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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Crise fabricada

Estamos prestes a descobrir o que Putin teme mais: sanções ou a perda de credibilidade

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A imprevisibilidade da situação na Ucrânia é consequência dos métodos de Vladimir Putin de dissimular suas intenções. Ele consegue enganar os observadores que dão à geopolítica um papel que ela não tem nessa crise e ignoram facetas fundamentais do jogo político e do manual seguido pelo presidente russo.

Baterias de sistemas anti-aéreosS-400 participam de treinamento militar de Rússia e Belarus na região de Brest, perto da Ucrânia Foto: Russian Defense Ministry Press Service via AP

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A suposta vulnerabilidade da Rússia perante a expansão para leste da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) é um produto da estratégia de permanência de poder de Putin. Nesses 22 anos no poder, Putin tem, desde o início, com a guerra na Chechênia, provocado tensões externas e internas para justificar sua perseguição implacável a todos aqueles que se interpõem no seu caminho, seja na política ou nos negócios.

No dia 25, o Serviço Federal de Monitoramento Financeiro, que como tudo com poder decisório na Rússia é controlado por Putin, enquadrou o líder oposicionista Alexei Navalni e seus oito colaboradores mais próximos como terroristas. A medida abre caminho para pesadas penas de prisão e o congelamento dos depósitos deles. 

Navalni, sobrevivente do envenenamento em 2020 com o agente nervoso Novichok, que só as Forças Armadas russas possuem, está preso desde que voltou à Rússia há um ano, depois de se tratar num hospital em Berlim. Desde 2013 ele expõe no YouTube, no qual tem 6,5 milhões de assinantes, os casos de corrupção que envolvem Putin.

É apenas um de muitos exemplos do uso das tensões externas para reprimir os opositores com a justificativa de que eles são agentes dos “inimigos”. Putin sancionou em abril uma lei que lhe permite se reeleger até 2036

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A Otan forneceu a aliados do Leste Europeu sistemas que interceptam mísseis depois que a Rússia mirou essas armas para esses países. Armas defensivas existem, embora isso pareça contraintuitivo. Os ucranianos estão treinando o uso de drones e mísseis portáteis projetados para destruir tanques.

Nunca houve um compromisso de a Otan não abrigar países do Leste Europeu. Em 1997, numa cúpula entre Bill Clinton e Boris Yeltsin, ficou acertado que os países eram soberanos para aderir à aliança que quisessem. A própria Rússia já era parceira da Otan desde 1994. O que mudou não foi a Otan ou as necessidades de segurança da Rússia. Yeltsin era um democrata; Putin, não.

A Rússia não está sob ameaça. A crise foi fabricada por Putin, a partir do que ele considera necessário para se manter no poder. Estamos prestes a descobrir o que ele teme mais: uma guerra seguida de sanções econômicas ou a perda de credibilidade causada por um blefe. 

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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