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Explosão em hospital em Gaza expõe viagem de Biden a Israel a enorme risco político; leia análise

Cancelamento de reunião na Jordânia e protestos no Oriente Médio atrapalham planos do presidente americano de acalmar as tensões na região e impedir que o confronto se alastre

Por Peter Baker e Katie Rogers
Atualização:

A explosão que deixou centenas de mortes em um hospital na Faixa de Gaza reflete a volatilidade do conflito no Oriente Médio e coloca em evidência os enormes riscos de políticos e de segurança da viagem do presidente americano, Joe Biden, a Israel nesta quarta-feira, 18. Biden disse estar indignado e entristecido pelas mortes de civis palestinos.

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Embora autoridades do Hamas em Gaza e o governo de Israel tenham trocado acusações sobre a origem do míssil que atingiu o hospital, Biden evitou a questão no comunicado sobre o episódio.

“Os Estados Unidos estão inequivocamente a favor da proteção de civis durante conflitos”, disse o presidente. “Estamos de luto pelos pacientes, equipe médica e inocentes mortos e feridos nesta tragédia.”

Biden se prepara para embarcar para Israel na base militar de Maryland Foto: AP / AP

A rápida evolução dos acontecimentos ao longo do dia e a raiva que se seguiu à tragédia registrada em diversas cidades do mundo árabe e muçulmano demonstram os perigos da viagem. Entre os objetivos de Biden estão hipotecar solidariedade a seu aliado mais próximo no Oriente Médio e pressionar Israel para que evite mortes de civis. Biden também planejava viajar à Jordânia para discutir a expansão da crise em Gaza na região com o rei Abdullah II e os presidentes do Egito, Abdel Al-Sisi e da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas.

Mas com a explosão que desatou a tragédia no hospital Al-Ahli o plano de Biden começou a ruir. O presidente decolou rumo a Tel-Aviv num momento em que Gaza enfrenta uma catástrofe humanitária e a raiva contra Israel reverbera por todo Oriente Médio.

“O timing e a maneira como essa visita está sendo apresentada não poderiam ser piores”, diz Charles Lister, diretor de contraterrorismo do Middle East Institute. “Não importam muitos as circunstâncias nas quais esse hospital foi atacado. Isso não importa mais. As tensões estão num patamar muito mais alto que qualquer coisa que tenhamos visto na semana passada.”

A visita de Biden Israel tem sido um ato de alto risco diplomático desde a sua concepção.

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Na segunda-feira, assessores do presidente discutiram sobre os riscos da viagem. Biden decidiu ir para demonstrar apoio a Israel e pedir ajuda aos civis palestinos submetidos ao cerco israelense de Gaza. Ele também disse que um encontro frente a frente com Netanyahu ajudaria a entender melhor a estratégia de invasão de Gaza desenhada pelas Forças Armadas de Israel.

Crianças palestinas feridas em explosão em hospital na Faixa de Gaza 

Uma situação ainda mais catastrófica

Para Daniel C. Kurtzer, ex-embaixador em Israel que agora leciona em Princeton, a explosão em Gaza colocou o presidente numa posição desconfortável. “Biden está caminhando para uma situação ainda mais catastrófica do que a que ele esperava”, afirma. “Palestinos e árabes não vão acreditar que a tragédia do hospital não é obra de Israel, e a percepção torna-se realidade.”

Kurtzer diz ainda que a conversa entre Biden e Netanyahu agora se tornaria mais desafiadora. “A mensagem de Biden agora tem que ser muito mais simples – ‘na semana passada vocês estavam no foco, agora vocês são o foco negativo’”, afirma.

Falta de estratégia de longo prazo

“A falta de uma estratégia ampla é o maior risco de longo prazo aqui”, diz Jonathan Panikoff, diretor da Iniciativa de Oriente Médio do Atlantic Council. “Israel não tem nenhuma e os EUA estão os apoiando de olhos fechados.”

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Biden queria usar a visita como meio de dissuadir o Irã e o Hezbollah de assumir um papel direto no conflito. Para isso, o Pentágono enviou dois porta-aviões para o Mediterrâneo Oriental, munidos de mais de 100 caças de última geração. Um grupo de elite das Operações Especiais do Exército americano trabalha em parceria com os israelenses num plano para recuperar os reféns.

Mas a raiva provocada pela tragédia cresceu ao longo do dia. O Hezbollah, o grupo libanês apoiado pelo Irã que travou guerras com Israel no passado, convocou protestos na quarta-feira, apesar do reforço militar americano na região

Uma fonte do governo americano disse ainda que a explosão no hospital poderia complicar os esforços de Biden para saber mais sobre o paradeiro de 13 americanos desaparecidos desde o ataque de 7 de outubro. Presume-se que alguns deles sejam reféns.

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As tensões também aumentaram na fronteira norte de Israel com o Líbano, criando preocupações de que a guerra pudesse alastrar. O ministro dos Negócios Estrangeiros do Irã alertou na segunda-feira que uma rede regional de milícias conhecida em partes do Médio Oriente como o “eixo da resistência” abriria “múltiplas frentes” contra Israel se os seus ataques continuassem a matar civis em Gaza.

Protestos na embaixada americana no Líbano contra a morte de centenas de palestinos em hospital na Faixa de Gaza 

Riscos da invasão de Gaza

Richard Haass, presidente emérito do Council on Foreign Relations, diz que os riscos da viagem eram graves. Mas ele disse que Biden tem a oportunidade de deixar claro às autoridades israelenses que uma ocupação ou invasão prolongada de Gaza não seria realista ou sustentável no longo prazo.

“Biden é a pessoa mais popular em Israel no momento. Mais popular do que Bibi Netanyahu”, disse Haass, usando um apelido para o primeiro-ministro. “Então, na verdade, acho que isso lhe permite argumentar que a única política sustentável é aquela que distingue entre o Hamas e Gaza.”

Ron Klain, ex-chefe de gabinete de Biden, disse que se estivesse na sala aconselhando Biden sobre uma visita ao Oriente Médio, as preocupações de segurança em torno da viagem do presidente estariam em sua lista.

Mas Klain disse que não ficou surpreso com o fato de o presidente ter prosseguido com a viagem para mostrar solidariedade a um aliado – especialmente depois que Biden fez uma viagem secreta à Ucrânia devastada pela guerra em fevereiro.

“Acho que ele irá lá e deixará claro aos israelenses que estamos apoiando-os”, disse Klain, “e ele quer ter certeza de que eles saibam que iremos fornecer a ajuda e a assistência eles precisam. E reforçar os pontos que ele defendeu publicamente, de que devem conduzir as suas missões militares de acordo com o Estado de direito e o direito internacional.”

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