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Iranianos estão céticos com fim de sanções

Nas ruas da capital Teerã, recepção da população à implementação do acordo nuclear é fria

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Por Redação
Atualização:

TEERÃ - No dia em que as terríveis sanções internacionais contra o Irã foram suspensas, a televisão estatal abriu o noticiário da manhã com uma matéria sobre vacinação infantil. Não havia jovens agitando bandeiras ou multidões em festa pelas ruas da capital: apenas o movimento normal das manhãs de domingo, em que a semana de trabalho iraniana se inicia.

A recepção bastante contida dada ao dia da “implementação”, quando o acordo nuclear foi finalmente concluído e o Irã estava livre para voltar a fazer parte da economia internacional, refletiu as inúmeras decepções e promessas não cumpridas que os iranianos experimentaram nos dois anos durante os quais as negociações se arrastaram. Embora o governo falasse do acordo para animar as esperanças do povo, poucos esperavam ver alguma melhoria.

Presidente do Irã, Hassan Rohani, discursa no Parlamento após sanções econômicas e financeiras contra o país serem suspensas 

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“Não vi nenhuma animação”, comentou Ali Shoja, faxineiro de um prédio de escritórios no metrô de Teerã, a caminho do trabalho. “Eles falam na entrada de bilhões de dólares, mas como no passado, não acredito que esses dólares cheguem ao meu bolso”.

Nem mesmo a troca dos sete iranianos que se encontravam em prisões nos Estados Unidos pelo repórter do Washington Post, Jason Rezaian, e três outros americanos presos no Irã, despertou algum interesse.

A televisão estatal tinha suas próprias razões para minimizar o feito. O fim das sanções é um sucesso para o governo do presidente Hassan Rohani, mas veio com um preço para o regime. Desde a assinatura do acordo, em julho, o Irã precisou desativar mais de 12 mil centrífugas, tirar do país praticamente todo o seu estoque de urânio enriquecido, e desmantelar o núcleo do seu reator a água pesada. Muitos membros do regime, particularmente os da linha-dura, consideram que é difícil apresentar o acordo como um vitória, principalmente quando, em contrapartida, foi preciso abrir mão de tanto.

Oportunidades. O governo, em conflito com a oposição mais intransigente, prefere concentrar-se nos ganhos para a economia que o Irã pode esperar agora que as sanções, algumas em vigor desde 2007, foram levantadas. E Rohani também não deixa de enfatizar em todas as oportunidades que, durante o seu governo, o Irã saiu do isolamento.

O ministro do Exterior da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, planeja uma segunda visita ao país; o presidente chinês, Xi Jinping, irá Teerã no dia 22; e Rohani será recebido na Itália e na França após a visita de Xi.

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No centro dessa atividade diplomática estão as grandes vantagens do acordo nuclear: os vastos recursos naturais do país, que vão além do petróleo e do gás, e o acesso a um dos últimos mercados mundiais ainda inexplorados. Já foram feitos vários negócios, à espera do levantamento das sanções.

Rohani gosta de chamar o acordo de benéfico para ambas as partes, embora os conservadores, tanto do Irã quanto dos EUA, digam que apenas um dos lados tire proveito dele. Neste domingo, ele celebrou o acordo. 

“Com a implementação do acordo, todos estão felizes, exceto os sionistas, os belicistas, os semeadores da discórdia entre as nações islâmicas e os extremistas dentro dos Estados Unidos”, disse Rohani no Parlamento ao celebrar o acordo. “Todo o resto está feliz.”

Qualquer que seja o resultado desse debate, o Irã poderá indiscutivelmente voltar a vender seu petróleo e a realizar transações financeiras internacionais. Mas enquanto Europa e Ásia se preparam para obter seu quinhão da bonança, empresários americanos - principal país que intermediou o acordo - ficarão de lado observando.

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O apetite de investimentos e de importações do Irã vai além do setor de petróleo e gás. Suas autoridades afirmam que precisam pelo menos de US$ 150 bilhões e talvez mais, para que o petróleo bruto continue fluindo nas próximas décadas. “Basicamente, precisamos de tudo: centenas de aviões, novos portos, a modernização da infraestrutura”, disse Saeed Laylaz, economista próximo ao governo de Rohani.

Obstáculos. As companhias americanas mostram-se interessadas, mas as sanções que datam de 1984, quando o Irã foi acusado de patrocinar o terrorismo, as obrigará a trabalhar por meio de subsidiárias. Em virtude disso, previu um analista, companhias europeias e asiáticas dividirão o mercado iraniano entre si.

Com algumas exceções, há ainda um embargo comercial americano ao país, impedindo em grande parte que a maioria dos americanos faça negócios com o Irã e vice-versa. Embora as instituições financeiras iranianas mais uma vez devam ter acesso ao sistema bancário internacional, em geral não poderão utilizá-lo para transações com ou nos EUA.

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“O Irã já sofria sanções antes da questão nuclear; e as oportunidades de negócios que os EUA poderão realizar com o país continuarão bastante limitadas, quase como agora”, afirmou Farhad Alavi, sócio-gerente do Akrivis Law Group, empresa sediada em Washington, especializada em direito na questão de sanções e de controles das exportações.

O Irã cumpriu as exigências previstas no acordo nuclear a uma velocidade alucinante, algo que os analistas atribuíram ao desejo de Rohani de levar este triunfo às cruciais eleições parlamentares em fevereiro. Mas houve mais uma razão: o regime xiita está próximo da falência.

Os iranianos veem sinais disso em toda parte. “Meu marido é dono de uma loja de casacos femininos, e não vendeu uma peça nas últimas semanas”, disse Mojgan Faraji, ex-jornalista, desempregada. “A implementação do acordo terá, na maior parte, um impacto psicológico positivo”, observou. “Depois disso, teremos de esperar para ver se o poder aquisitivo das pessoas aumentará.” / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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