PARIS - Janeiro de 2015: o último romance de Michel Houellebecq estava prestes a ser publicado. Toda a imprensa se interrogava sobre as novas provocações urdidas pelo estranho escritor. Mas dessa vez, “a realidade ultrapassou a ficção” pois, às vésperas do lançamento, um atentado sangrento foi perpetrado por muçulmanos fanáticos contra o jornal satírico Charlie Hebdo, habituado a publicar caricaturas degradantes do profeta Maomé.
Curiosa coincidência: seu romance, Submissão descrevia uma França que, em 2022, estava tão islamizada que o presidente da República era muçulmano. Claro que ninguém suspeitou que ele teria algo a ver com o massacre do Charlie Hebdo. Mas o talento profético do escritor, já observado em seus romances precedentes, era tão impressionante a ponto de ele decidir retardar a saída do seu livro.
Esta capacidade profética não era seu único talento. Ele também era um talento na “publicidade”. O lançamento de cada um dos seus livros é uma obra-prima. A data é vaga. O tema “top secret”. Trechos fictícios do livro circulam nas redes sociais. São anunciadas novas provocações, sexuais ou políticas. E quando o misterioso livro enfim chega às livrarias, os compradores se precipitam sobre ele.
O segredo, a provocação, às vezes a mentira, se conjugam para fazer deste personagem quase invisível uma estrela que não cessa de brilhar.
Desde seu nascimento ele começa a mentir, ou melhor, sua mãe: compreendendo de imediato que o pequeno Michel seria um “superdotado”, ela toma a precaução de falsificar sua data de nascimento. Finge que ele nasceu em 1956 ao passo que o menino é de 1958. Em seguida, tem uma infância caótica entre pais em briga constante e que no final o deixam aos cuidados de uma avó, aliás muito gentil. Quanto à mãe, ternura não é sua especialidade. Em 2008 Michel Houellebecq afirmou, numa entrevista, que provavelmente ela estaria morta. Mas a informação era falsa. A mãe está viva. E declarou numa linguagem pouco delicada: “Meu filho, ele que se dane, seja pelo que quer, com quem quiser. Pouco me importa”.
E a sua obra? É a de um gênio, um visionário, como pensa a maioria dos países estrangeiros e um grande público francês? Ou de um medíocre, como assegura a universidade francesa e muitos críticos franceses? As duas opiniões são injustas. Uma coisa é certa: ele tem uma sensibilidade de “sismógrafo” para prever antecipadamente as convulsões que vão afetar as sociedades modernas, e mesmo a história. Observa com um olhar de águia as sociedades liberais, as catástrofes do Islã, os infortúnios de uma sexualidade ao mesmo tempo fatigada, obscena e exaltada, e suas análises dilaceram as mentiras, as hipocrisias.
A este dom acrescente-se a coragem e também a arte de combinar os contrários, casar a água e fogo, seguir no sentido inverso do campo no qual aparenta fazer parte. Por exemplo, passa por reacionário, mas em muitos aspectos é tão moderno que ainda não o alcançamos. Estes amálgamas e contradições, eis um dos segredos do seu fascínio.
Vejamos agora as críticas feitas a ele. Elas partem sobretudo do mundo das letras. Houellebecq escreve muito mal. Sua ausência de estilo é um poema. Uma vertigem. Como pode escrever tão mal? Frases curtas, que morrem como nascem, nenhuma imagem e pouco colorido, palavras que encontramos comumente nos tratados científicos ou em campanhas publicitárias, sem nenhuma variação de sentido, em resumo, uma mediocridade.
“Em torno do fenômeno Houelebrcq, todos esquecem o que é literatura”.
O grande escritor Tahar ben Jelloun vai mais além: “Tagarelices sobre a condição humana, uma escrita afetada que pretende ser uma grande obra”.
“Romance de consumo fácil”, diz um outro. E segundo Reynald Lahanque, uma “nulidade literária”.
Se devo também me manifestar, proponho dividi-lo em dois. Metade deste homem é um analista muitas vezes premonitório das nossas sociedades e das caóticas paisagens em cuja direção o trem nos leva para trás e a toda velocidade. Claro, suas análises são apressadas, descuidadas e fracas, mas ele tem a arte de colocar o dedo nos pontos sensíveis, nas podridões das nossas modernidades.
A outra metade é um escritor modesto cujo estilo não chega a ser mediano. Existem grandes escritores que fazem da ausência de estilo o seu triunfo e sua glória. Por exemplo, George Simenon, cujas frases secas, sem imagens nem poesia são tão justas, tão elegantes que suas cores embaçadas acabam brilhando de maneira fulgurante. Não é o caso de Houellebecq: ele é monótono, insípido e desastrado.
Sinto-me no dever de acrescentar uma lembrança recente. Jamais havia me encontrado com o escritor. Cruzei com ele antes do lançamento do de Submissão, numa reunião onde ele abordou o péssimo tratamento dado pelos homens aos animais. Sabia que ele ama os animais.
Fui seduzido pela maneira com que falou dos cachorros, dos gatos, das mulas. E também por sua amabilidade e o seu aspecto desmazelado. Foi um belo momento de poesia. Não deveria ter relido seus livros. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO