregos relevantes — e da consequente evaporação do orgulho, do propósito e da dignidade no trabalho — o fato de termos um aumento alarmante nos índices de mortes de americanos brancos de classe média, com frequência por suicídio ou abuso de drogas.

A lista continua, mas você já entendeu. Mesmo sem os lembretes cotidianos de uma inflação digna da era Carter, parece que vivemos uma nova era de mal-estar no estilo Carter, complementada por um presidente impopular que tende a inspirar mais pena do que confiança.

No entanto, por que ainda estou otimista em relação aos EUA? Porque ainda que estejamos curvados, nossos adversários são frágeis. Enquanto somos capazes de encontrar maneiras de nos curvar, eles só conseguem permanecer estáticos ou ruir.

EUA sofrem com vários tipos de pessimismo, que têm como base realidades inegáveis. Foto: Damon Winter/NYT  Foto: Damon Winter/NYT

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Esta semana trouxe dois poderosos lembretes deste argumento. Em Moscou, Vladimir Putin proferiu seu costumeiro discurso do 9 de Maio, o Dia da Vitória, no qual expressou sua nostalgia por um passado em parte mítico para promover mentiras a respeito de um presente integralmente mítico, tudo em nome de uma guerra que vai mal para ele.

Putin está descobrindo tardiamente que os poderes de humilhar, subverter e destruir são forças menores do que os poderes de atrair, inspirar e construir — poderes que nações livres detêm quase como direitos de nascença. O Kremlin ainda poderá ser capaz de abrir a porretadas um caminho para algo que possa chamar de vitória. Mas sua recompensa será principalmente a ruína que causou. O restante da Ucrânia encontrará maneiras de florescer, idealmente como membro da Otan e da União Europeia.

Enquanto isso, em Xangai, mais de 25 milhões de pessoas continuam sob rígido lockdown, numa distopia real na qual drones voam alertando os moradores por meio de alto-falantes para “controlar o desejo de sua alma por liberdade”.

Será que alguém ainda acha que a maneira com que a China lida com a pandemia — seus enganos, suas vacinas medíocres, sua política de covid-zero que claramente fracassou e agora esse cruel lockdown que gerou fome e escassez de medicamentos a sua maior cidade — é exemplo para o restante do mundo?

Avenida deserta na região de Pudong, em Xangai, em razão do lockdown Foto: Ali Song

Apesar de todo seu inegável progresso ao longo de 45 anos, a China continua um regime cenográfico obcecado em fomentar ilusões de grandeza: a respeito de harmonia doméstica (auxiliado por um vasto sistema de vigilância e campos prisionais); a respeito de inovação tecnológica (auxiliado por um roubo sem precedentes de propriedades intelectuais); e a respeito de um crescimento econômico desenfreado (auxiliado por estatísticas fabricadas). As ilusões podem render status a Pequim. Mas cobram um preço alto: a sistemática negação da verdade, mesmo dentro do próprio regime.

Governantes que passam a acreditar em sua própria propaganda errarão cálculos inevitavelmente, com frequência catastroficamente. Olhe novamente para Putin, que realmente acreditou que possuía um Exército competente.

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O que me traz de volta aos EUA. Enquanto ditaduras propagandeiam suas forças e escondem suas fraquezas — tanto dos outros quanto de si mesmas — as democracias fazem o oposto: ficamos obcecados em relação às nossas fraquezas enquanto nos esquecemos das nossas forças formidáveis. Esta é a fonte desse pessimismo. Paradoxalmente, porém, esta também é nossa força mais profunda: ao recusar-nos a desviar o olhar dos nossos fracassos, nós não apenas os reconhecemos, mas também começamos a consertá-los.

Repensamos, nos adaptamos. Ao nos curvar, encontramos novas maneiras de crescer.

Temos um histórico comprovado de desarmamento de demagogos de direita, desmistificação de ideólogos de esquerda, promoção da justiça racial, reversão das ondas de crimes, revitalização do centro político e revigoração do ideal americano. Nossos problemas podem ser grandes, mas não são insolúveis nem novos.

Aqueles que não possuem nossas liberdades não terão tanta sorte. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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