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Trump e a Cisjordânia

É difícil enxergar o papel do líder americano na expansão das colônias israelenses

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Por Gilles Lapouge , Correspondente e Paris
Atualização:

Muitos ficaram espantados pelo fato de Donald Trump, tão fiel às próprias promessas mais sangrentas, ter aparentemente esquecido uma de suas ideias mais perigosas: a transferência da embaixada americana de Tel-Aviv para Jerusalém, medida que condenaria a solução de dois Estados, cujo princípio foi aprovado por toda a comunidade internacional.

O Parlamento de Israel tomou uma iniciativa provocadora: legalizou assentamentos na Cisjordânia, o que mostra, de imediato, a autorização do confisco de uma extensão de 500 hectares de terra pertencentes a palestinos, e, a prazo mais longo, a exclusão definitiva da solução de dois Estados.

Governo israelense anunciou a construção de 2,5 mil casas em assentamentos na Cisjordânia Foto: AP Photo/Oded Balilty

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Como interpretar o papel de Trump nesse perigoso episódio? Há duas hipóteses: ou o premiê israelense, Binyamin Netanyahu, ao constatar que Trump contemporizava, optou por colocá-lo diante do fato consumado, ou o americano está fazendo jogo duplo. Finge esquecer a promessa e encarrega seu amigo Netanyahu, pressionado pela direita religiosa israelense, de realizá-la.

Em ambos os casos, o golpe é violento. E também é inquietante. Não devemos nos iludir. A legalização de uma colonização selvagem na Cisjordânia é apenas a primeira etapa de uma operação de envergadura: a anexação formal da Cisjordânia. O deputado de extrema direita Bezalel Smotrich admitiu: “Decretamos o desenvolvimento das implantações na Judeia e na Samaria (nome bíblico da atual Cisjordânia) de acordo com os interesses de Israel. Na próxima etapa, estenderemos nossa soberania e prosseguiremos.”

Seja qual for o papel, real ou não, desempenhado por Trump nesse caso, não é mera coincidência que tal desafio, desaprovado pelos palestinos, pela esquerda israelense, por Turquia, França, Reino Unido e outros países europeus, seja lançado neste momento, isto é, quando os EUA caíram nas mãos de um presidente que só sonha com conflitos, e anunciou com estardalhaço sua “amizade” por Israel.

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O próximo episódio seria o eventual recurso na Suprema Corte israelense, que poderia ser a última defesa contra a aplicação de uma medida explosiva. Antes mesmo que a Suprema Corte fosse convocada, a ultra direita israelense atacou violentamente esse tribunal, que considera um “ninho de pró-palestinos”, de esquerdistas ou algo pior ainda, como se existisse algo pior do que esquerdismo.

O ministro da Justiça, Yair Levin, da direita do Likud, ameaçou: “Está na hora de as pessoas entenderem que Israel é uma democracia na qual é o Parlamento que vota as leis, não a Suprema Corte”. E Motti Togev, deputado do partido Casa Judaica, insistiu: “Se a ditadura da Suprema Corte optar por criar obstáculos à democracia, aconselharemos a manter-se no seu lugar”.

A batalha travada por Netanyahu é tão ousada e simbólica que, em 23 de dezembro, o Conselho de Segurança da ONU adotou uma resolução lembrando que “é inadmissível a aquisição de territórios pela força”, exigindo que Israel parasse completamente a colonização.

Era uma resolução subversiva. Nunca a ONU se envolvera tão claramente em favor da solução de dois Estados e contra os assentamentos porque, em geral, o delegado dos Estados Unidos colocava automaticamente seu veto. Desta vez, ela foi adotada porque os EUA, em lugar de vetá-la, se abstiveram, pela primeira vez, provocando grande cólera no governo israelense. A abstenção foi um dos últimos gestos de Barack Obama antes de deixar a Casa Branca. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA