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EUA põem poder econômico sobre o militar

Trump usa tarifas para criar um clima de instabilidade tradicionais com parceiros comerciais americanos

Por The Economist
Atualização:

Quando Donald Trump assumiu a presidência, ele prometeu restaurar a força dos EUA. O método que adotou foi transformar os instrumentos econômicos em arma. O mundo agora vê a força descomunal que uma superpotência pode projetar quando não é contida por regras ou aliados. Bastou o presidente ameaçar decretar tarifas contra o México e os mercados cambalearam. Uma delegação mexicana foi às pressas para obter um acordo em Washington. Esta semana, as regras comerciais preferenciais no caso da Índia foram canceladas. O governo indiano não foi à luta e prometeu preservar os “fortes elos” com o país. 

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump Foto: AP Photo/Alex Brandon

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A China se defronta com um aumento severo de tarifas contra sua gigantesca empresa de tecnologia, a Huawei. Os líderes autocráticos do país estão enraivecidos, mas insistiram que ainda buscam “o diálogo e a negociação”. Um embargo mais severo contra o Irã, imposto apesar das objeções europeias, está estrangulando a economia do país.

Trump deve ver este cenário com satisfação. Ninguém subestimará mais os EUA. Inimigos e amigos sabem que o país está preparado para colocar em ação um arsenal econômico para proteger seu interesse nacional. Os EUA vêm adotando novas táticas arriscadas e novas armas que exploram seu papel como centro nervoso da economia global para bloquear a livre movimentação de bens, dados, ideias e dinheiro através das fronteiras. Essa visão inflada de uma superpotência do século 21 pode ser sedutora para alguns. Mas também pode desencadear uma crise e já vem corroendo o ativo mais valioso dos EUA – sua legitimidade.

Podemos achar que a predominância dos EUA provém dos seus 11 porta-aviões, das 6.500 ogivas nucleares ou seu papel de liderança no Fundo Monetário Internacional (FMI). Mas o país é também o nó central da rede que sustenta a globalização. Esta rede de empresas, ideias e padrões reflete a intrepidez americana amplificada. Embora inclua bens negociados por meio de cadeias de produção, ela é intangível. 

Os EUA controlam ou hospedam mais de 50% da banda larga que atravessa as fronteiras do mundo, do capital de risco, dos sistemas de telefonia, das maiores universidades e ativos administrados por fundos. O dólar é usado como moeda em 88% dos negócios do mundo. Em todo o planeta é normal usar um cartão Visa, faturar exportações em dólares, usar um dispositivo com um chip Qualcomm, assistir à Netflix e trabalhar para uma empresa na qual BlackRock (maior gestora de ativos do mundo) investe.

Os estrangeiros aceitam tudo isso porque, no final das contas, eles enriquecem. Podem não estabelecer as regras do jogo, mas têm acesso aos mercados americanos e desfrutam de um tratamento favorável com as empresas americanas. 

A globalização e a tecnologia criaram a rede mais poderosa, embora a parcela dos EUA do PIB mundial tenha caído de 38% em 1969, para 24% atualmente. A China não consegue competir ainda, mesmo que sua economia esteja se aproximando da economia americana.

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Nacionalismo econômico

Apesar disso, Trump e seus assessores estão convencidos de que a ordem mundial age contra os EUA, apontando para seu Cinturão da Ferrugem e seu déficit comercial. E em vez de repetir as táticas limitadas que foram adotadas no último conflito comercial com o Japão, na década de 80, eles redefiniram o modo como o nacionalismo econômico deve funcionar.

Em primeiro lugar, em vez de usarem tarifas como um instrumento para obter concessões econômicas específicas, eles estão continuamente mobilizados para criar um clima de instabilidade com os parceiros comerciais. A ameaça de tarifas contra o México não tinha nada a ver com comércio e violavam o espírito do acordo de livre-comércio assinado pela Casa Branca há apenas seis meses, que substituirá o Nafta (o Congresso ainda precisa ratificá-lo). 

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Em segundo lugar, o escopo da atividade vai além dos bens físicos usando como arma a rede dos EUA. Inimigos como Irã e Venezuela enfrentam sanções mais duras. O restante do mundo se defronta com um novo regime para os setores de tecnologia e finanças. Uma ordem executiva proíbe transações em semicondutores e software fabricados por adversários estrangeiros, e uma lei sancionada no ano passado policia os investimentos estrangeiros no Vale do Silício. Se uma empresa entra na lista negra, os bancos se recusam a negociar com ela, que fica fora do sistema de pagamentos em dólar.

Tais instrumentos costumavam ser usados em tempos de guerra: as técnicas legais usadas para vigilância do sistema de pagamentos foram desenvolvidas como instrumento de caça da Al-Qaeda. Agora uma “emergência nacional” é declarada no campo da tecnologia. As autoridades são prudentes para definir o que é uma ameaça. Embora com frequência massacrem empresas específicas, caso da Huawei, as outras atuam assustadas. Se você dirige uma companhia global, tem certeza de que seus clientes chineses não serão incluídos na lista negra?

Até agora os danos para a economia americana foram pequenos. Internamente, a popularidade de Trump se mantêm, mesmo com seu declínio no exterior. Seus funcionários acham que o experimento de transformar a rede econômica em uma arma só começou.

Na verdade a conta está aumentando. Os EUA poderiam ter criado uma coalizão global para pressionar a China a reformar sua economia, mas desperdiçou a boa vontade preciosa dos aliados. 

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Aqueles que pretendem firmar novos acordos comerciais com os EUA, incluindo a Grã-Bretanha pós-Brexit, se preocuparão que um tuíte presidencial venha a anular tal acordo após ele ser assinado. E a retaliação começou. A China começou sua própria lista negra de firmas estrangeiras. E o risco de um erro grosseiro que desencadeie um pânico financeiro é alto. Imagine se os EUA embargarem US$ 1 trilhão de ações chinesas negociadas em Nova York ou fecharem os bancos estrangeiros.

No longo prazo a rede liderada pelos americanos estará sob ameaça. Há indícios de motim – dos 35 aliados militares asiáticos e europeus, somente 3 concordaram em proibir a Huawei. Esforços para criar uma infraestrutura global rival devem acelerar. 

A China está criando seus tribunais para resolução de disputas comerciais com estrangeiros. A Europa vem testando um sistema de pagamentos para contornar as sanções impostas contra o Irã, que com o tempo poderá ser usado em outros lugares. 

A China, e eventualmente a Índia, estarão ansiosas para pôr fim na sua dependência dos semicondutores do Vale do Silício. Trump está certo quando diz que a rede dos EUA confere ao país um vasto poder. Levará décadas, e custará uma fortuna, substituí-la. Mas se abusar dela, no final a perderá. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO 

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