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Laços de Elizabeth II com Escócia atrapalham esforço pela independência

Segundo analistas políticos, o respeito pela rainha e a devoção da monarca pela Escócia poderiam arrefecer temporariamente a discussão sobre a independência e talvez fortalecer uma união

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Por Stephen Castle

EDIMBURGO, Escócia — Com as ruas repletas de milhares de admiradores, a Escócia despediu-se sobriamente da rainha Elizabeth II no domingo, 11, quando a monarca empreendeu, em seu cortejo fúnebre, sua jornada final pelo país que ajudou a vincular ao Estado britânico ao longo das décadas que passou na função por meio de seu amor à natureza da região rural escocesa e de sua popularidade própria.

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A procissão fúnebre de seis horas foi o início de três dias de cerimônias de luto centradas na Escócia, que continuaram na segunda-feira com a passagem pela “Milha Real” de Edimburgo, iniciada no Palácio de Holyroodhouse, a residência real, e que se estendeu na Catedral de Santo Egídio, onde os cidadãos comuns tiveram a oportunidade de expressar seu respeito.

Essa despedida foi uma exibição simbólica dos laços que amarram a Inglaterra à sua vizinha ao norte. Mas também ocorre no momento de uma mobilização renovada pela independência da Escócia, complicando as coisas para os defensores do rompimento com o Reino Unido. Analistas políticos afirmaram que o respeito pela rainha e a devoção da monarca pela Escócia poderiam arrefecer temporariamente a acalorada discussão sobre a independência e talvez fortalecer uma união que tem enfrentado uma acentuada pressão há mais de uma década.

Uma foto disponibilizada pelo exército britânico mostrando postadores com o caixão da rainha Elizabeth II, no Palácio de Holyrood, em Edimburgo, Escócia  Foto: Exército britânico via EFE

“O fato de (a morte da rainha) ter acontecido aqui reforça a conexão com o Balmoral, e os preparativos para o funeral possuem um forte elemento escocês”, afirmou James Mitchell, professor de política pública da Universidade de Edimburgo, referindo-se ao castelo que a rainha adorava e lugar onde ela morreu.

“Estou certo de que isso não ajuda o PNE”, afirmou Mitchell a respeito do independentista Partido Nacional Escocês, liderado pela primeira-ministra Nicola Sturgeon.

Ainda assim, afirmou Mitchell, no longo prazo ainda não é claro como a morte da rainha afetará o movimento em prol da independência. “Depende de como estaremos daqui a alguns meses ou em um par de anos”, afirmou ele.

Esse ar de incerteza constitucional ficou evidente no domingo e refletiu-se na manchete do jornal The Herald. Sobre uma foto do rei Charles III, o texto indagava: “Salvador da União ou último rei da Escócia?”.

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Sturgeon pretende manter a monarquia mesmo se a Escócia decidir pela independência, e o rei Charles também possui laços próximos com o país; depois de seu casamento com Diana, a princesa de Gales, sua lua de mel foi no Balmoral.

Mas Charles enfrenta um desafio significativo em construir um relacionamento com o povo escocês similar ao que sua mãe constituiu ao longo de décadas e ascende ao trono em um momento de tensão sobre questões constitucionais.

Em 2014, a Escócia decidiu contra a independência em referendo, mas a votação no Reino Unido, dois anos depois, favorável ao Brexit mudou a equação para muitos escoceses, cuja maioria preferiu permanecer na União Europeia. Superados em número pelos eleitores da Inglaterra e do País de Gales, os escoceses tiveram seu desejo preterido, o que deu impulso ao movimento independentista.

Sturgeon pede que outro referendo sobre independência seja organizado no próximo ano. O governo britânico rejeitou a demanda, e o tema tem sido disputado na Justiça, apesar da maioria dos analistas afirmar que outra votação não deve ocorrer proximamente.

Na política, Escócia e Inglaterra têm se desvinculado gradualmente, com seus eleitores optando por políticos de partidos diferentes. Mas muitos escoceses consideram a monarquia tão escocesa quanto inglesa. E levam a sério sua história monárquica em comum.

Em 1603, após a morte de Elizabeth I, James VI, da Escócia, lhe sucedeu, tornando-se James I, da Inglaterra, essencialmente numa tomada escocesa da coroa inglesa. Uma união formal ocorreu mais de um século depois, em 1707.

Pessoas tiram fotos enquanto o cortejo com o carro funerário carregando o caixão da rainha Elizabeth II sai da Catedral de St Giles a caminho do Aeroporto de Edimburgo em Edimburgo, Escócia Foto: Bernat Armangue/AP

Quando a rainha Elizabeth II ascendeu ao trono, em 1952, houve queixas na Escócia a respeito dela ser proclamada Elizabeth II, porque Elizabeth I havia reinado sobre a Inglaterra, mas não sobre a Escócia.

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Ainda que a rainha Elizabeth II fosse escrupulosamente diplomática, coube pouca dúvida a respeito de seu desejo de que a Escócia permanecesse unida e, durante o referendo escocês de 2014 sobre a independência, ela pediu às pessoas que pensassem “muito cuidadosamente sobre o futuro” antes de votar.

Posteriormente, o então primeiro-ministro, David Cameron, desculpou-se por revelar que, quando telefonou para a rainha para informar-lhe o resultado da votação, ela “demonstrou discreta satisfação”.

Não obstante, as forças pró-independência não apenas elogiavam a monarquia, que pretendiam manter como parte de uma nação separada, nas também reivindicavam a rainha como sua.

“A relação entre a Escócia e a rainha era de admiração mútua”, afirmou Ian Blackford, líder dos parlamentares do PNE em Westminster, em uma cerimônia de homenagem na sexta-feira. “Certamente, ainda que ela fosse a rainha de todos, para muitos na Escócia ela era Elizabeth, a Rainha dos Escoceses.”

“As raízes de sua majestade na Escócia são profundas”, acrescentou ele. “De ambos os lados de sua família, ela descendia da casa real de Stewart e, é claro, sua mãe era de Glamis, em Angus.’’

No domingo, diante do Palácio de Holyroodhouse, Alana McCormick, de 35 anos, enfermeira de Midlothian, refletiu sobre o amor da rainha à Escócia, em particular sua paixão pelo Balmoral. Foi de lá que seu esquife foi carregado na manhã do domingo pelos guardas do castelo e colocado em um carro fúnebre, no início do cortejo.

“Pessoalmente, sinto que ela escolheu morrer aqui; ela sabia que sua hora estava chegando”, afirmou McCormick. “Ela amava a Escócia, e uma multidão veio reverenciá-la.”

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“Não voto pela independência da Escócia”, acrescentou ela, “e espero que isso coloque um ponto final nesse referendo em banho-maria”.

James Rivals, de 34 anos, que é de Edimburgo e carregava um buquê de lírios, afirmou que, apesar de ser favorável à independência da Escócia, quer que a monarquia seja mantida e vinha expressar seu respeito.

No longo prazo, o efeito da morte da rainha sobre a Escócia poderá depender menos das emoções em torno do funeral e mais do sucesso que o rei Charles alcançar em concretizar o apoio legado por sua mãe.

“No fim das contas, a monarquia poderá ser útil para o lado unionista se houver um referendo”, afirmou Mitchell, “mas isso dependerá da popularidade do monarca no momento de qualquer referendo”. “A rainha era muito popular”, acrescentou ele, “e pode ser que Charles não conte com a mesma popularidade que ela”./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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