Vai ter guerra entre a Venezuela e a Colômbia? É um baita problema. Um conflito armado entre as forças de dois estados nacionais é um jogo caro, muito caro. Um analista europeu da iniciativa privada, ex-integrante do Centro de Estudos Estratégicos de Washington, estima em "dezenas de bilhões de dólares, talvez uma centena", os custos de um confronto em larga escala entre as forças venezuelanas e colombianas. Ainda queo enfrentamento dure pouco tempo, coisa de três meses de choques pontuais, a fatura será alta.
A Colômbia mantém um efetivo de 293 mil homens e mulheres, bem equipados e treinados, com experiência acumulada por mais de meio século de combate à guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). A luta foi formalmente encerrada por um acordo de paz há apenas dois anos, em junho de 2017. O orçamento da Defesa do país é de US$ 10,6 bilhões.
A Venezuela, mergulhada em uma incontrolável crise da economia nacional, sustenta 123 mil militares, mas conta com ao menos 220 mil voluntários da Milicia Nacional Bolivariana, o "exército político" criado em 2009 pelo então presidente Hugo Chávez e intensamente preparado por instrutores de Cuba. Os gastos do setor somam apenas US$ 741 milhões -- os exercícios de fronteira convocados pelo presidente Nicolás Maduro em regime de "alerta laranja" começam na terça-feira, dia 10. Vão exigir reforço no caixa.
O ensaio, na linha de fronteira com a Colômbia, ainda é um plano cheio de furos. Uma decisão política, mais que militar, a mobilização - o efetivo envolvido não foi revelado, como é costume em tempo de paz - agrava a crise financeira do governo e implica grande dificuldade logística: os 2.219 km que separam os dois territórios começam no golfo do Mar do Caribe, atravessam trechos de montanha, selva, rios amazônicos e pequenas savanas, até a divisa tríplice com o Brasil, em Cucuí, no estado do Amazonas.
Acessos difíceis em toda a extensão. Os corredores aéreos mais favoráveis para deslocamento da aviação de combate passam pelo norte, talvez a partir de pontos como La Guajira e a região de Santander Norte, estimavam ontem oficiais brasileiros, ressalvando que essa análise é "apenas uma hipótese especulativa". Há ainda a ser considerada a onda de refugiados, os "vezucas", em movimento o tempo todo na direção de Táchira. Até maio, o número de fugitivos registrados pelos serviços de imigração, capital, Bogotá, chegava a 1,3 milhão de pessoas.
O 'alerta amarelo' decretado por Maduro tem prazo, vai durar 18 dias, de 10 a 28. Nesse período o exército pretende testar a capacidade de criar uma barreira antiaérea usando os mísseis russos de que dispõe. O mais numeroso no arsenal - cerca de 5 mil deles - é o Igla S24, que pode ser disparado do ombro de um só homem contra alvos detectados entre 500 metros e 5,2 km de distância, na ampla faixa de altura que vai de 10 metros a 3,5 km. Há dois outros, mais pesados, transportados por veículos blindados ou por carretas - o Pechora, para atuar na faixa dos 35 km e o Buk, empregado até 140 km.
Maduro quer criar uma espécie de escudo rústico de proteção de objetivos estratégicos, como usinas de energia, linhas de transmissão, centrais de comunicação, terminais aéreos, instalações da rede de Defesa e centros de instrução da milicia popular. A componente diferencial do alerta serão duas baterias, das três de que dispõe a artilharia venezuelana, dos mísseis russos S-300.
O sistema é o mesmo cuja presença na Síria, na Turquia (versão S-400) e no Irã incomoda à Casa Branca. Sofisticado, fácil de operar e eficiente. Uma bateria é formada por 6 carretas lançadoras couraçadas, cada uma levando quatro mísseis, 1 radar de longa distância, 1 veículo de comando e controle, e 1 remuniciador. O modelo adquirido pelo presidente Maduro, recebido a partir de 2012, custa cerca de US$ 115 milhões, fora o míssil 9M82M, cotado a US$ 1 milhão a peça. Funcionando no modo automático – no modo autônomo o sistema digital rastreia os alvos, prioriza o grau de ameaça e faz o disparo – o tempo de reação é de 3 segundos.
Atinge em voo mísseis balísticos e de cruzeiro, aviões e projéteis de artilharia no limite máximo de 150 km a 200 km, a altitudes de 30 km. De acordo com os dados da inteligência, o S-300 tem recebido dinheiro do Ministério da Defesa para pagar a atenção e os cuidados dos técnicos enviados da Rússia por Vladimir Putin. O primeiro grupo desembarcou em Maiquetía, nos arredores de Caracas, em março. Em julho, foi substituído por outro contigente.
A força colombiana opera sistemas e equipamentos fornecidos pelos Estados Unidos há quase 20 anos, desde 2000, quando foi assinado o Plano Colômbia, que previa longa e cara participação na qualificação da tropa para dar combate às Farc e reprimir a indústria clandestina da produção, processamento e distribuição de cocaína. Em 2017, o programa mudou de nome, passou a ser chamado de Paz Colômbia, a pouco usada denominação original. A presençaamericana, embora reduzida, continua.
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