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Trump e Johnson sob os holofotes da Otan

São previstos alguns salamaleques, champanhe e muitos sorrisos, acompanhados de umas tantas caretas, pois a Otan é uma idosa que vai mal de saúde

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Por Gilles Lapouge
Atualização:

Em Londres, hoje e amanhã, a cúpula da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) celebrará os 70 anos da aliança. São previstos alguns salamaleques, champanhe e muitos sorrisos, acompanhados de umas tantas caretas, pois a Otan é uma idosa que vai mal de saúde. Multiplicam-se as brigas e mal-entendidos.

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Os EUA gostariam de se livrar do ônus financeiro que é a Otan. O turco Recep Tayyip Erdogan fará seu discurso favorito: ameaçará despejar sobre a Europa alguns milhares de refugiados sírios que ele usa como arma de guerra.

Quanto a Emmanuel Macron, o francês explicou, do alto de seu Olimpo, que a Otan está em estado de “morte cerebral”. Será necessário explicar isso na presença de todos os “cérebros mortos” que estarão na reunião.

Mas, em segundo plano, haverá conversas singulares. Donald Trump se encontrará com o premiê britânico, Boris Johnson, que deve garantir, a menos que ocorra algum acidente no caminho, a saída de seu país da União Europeia. Nesse ponto, os dois líderes concordam: qualquer coisa que possa enfraquecer a UE encanta tanto o americano quanto o britânico.

Trump usou seu primeiro encontro com os líderes da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) para cobrá-los, em tom não diplomático, por não destinarem 2% de seu PIB para a área de defesa. Ele também frustrou os europeus ao não expressar de maneira clara seu compromisso com o princípio de defesa coletiva dos integrantes do pacto Foto: AFP PHOTO / ERIC FEFERBERG

Os dois se conhecem e se adoram. E o pior é que são parecidos. Têm várias características em comum: cabelos caprichosos que crescem comicamente sobre a testa e, mais importante, o mesmo gosto por mentiras, ainda que elas sejam refutadas de imediato. Três dias após o ataque da Ponte de Londres, Johnson acumulou mentiras sobre o sistema britânico de indulto a presos.

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Se Trump é mais ou menos mentiroso que Johnson, isso poderia ser tema de um reality show. Assim como Boris, Donald não disfarça suas mentiras. Ele as proclama em tuítes. Alguns dias depois, diz o contrário, sem nenhum sinal de arrependimento. Na primeira vez em que se encontrou com Macron, disse ao mundo, pelo Twitter, que o homem era um encanto e seria um grande presidente para a França.

Macron, que gosta de quem gosta dele, engoliu. Depois, Macron se tornou um cara insuportável. E, além disso, Brigitte, a mulher de Macron, era velha e feia. Um pouco mais tarde, Trump se rasgou em elogios a Macron, e assim por diante. O líder da Coreia do Norte em poucos meses passou da condição de “gordinho cretino e mal penteado” à de campeão da modernidade e gênio político.

O mesmo se repete em relação a Johnson, que é um homem de destaque, um premiê “magnífico”! A propósito, a imprensa internacional disse que Johnson era o “Trump britânico”. É bom ouvir essas coisas. E a sequência é evidente: assim que o Brexit for confirmado, o americano assinará um acordo comercial bilateral “magnífico” com Londres. Verdadeira lua de mel. 

Mas será que esse romance vai durar? Há três semanas, Trump deu a entender que a assinatura de Londres e Bruxelas em certos capítulos do “divórcio” não valeria nada e, nessas condições, o “acordo” que prometera a Johnson se tornaria “problemático”. Esta é uma das questões que Trump e Johnson devem discutir hoje ou amanhã em Londres, nos bastidores da cúpula. 

É provável que essa amarga demonstração de mau humor tenha sido esquecida, pois os dois países têm o mesmo interesse em assinar um acordo bilateral – apenas para irritar a UE, pela qual sentem a mesma paixão. Mas os dois são tão mentirosos que a dúvida persistirá até a assinatura do “magnífico acordo bilateral” prometido por Trump.

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Uma questão secundária: qual deles parece mais hábil na mentira, o britânico ou o americano? Para mim, já posso dizer que Johnson me parece mais talentoso. Porque Trump dispõe de um vocabulário tão pobre quanto um tuíte, um rudimento, um fragmento de linguagem, uma miséria comovente. Depois de dizer “lindo”, “desprezível”, “maravilhoso” e “cretino”, acabou seu dicionário.

Além disso, o britânico é de uma família culta e brilhante. Assim, suas mentiras são mais bem embaladas que as de Trump, que as profere sem o menor talento. A voz de Johnson, que ainda reflete os espelhos de Eton e se ilumina com algumas linhas de humor, é mais sedutora e divertida, e é por isso que as mentiras de Trump têm apenas uma pequena expectativa de vida, enquanto uma boa mentira assinada por Johnson pode durar alguns dias. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

*É CORRESPONDENTE EM PARIS