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Equador: Militarização e prisões devem aumentar, mas dificilmente solucionam violência, diz analista

Cientista político e co-fundador do Instituto Igarapé, Robert Muggah avalia que política para o combate ao crime sugerida por Daniel Noboa é insuficiente; equatorianos votaram a favor de medidas em referendo

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Por Luiz Henrique Gomes
Atualização:
Foto: Cedida
Entrevista comRobert MuggahCientista político e co-fundador do Instituto Igarapé

As mudanças na política de segurança sugeridas pelo presidente do Equador, Daniel Noboa, no referendo do último domingo, 21, aumentam a militarização e a chance de prisão no país, mas dificilmente solucionarão a crise de violência do país. A análise é do cientista político e co-fundador e diretor de inovação do Instituto Igarapé, Robert Muggah. “Embora politicamente conveniente, as medidas correm o risco de militarizar a aplicação da lei, encher rapidamente as prisões superlotadas e fragmentar grupos criminosos, contribuindo para taxas ainda mais altas de violência”, disse.

A política defendida por Daniel Noboa para o combate ao crime encontrou a aprovação de mais de 60% dos equatorianos que foram às urnas. Embora não sejam novidades no campo da segurança pública, as medidas contidas no referendo – do uso das forças armadas ao aumento de penas para os detentos – voltaram a ser populares entre políticos da América Latina após serem implementadas por Nayib Bukele em El Salvador e resultarem numa redução drástica de homicídios. O custo é a violação crescente dos direitos humanos, julgamentos em massa e desaparecimentos.

Em parte, as medidas votadas no domingo já estavam em vigor no Equador desde janeiro, após o presidente decretar decretos de emergência e conflito armado interno após uma série de atentados e assassinatos, e os referendo apenas a validaram. Elas se mostraram eficazes para conter a violência nas primeiras semanas, mas no último mês os crimes voltaram a ocorrer com mais frequência, incluindo o assassinato de três prefeitos.

Imagem mostra polícia equatoriana abordando morador durante uma operação contra facções criminosas em Guayaquil, em 4 de abril. Após referendo, militarização do país deve crescer Foto: César Muñoz/AP

Na avaliação de Muggah, além do risco de erosão dos direitos humanos, replicar o modelo de militarização e de endurecimento da justiça criminal em um país como o Equador é insuficiente por causa da diferença entre os dois países. E mais: não supre os mecanismos de investigação necessários para o combate às organizações de narcotráfico que se alastram pelos setores do país.

O ecossistema do crime no terreno é muito mais complexo no Equador do que em El Salvador, com um risco maior de violência entre facções rivais

Leia a entrevista com Robert Muggah sobre a política de segurança do Equador:

Você acredita que as mudanças pelas quais os equatorianos votaram serão eficazes no combate ao crime ou são insuficientes?

Há uma percepção generalizada de que a situação de segurança do Equador está saindo de controle. No entanto, o pacote de medidas de segurança proposto no referendo provavelmente não tornará os residentes mais seguros. Embora politicamente conveniente, elas correm o risco de militarizar a aplicação da lei, encher rapidamente as prisões superlotadas do país e fragmentar grupos criminosos, contribuindo para taxas ainda mais altas de violência. Há também o perigo de que elas corroam os controles e equilíbrios democráticos.

Outra limitação importante é que as medidas de segurança propostas não são acompanhadas de programas e recursos de prevenção à violência e construção de resiliência. Policiamento eficaz e justiça criminal são necessários, mas respostas insuficientes. É preciso estratégias abrangentes para interromper a corrupção e a lavagem de dinheiro que sustentam o crime transnacional, alternativas significativas para homens jovens para que não entrem em facções criminosas e programas de reabilitação comunitária em áreas vulneráveis.

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Claro, a implementação de estratégias abrangentes para desencorajar, interromper e desmantelar o crime organizado é algo difícil.

É preciso estratégias abrangentes para interromper a corrupção e a lavagem de dinheiro que sustentam o crime transnacional, alternativas significativas para homens jovens para que não entrem em facções criminosas e programas de reabilitação comunitária em áreas vulneráveis

Os equatorianos experimentaram um aumento sem precedentes da violência relacionada a drogas nos últimos anos. Após as taxas de homicídio dispararem para 40 por 100 mil pessoas no ano passado, o presidente recém-eleito (Daniel Noboa) descreveu a situação como um “conflito interno”. Quando políticos proeminentes e líderes comunitários foram assassinados a tiros, os apelos por uma repressão aos traficantes de drogas e redes criminosas aumentaram. O referendo de domingo pretende dar a Noboa um mandato para neutralizar as facções do país. O referendo ampliará a presença do exército em operações policiais e aumentará as penas para crimes ligados ao crime organizado. Embora a participação dos eleitores no domingo tenha sido relativamente baixa, mais de 60% dos eleitores apoiaram essas iniciativas, um efeito de seu medo e frustração.

Centros de estudos sobre a violência costumam afirmar que o combate ao crime organizado precisa de instituições fortes para investigar e identificar toda a estrutura das facções. O referendo pode fortalecer essas instituições?

Uma prioridade chave do referendo foi desenvolver tribunais especiais para reduzir a capacidade dos grupos de crime organizado de manipular o sistema judiciário do país. Essas medidas foram introduzidas na esteira de uma série de escândalos que expuseram como algumas elites criminosas abusaram das garantias constitucionais e conseguiram escapar da punição. Espera-se que os novos tribunais sejam administrados por juízes altamente treinados e com jurisdição mais exclusiva para decidir sobre garantias constitucionais.

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Essas revisões poderiam transformar o processo de forma positiva e melhorar a eficiência e eficácia das decisões sobre o devido processo. Mas elas também são vulneráveis à intimidação de juízes, como no passado.

Enquanto medidas como a ameaça de extradição internacional e a criação de tribunais especiais podem ajudar os esforços do Equador para combater o crime organizado, é improvável que a encarceração em massa desacelere a proliferação de facções no médio prazo. Facções já estão presentes na maioria das 36 prisões do país e já compõem a maioria dos detentos. Como em outros países da América Latina, muitas das prisões do Equador já são governadas pelos detentos. Facções que atuam em prisões têm a permissão de prosperar com relativa impunidade devido à corrupção sistêmica em todo o sistema de justiça criminal e instituições penais.

Imagem mostra homem caminhando próximo a soldado em rua de Guayaquil, no Equador, no domingo, 21. País vive uma crise de violência causada por grupos ligados ao narcotráfico Foto: Santiago Arcos/Reuters

O Equador precisa garantir um investimento sustentado na melhoria das instituições de segurança e justiça. Vale lembrar que uma das razões pelas quais os sistemas judiciais do Equador são tão fracos é porque foram sistematicamente degradados ou ignorados por líderes anteriores. O ex-presidente Rafael Correa interferiu rotineiramente em casos judiciais. Seu sucessor, Lenin Moreno, eliminou completamente o Ministério da Justiça em 2018, substituindo-o por um novo órgão. E o ex-presidente Guillermo Lasso não fez melhorias materiais para corrigir esses déficits.

O presidente Noboa claramente vê as coisas de maneira diferente. Ele priorizou a segurança e a justiça ao assumir o cargo no final de 2023. Dentro de meses após assumir a presidência, ele declarou estado de emergência e designou as 22 facções do país como organizações terroristas. Ele também autorizou o exército a focar (no combate à) facções e os homicídios diminuíram nos últimos meses. Enquanto seu antecessor (Guillermo Lasso) impôs um estado de emergência, Noboa é o primeiro presidente a fazer isso como um meio de reprimir as facções. Seu sucesso futuro depende de ser capaz de retomar o controle das prisões e também construir uma estratégia abrangente que também reconstrua instituições legítimas e responsáveis.

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Hoje, você avalia que os esforços do presidente Daniel Noboa passam por fortalecer essas instituições de investigação ou apenas estão centrados na repressão?

O foco dos esforços do presidente Daniel Noboa é, em grande parte, na militarização da aplicação da lei. O Exército do Equador é extremamente popular. A maioria dos equatorianos dá credito a eles por ter ajudado a reduzir temporariamente a violência no país. Mas há questões sobre a viabilidade de abordagens militarizadas, especialmente após assassinatos e sequestros de alto escalão que aumentaram nas últimas semanas.

Há também preocupações crescentes de que a estratégia atual não está abordando os mercados criminais subjacentes que sustentam as redes criminosas. Outra preocupação entre observadores de direitos humanos é que a estratégia rigorosa contra o crime do presidente Noboa possa escalar o uso excessivo da força e abusos contra prisioneiros. O fato simples é que o exército não é treinado para atuar como polícia. Vídeos estão circulando nas redes sociais de militares humilhando jovens por infrações menores, como violar o toque de recolher (imposto durante o estado de emergência). Com mais de 17 mil equatorianos supostamente detidos entre janeiro e março de 2024, há também preocupações de que muitas prisões estão sendo feitas sem provas suficientes.

As mudanças estão sendo comparadas à política de Nayib Bukele em El Salvador, onde há muitas críticas e relatos de violações dos direitos humanos resultantes dessa política. Isso poderia acontecer no Equador?

A recente mudança para abordagens militarizadas no combate ao crime organizado no Equador é evidência do “efeito Bukele”. Por um lado, é inegável que El Salvador registrou quedas acentuadas em homicídios desde a reintrodução das medidas de “mano dura”. Mas também é verdade que isso veio à custa de um aumento acentuado no uso excessivo da força pela polícia, a encarceração em massa de mais de 65 mil pessoas e uma repressão dramática aos direitos humanos e liberdades civis.

O risco das medidas duras contra o crime é que elas se tornem a regra, não a exceção. El Salvador emitiu mais de duas dúzias de decretos de estados de emergência ao longo do mandato de Bukele. Isso possibilitou milhares de prisões arbitrárias, dezenas de julgamentos em massa, múltiplos casos de tortura e maus-tratos a prisioneiros e um número significativo de desaparecimentos forçados. E, embora suas táticas sejam admiradas por vários líderes nas Américas, elas geram uma preocupação real entre os observadores de direitos humanos.

Outro ponto chave é que o Equador apresenta um contexto muito diferente de El Salvador. Por um lado, o Equador é dez vezes maior e tem três vezes a população. Além disso, o Equador tem muito mais grupos criminosos do que El Salvador. Além dos Choneros, Lagartos e Lobos, facções rivais equatorianas, há uma série de organizações transnacionais de tráfico de drogas. Por exemplo, há traficantes albaneses, representantes das ex-Farc da Colômbia e do ELN, grupos mexicanos, incluindo o cartel de Sinaloa e o Tren de Aragua da Venezuela. O ecossistema do crime no terreno é muito mais complexo no Equador do que em El Salvador, com um risco maior de violência entre facções rivais.

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