PUBLICIDADE

George Santos: Uso de verba de campanha com hospedagem e restaurantes de luxo cria suspeitas nos EUA

Só em um restaurante no Queens, em NY, deputado de origem brasileira gastou o equivalente a R$ 74 mil; excesso de gastos abaixo do valor mínimo para prestação de contas levanta suspeitas

Por Grace Ashford e Dana Rubinstein
Atualização:

Os gastos de campanha do deputado eleito George Santos para o Congresso americano estão sob escrutínio das autoridades, que suspeitam que o político republicano de origem brasileira possa ter usado a verba para gastos pessoais. No total, esse valor chega ao equivalente a R$ 575 mil.

PUBLICIDADE

Entre os gastos fora do padrão para uma candidatura de um deputado de primeiro mandato nos EUA estão US$ 11 mil (R$ 58 mil) em aluguel numa casa em Long Island, em Nova York, US$ 40 mil (R$ 211 mil) para locais distantes do distrito que o elegeu e US$ 30 mil (158 mil) em hospedagem no Tennessee, Virgínia, Texas, Florida, California, Kansas, Michigan, Washington D.C. e New Jersey.

Outros gastos que chamaram a atenção das autoridades são as contas de alimentação do deputado, que gastou US$ 14 mil (R$ 74 mil reais) no restaurante de luxo Il Baco, no Queens, em Nova York. Ele também gastou outros US$ 14 mil em Uber e outros serviços de transporte automotivo.

Além do volume dessas verbas, as autoridades americanas suspeitam também da prestação de contas do parlamentar eleito. Mais de 800 itens citados nos gastos da campanha são abaixo do limite mínimo de US$ 200 (R$ 1.057) para o qual a legislação exige apresentação de recibos. Ao menos 30 desses 800 itens constam no valor de US$ 199,99.

George Santos é filho de brasileiro que emigraram para os EUA  Foto: AP Photo/Mary Altaffer, File

Santos foi eleito no terceiro distrito de NY, que representa os bairros do Queens e Long Island no Congresso americano. Muito disputada em cada eleição por democratas e republicanos, a cadeira acabou ajudando o partido de oposição a conseguir uma curta maioria de 4 deputados frente aos democratas no Congresso que toma posse em janeiro.

O deputado de origem brasileira está sob intenso escrutínio depois de uma investigação do New York Times ter revelado que ele mentiu sobre detalhes de sua educação, histórico de trabalho e bens, além de ter ocultado um processo de fraude com cheques sem fundo pelo qual foi acusado em Niterói, no Rio de Janeiro, em 2011.

A história também levantou questões sobre a situação financeira de Santos. Nos 10 dias desde que a reportagem do Times foi publicada, ele admitiu uma série de falsidades. No início desta semana, ele negou qualquer conduta criminosa, dizendo: “Meus pecados aqui estão embelezando meu currículo”.

Publicidade

Na noite de quinta-feira, Joe Murray, advogado de Santos, disse em comunicado que algum dinheiro foi gasto “imprudentemente” por uma empresa que havia sido demitida pela campanha há mais de um ano, mas disse que todos os gastos foram jurídico.

“Despesas de campanha para membros da equipe, incluindo viagens, hospedagem e refeições, são despesas normais de qualquer campanha competente. A sugestão de que a campanha de Santos se envolveu em qualquer gasto irresponsável de fundos de campanha é simplesmente ridícula”, disse Murray.

Dois ex-assessores, que pediram para permanecer anônimos porque não queriam ser publicamente associados a Santos, descreveram uma preocupação crescente durante a campanha de que o candidato estava muito focado em gastar dinheiro de maneira perdulária que com o que era preciso para ganhar a eleição.

Um consultor descreveu os gastos como parte de uma persona que Santos buscava construir: como um homem cujo sucesso o permitiu trocar suas origens humildes por uma vida de viagens sofisticadas e bons restaurantes.

Aluguel sob suspeita

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Durante a campanha, uma empresa chamada Cleaner 123 recebeu US$ 11 mil da campanha de Santos para pagar o aluguel da equipe do candidato em uma casa em Long Island. Procurados pela reportagem, no entanto, vizinhos do imóvel relatam ter visto apenas Santos e o marido vivendo na casa no período. Caso comprovado, o uso pessoal do imóvel constitui uma violação da lei que proíbe destinar recursos de campanha a gastos pessoais de representantes eleitos.

Procurada, a Cleaner 123 disse trabalhar com limpeza e não aluguel de imóveis, antes de desligar o telefone quando questionada sobre o depósito de US$ 11 mil feito pela campanha de Santos. Especialistas em legislação eleitoral dizem que esse tipo de gasto é incomum e defendem uma investigação mais profunda. Na quarta-feira, a procuradoria de NY decidiu investigar as mentiras do deputado, e é provável que seus gastos de campanha também entre na mira dos procuradores.

Recibos e gastos pequenos

O volume de gastos abaixo de US$ 200 na campanha de Santos também chama a atenção de especialistas. A Comissão Federal Eleitoral apenas recomenda que esses recibos sejam guardados, sem a obrigação de apresentá-los.

Publicidade

Para o especialista em financiamento de campanha Paul S. Ryan, os gastos podem ser um esforço para esconder o uso ilegal de fundos de campanha, dada a margem de manobra com relatórios de receitas abaixo de US$ 200.

Se assim for, disse ele, a tentativa do Sr. Santos de esconder o padrão poderia colocá-lo em mais problemas. “Considero o uso dessa tática uma forte evidência de que a violação da lei foi consciente e intencional - e, portanto, atende aos requisitos para um indiciamento”, disse.

A fonte do patrimônio de Santos também tem sido cercada por mistério: ele disse em declarações financeiras que sua empresa, a Devolder Organization, vale mais de US$ 1 milhão (R$ 5,39 milhões). As declarações de renda também mostram que ele ganhou milhões entre salário e dividendos nos últimos dois anos.

Mas os dados enviados ao fisco americano não mencionam nenhum dos clientes que ajudaram Santos a ganhar tal fortuna - uma omissão que pode representar problemas legais para ele, dizem especialistas em financiamento de campanha.

“Normalmente um candidato a deputado tenta gastar o mínimo possível com hospedagem e viagens, porque precisa desse dinheiro para fins de campanha”, disse Craig Holman, o lobista que acompanha os gastos de parlamentares no Congresso americano.

A título de comparação, Nick LaLota, o representante republicano eleito no condado de Suffolk, em Long Island, gastou cerca de US$ 900 em estadias em hotéis, US$ 3.000 em passagens aéreas e US$ 900 em serviços de táxi, de acordo com seus arquivos de campanha.

Sean Patrick Maloney, chefe cessante do Comitê de Campanha do Congresso Democrata, que perdeu para um republicano no Vale do Hudson, gastou apenas US$ 8.000 em viagens aéreas, de acordo com seus arquivos.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.