Jovens italianos chegam desiludidos à eleição com Berlusconi favorito

Mais de 30% dos cidadãos com menos de 25 anos estão desempregados – taxa global é de 11%; coalizão de Berlusconi é favorita na votação de domingo

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Por Peter S. Goodman e ITÁLIA
Atualização:

Como milhões de jovens da Itália, Elio Vagali enfrenta opções de carreira que vão de mínimas a inexistentes. Aos 29 anos, ele fez limpeza em casas, colheu tangerinas e levantou pedras – quase sempre sem registro ou um contrato de tempo integral.

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O ex-premiê Silvio Berlusconi é ovacionado poradmiradores em Roma. Foto: Ettore Ferrari/ANSA via AP

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Para dar uma noção de seu desespero, o empregador dos seus sonhos é a usina de aço em ruínas que domina a vida de Taranto, decadente cidade no Mar Jônico. Para Vagali, ela acena como um portal para outra vida, que significa mudar-se do apartamento de seus pais. Só que a usina não está contratando. “Ou você conhece alguém, ou não entra”, diz com amargura.

Tudo isso ajuda a explicar por que Vagali e grande parte do eleitorado italiano está indiferente ou despreza a eleição que, no domingo, determinará quem dirigirá a quarta maior economia da Europa.

Quase 30% dos eleitores estão indecisos, segundo as pesquisas. A imprevisibilidade do resultado, em meio ao desgosto com a economia, aumentou o risco de que o resultado possa causar tumulto financeiro na Itália e trazer a ameaça de um novo choque para a Europa.

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Os partidos antiestablishment estão atraindo apoio dos economicamente angustiados – especialmente o movimento populista 5 Estrelas, que lidera várias pesquisas. Como o 5 Estrelas já convocou a Itália a abandonar o euro como moeda, ele representaria para os líderes europeus um novo desafio à coesão do continente.

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A maioria dos analistas duvida que o 5 Estrelas possa conquistar cadeiras suficientes na legislatura para formar um governo. O desfecho mais provável é uma coalizão liderada por um Silvio Berlusconi reabilitado e seu partido, Força Itália, depois de seus anos de desgraça por evasão fiscal e denúncias de bacanais. Surpreendentemente, ele se perfila como um antipopulista.

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A economia está se expandindo, embora devagar, depois de uma década de crise. As empresas tentam contratar. Um desastre bancário em câmera lenta foi em grande parte contido, já que o crescimento limitou os créditos em liquidação, enquanto as instituições mais frágeis foram resgatadas e reestruturadas.

Ainda assim, mais de 32% dos italianos com menos de 25 anos continuam desempregados, enquanto a taxa global de desemprego é de 11%.

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Os jovens italianos veem a classe política como tendo fracassado na tarefa de remodelar uma economia fossilizada na qual as elites mantêm suas casas de praia, carros luxuosos e guarda-roupas extravagantes, enquanto todos os outros estão às voltas com a estagnação. Eles denunciam o ainda aconchegante mundo bancário no qual os donos de informações privilegiadas desviam o dinheiro para empresas politicamente conectadas, enquanto os que desejam ser empresários lutam com dificuldades para garantir capital.

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Eles também se recusam a pagar impostos para financiar pensões confortáveis, na certeza de que esses fundos estarão esgotados quando eles tiverem uma idade avançada, dada a monumental dívida pública da Itália. O problema para a Itália - como para grande parte do mundo - é que as fortunas crescentes das empresas já não produzem muitos empregos.

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Enquanto jovens sonham com empregos, gigantes italianas investem em tecnologia. Em uma vasta unidade fabril fora de Bari, capital da Puglia, Francesco Divella, de 70 anos, preside o negócio de massas que traz o nome de sua família. Fundada por seu avô em 1895, a empresa se estende por seis fábricas e exporta um terço de suas mercadorias para 120 países. Desde a década de 80, a empresa quase quadruplicou sua produção, mas só dobrou o número de funcionários, atualmente 320. “Estamos voltados para a tecnologia”, diz Divella. “Podemos aumentar a produção sem adicionar pessoas.”

Menos de cinco anos depois de se formar na universidade, Emanuela Muolo, de 28 anos, renunciou a seus sonhos de carreira no campo que estudou, direito financeiro. Ela primeiro trabalhou em um ofício não remunerado num escritório local de advocacia, na esperança de ganhar experiência.

Recentemente, ela se instalou em uma posição de tempo integral em um centro de trabalho em Bari, ajudando as pessoas desempregadas com suas buscas por um salário. Ela ganha cerca de 1.100 euros por mês (cerca de US$ 1.360).

Emanuela e seu namorado estão juntos há cinco anos. Eles pensam em casamento e em começar uma família, mas ambos vivem com os pais. Seu namorado planeja votar no 5 Estrelas. Ela pretende ignorar as eleições. “Não parece ser real”, disse ela. “Em última análise, nós nos sentimos muito distantes de Roma”.

No bairro de Tamburi em Taranto, um grupo de apartamentos decadentes de blocos de concreto onde a roupa lavada seca pendurada nas varandas, os moradores se acostumaram a ver os jovens se afastarem.

“Não há mais empregos por aqui”, disse Ignazio D’Andria, proprietário de um café local. D’Andria não pretende votar. “Eu tentei a esquerda”, disse ele, “tentei a direita. Nossas vidas não mudaram.”

Parado ao lado do bar, Alessio Peretto faz uma careta ao ouvir isso. Ele trabalha na fábrica da Ilva, e prefere o 5 Estrelas, levando em conta o que o partido disse sobre a construção de uma nova economia centrada na energia verde. “Vamos dar a eles uma chance”, disse.

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Dois homens mais velhos se inclinaram na parede, levantando garrafas de cerveja depois de um dia passando cortando lajes de mármore em um cemitério próximo. “Foi no cemitério que encontramos trabalho”, disse Antonio Caniello, de 69 anos. “A morte é a única certeza”. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

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