Milei vai ‘dinamitar’ Banco Central e dolarizar economia? Conheça as propostas do novo presidente

O autodenominado anarcocapitalista quer reduzir o Estado, cortar impostos e ministérios, é a favor da venda de órgãos e contra o aborto

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Foto do author Carolina Marins
Por Carolina Marins
Atualização:

O libertário Javier Milei foi eleito o novo presidente da Argentina com uma vantagem histórica sobre o rival, o peronista Sergio Massa. O candidato governista e ministro da economia reconheceu a derrota antes mesmo do fim da apuração e da divulgação dos votos. Milei se autodefine como um “anarcocapitalista” e “libertário”, ou seja, a favor da completa liberdade, seja econômica ou moral - ainda que esta última com ressalvas.

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O termo resume as principais propostas do presidente eleito: reduzir e muito a presença do Estado na vida das pessoas, o que na prática lhes daria liberdade para escolher se utiliza peso ou dólar, para portar armas, casar com uma pessoa do mesmo sexo e até vender órgãos.

Milei ganhou destaque pelas suas propostas no campo econômico. Em partes por ser ele próprio um economista de formação, mas principalmente porque é na economia que os argentinos mais sofrem atualmente. Com uma inflação interanual de quase 116%, o poder de compra da população minguou. A pobreza hoje gira em torno dos 40%, sendo que entre as crianças esse número salta pra 60%. Em meio ao desencanto da população, o libertário surgiu com propostas radicais: dolarizar a economia e acabar com o Banco Central.

Foi utilizando termos econômicos para convencer de que acabar com o peso argentino é a bala de prata para a inflação galopante que Milei ganhou espaço em programas televisivos e se tornou um nome conhecido por ser contra a “casta política”. Em suas palavras, ele quer fazer o que nenhum outro político tradicional quis fazer por motivos puramente egoísticos. Um pensamento compartilhado por parte da população.

O candidato da coalizão A Liberdade Avança, Javier Milei Foto: Luiz Robayo/AFP

Os primeiros resultados oficiais, com 90% das urnas apuradas, Javier Milei teve 55,95% dos votos, e Massa teve 44,04% - a maior vantagem de um candidato a presidente nas eleições recentes na Argentina. Milei teve 13,2 milhões de votos, ante 10,4 milhões de Massa.

Queimar o Banco Central

Criticado por adversários e parte da imprensa argentina por “não apresentar propostas concretas”, Milei lançou em maio seu livro intitulado “El fin de la inflación” (O fim da inflação, em tradução livre). Foram em suas 184 páginas que ele explicou sua ideia de “dinamitar” o Banco Central. Segundo ele, a causa da alta inflação é simplesmente a contínua emissão de moedas pelo Banco Central, sendo assim, destruí-lo acabaria com o peso e, por consequência, com a inflação.

“Quando falo em queimar o Banco Central, não é uma metáfora, quero explodir, mas isso é literal. Ou seja, fazer implodir e deixar todo o entulho para trás”, disse o presidente eleito que, em suas palavras, é o único que pode acabar com a inflação.

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Seu próximo passo seria a dolarização, inspirado no ex-presidente Carlos Menem. Sua ideia é colocar o dólar, deste mesmo Banco Central que dinamitou, em circulação e torná-lo a moeda do mercado argentino. O problema é que o banco já praticamente não tem dólares, tendo inclusive limitado o saque da moeda entre os argentinos para evitar o fuga do dinheiro. Atualmente, diante da enorme dívida com o FMI, a Argentina cada vez mais tem reservas negativas de dólares no banco.

Milei, porém, garante que encontrou a solução, segundo postou em suas redes sociais. Mas não explicou qual.

“A dolarização, em princípio, não é bom para um país”, afirma o economista da Universidade Católica Argentina Juan Carlos Rosiello. “Tendo uma moeda, você tem uma ferramenta política que é a política monetária, que implica justamente em certos momentos da economia poder subir ou baixar a taxa e fazer a sua moeda ficar mais ou menos competitiva. Quando você perde a moeda você fica dependente da força de outra moeda que você não tem qualquer controle”.

Mas a proposta, explica ele, atrai o eleitor que está insatisfeito com a economia e que acha que o país não sabe gerir sua própria moeda. “Dada a história relativamente recente da Argentina, onde nós não soubemos administrar nossa moeda, muitos veem esta solução, que não é a melhor, como a única que pode nos dar estabilidade”, acrescenta.

Reduzir o Estado

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No campo político, o presidente eleito propõe reduzir o número de ministérios de 20 atualmente para apenas oito. No corte seriam incluídos os ministérios da Educação e da Saúde. Deixaria apenas os ministérios: da Economia, Justiça, Interior, Segurança, Defesa, Relações Exteriores, Infraestrutura e será criado o Ministério do Capital Humano.

“O Estado argentino é a principal causa do empobrecimento dos argentinos”, diz, e garante que sua “primeira ação de governo será promover uma reforma completa do Estado”. Em sua concepção, o Estado serve apenas para garantir a Segurança e Justiça. Todo o resto é gasto desnecessário, diz.

Nessa reforma ele pretende cortar os gastos públicos e transformar serviços públicos em privados, incluindo Educação e Saúde. No campo educacional ele propõe um sistema de vouchers, em que haveria apenas escolas particulares e o Estado forneceria esses vouchers para os pais escolherem onde querem matricular os seus filhos.

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Ele também propõem o corte, ou uma redução drástica, dos impostos, bem como reformas fiscais, trabalhistas e previdenciária.

Para Rosiello, Milei acerta nesse quesito de corte de gastos e do papel do Estado. “Aa proposta dele é reduzir drasticamente o Estado, e isso liberaria o Estado de muitos encargos. Hoje o Estado cobra uma grande quantidade de impostos, e a Argentina hoje é um país que tem muitos impostos que justamente dificultam muito produzir algo, pela tremenda e positiva carga que existe”.

Milei conseguiu capturar o 'voto de protesto' contra a política tradicional na Argentina Foto: Luis Robayo/AFP

Campo moral

Embora tenha recebido o apelido de Bolsonaro argentino - ou até Trump argentino - e reconhecer ser um admirador de ambos ex-presidentes, Milei destoa em algumas opiniões do campo moral. Nesse quesito o termo libertário fica ainda mais definido, quando ele diz que não se importa com o casamento entre pessoas do mesmo sexo, muito menos com a adoção de crianças por casais homossexuais, tão pouco com a venda de órgãos.

Para ele, se um cidadão quer fazer determinadas ações, ele têm todo direito e não será o Estado a limitar isso. “Minha primeira propriedade é meu corpo. Por que não posso me livrar [de partes] do meu corpo? São 7.500 pessoas sofrendo, esperando por transplantes, alguma coisa não está indo bem. O que proponho é buscar mecanismos de mercado para resolver esse problema”, diz sobre a venda de órgãos.

A diferença está no tema do aborto, que é legal na Argentina desde 2020, já que ele acredita ser um assassinato. “Sou liberal e o liberalismo é o respeito pelo projeto de vida dos outros. Se você for contra a vida, não há propriedade ou liberdade que valha a pena. E a vida humana começa desde a concepção. [...] A mulher pode escolher sobre o seu corpo, mas o que ela tem dentro do útero não é o seu corpo e o aborto fere o princípio da não agressão”.

No conceito libertário também cabe o livre porte de armas, ainda que diga que a Segurança deve ser um papel do Estado.

Muitas das posições de Milei vão ao encontro do que acredita parte do eleitorado argentino, principalmente no campo político e econômico. Mas se choca no campo moral e até democrático.

Um estudo recente feito pelo Instituto Pulsar, da Universidade de Buenos Aires (UBA), mostrou que os argentinos estão cada vez mais liberais em termos econômicos, defendendo justamente uma redução do papel do Estado e dos gastos públicos.

Porém, quando o assunto é porte de armas e segurança no geral, os argentinos tendem a ser mais cautelosos e recorrer ao Estado. Os argentinos também se mostram contra o corte de gastos em Saúde e Educação, especificamente, que veem como um papel do Estado fornecer.

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