Fragmentos de sinagoga de Munique, destruída por ordem de Hitler, são encontrados no leito de um rio

A descoberta ocasionou uma surpresa benfazeja entre a comunidade judaica de Munique, além de estarrecimento

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Por Christopher F. Schuetze

BERLIM, THE NEW YORK TIMES - Oitenta e cinco anos atrás, a principal sinagoga de Munique foi demolida por ordem direta de Adolf Hitler — um prenúncio terrível da destruição que se seguiria. Aquela sinagoga foi uma das primeiras casas de reza judaicas destruídas na Alemanha de Hitler. Cinco meses depois, os nazistas organizaram pogroms em todo o país e destruíram a maioria das sinagogas alemãs, assim como instituições de cultura judaica, comércios e empresas de judeus.

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A principal sinagoga de Munique parecia ter se perdido para a história. Mas nesta semana, durante um projeto para reformar antigas infraestruturas subaquáticas, uma equipe de construção encontrou fragmentos da casa de reza no leito de um rio, a 8 quilômetros de seu endereço original em Munique. A descoberta ocasionou uma surpresa benfazeja entre a comunidade judaica de Munique, além de estarrecimento.

Os itens que os trabalhadores de construção encontraram, incluindo colunas e um grande fragmento do altar da Torá, estavam a profundidades entre 4,5 metros e 7,6 metros, no fundo do Rio Isar, ao sul de Munique. Os destroços do edifício foram usados como material de sustentação quando uma estrutura subaquática foi reconstruída após uma enchente, em 1956.

Fragmentos da sinagoga foram encontrados por uma equipe de construção Foto: Museu Judaico de Munique

“Eu conheci o imponente edifício quando menina, antes da destruição. E nunca pensei que partes dele pudessem ter sobrevivido, muito menos que seriam encontradas quase um século depois”, afirmou por e-mail a presidente da Comunidade Judaica de Munique, Charlotte Knobloch.

Apesar das lideranças de Munique estarem contentes em ver fragmentos da sinagoga reaparecendo, a descoberta também coloca em foco novamente as ações horripilantes dos nazistas, que assassinaram 6 milhões de judeus e destruiram sistematicamente a vida judaica.

As relíquias recém-descobertas ilustram pontos importantes, explicou durante entrevista o diretor do Museu Judaico de Munique, Bernhard Purin. “Por um lado, documentam a florescente vida judaica em Munique antes de 1933″, afirmou ele, “por outro, constituem um monumento à sua destruição”.

Inaugurada em 1887, a sinagoga principal de Munique foi projetada para harmonizar-se com o estilo de arquitetura da cidade. A imprensa qualificou-a na época como um “ornamento da cidade”.

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Hitler ordenou a destruição da sinagoga principal de Munique em junho de 1938, dias depois de visitar o bairro em que a casa de reza ficava. Oficialmente, o edifício foi removido para dar espaço a um estacionamento. A empresa encarregada da demolição guardou os destroços em seu pátio até usá-los para fortalecer uma estrutura dentro do rio em meados dos anos 50.

Atualmente, uma escultura de pedra enfiada entre uma loja de departamentos chique e um museu da BMW recorda os pedestres sobre a sinagoga em seu endereço original.

“Nós estamos bastante deslumbrados em ver os fragmentos da antiga sinagoga principal aparecerem novamente, tanto quanto chocados com a falta de respeito com que foram tratados mesmo após 1945″, escreveu Knobloch.

A principal sinagoga de Munique nas vésperas da destruição em 1938 Foto: Museu Judaico de Munique

Antes de 1938, quase todas as cidades importantes da Alemanha tinham sinagoga. Quase todas foram destruídas em novembro de 1938, no pogrom conhecido como Noite dos Cristais. As poucas sinagogas que sobreviveram foram poupadas porque eram próximas demais de edifícios de não judeus para serem demolidas pelos nazistas.

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Os bombardeios aéreos da 2.ª Guerra reduziram a cinzas muitas cidades alemãs, portanto os restos de muitas sinagogas destruídas perderam-se para sempre. Fragmentos de uma outra sinagoga, em Frankfurt, ocasionaram protestos nos anos 80 para impedir que a cidade construísse sobre o local do edifício. Por fim, o material remanescente dessa sinagoga de Frankfurt foi colocado sob proteção de vidros e em exibição ao público.

Esta semana, o prefeito de Munique, Dieter Reiter, declarou em um comunicado que a destruição da sinagoga principal de Munique constituiu o “início da exclusão, da perseguição e da destruição” dos judeus alemães. “O fato de hoje encontrarmos os fragmentos do que foi um dia um edifício magnífico, que definia a paisagem urbana, é uma sorte e me comove profundamente”, continuou ele.

Agora que as autoridades sabem o que estava escondido entre o aterro subaquático, estima-se que 150 toneladas de material serão transferidas para um pátio municipal para análises minuciosas em busca de mais fragmentos da sinagoga — um trabalho que pode durar anos. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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