Macron ganha um respiro para si mesmo e para a democracia liberal; leia análise

Presidente francês pintou uma imagem feliz de uma França unida, mesmo quando a própria eleição mostrou uma nação profundamente dividida

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Por E. J. Dionne Jr.
5 min de leitura

THE WASHINGTON POST - O presidente francês, Emmanuel Macron, as forças da democracia liberal e a aliança pela Ucrânia ganharam um respiro no primeiro turno das eleições presidenciais da França no domingo.

Apesar das preocupações dos apoiadores de Macron de que ele poderia não chegar ao primeiro lugar, ele obteve 27,4% dos votos, bem à frente da candidata de extrema direita Marine Le Pen, que garantiu 24% em sua terceira eleição presidencial. A exibição de Macron aumentou a probabilidade de que ele vá prevalecer quando os dois se enfrentarem no segundo turno, em 24 de abril.

Em um sinal do descontentamento que as políticas pró-empresas de Macron desencadearam em partes significativas do eleitorado francês, o candidato de extrema esquerda, Jean-Luc Mélenchon, chegou perto de Le Pen com 21,6%.

A força de Mélenchon coloca Macron em uma posição de ter que implorar aos eleitores de esquerda, que não gostam muito do presidente, para apoiá-lo, em vez de se abster no segundo turno ou votar em protesto em Le Pen. Mélenchon deu alguma ajuda a Macron em seu discurso, dizendo: “Vocês não devem votar em Madame Le Pen”.

O candidato de esquerda Jean-Luc Melenchon (C) pediu que seus eleitores não votem em Le Pen  

O resultado de domingo foi um alívio para Macron, um eloquente defensor dos valores democráticos liberais. Crítico feroz do nacionalismo estreito e autoritário, ele se desviou para a direita na questão da imigração diante do desafio apresentado pelos extremistas.

A maioria dos líderes ocidentais – centro-esquerda e centro-direita – torcerá muito por Macron por medo de que Le Pen, cujo partido foi apoiado financeiramente por bancos russos, ameace a União Europeia e o apoio ocidental unificado à Ucrânia.

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Macron certamente usará os laços de Le Pen com o líder russo, Vladimir Putin, contra ela. Depois que a Rússia invadiu a Ucrânia, sua campanha teve de descartar mais de 1 milhão de folhetos contendo uma foto dela sorrindo ao lado de Putin.

O presidente francês combinou cortes de impostos e políticas pró-negócios com novos programas educacionais substanciais, incluindo pré-escola universal a partir dos 3 anos e esforços agressivos de treinamento profissional. Macron não foi um fiscalista. Durante a pandemia, ele gastou livremente com uma atitude de “o que for preciso” para proteger os empregos.

Mas, por mais que Macron tenha falado do imperativo de melhorar a economia de regiões economicamente marginalizadas da França, ele nunca alterou a imagem que criou desde o início, de ser um “presidente dos ricos”, e não conseguia entender o país fora de Paris. Seu comportamento distante de banqueiro de investimentos não ajuda. Coube a Le Pen roubar a retórica da esquerda e se apresentar como a candidata dos economicamente inseguros.

Nação profundamente dividida

Havia um aspecto irônico no slogan eleitoral de Macron, “Nous tous”, que significa “todos nós”. Pintou uma imagem feliz de uma França unida, mesmo quando a própria eleição mostrou uma nação profundamente dividida.

O paradoxo do projeto de Macron de promover uma política “além da esquerda e da direita” é que, em um sentido institucional, ele ajudou a enfraquecer o centro mais amplo.

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Em nível nacional, os socialistas de centro-esquerda e os republicanos de centro-direita estão quase mortos. No domingo, a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, candidata do outrora poderoso Partido Socialista, tinha apenas 2% dos votos. Valérie Pécresse, porta-estandarte dos republicanos, o partido de centro-direita que pode traçar sua linhagem até o general Charles de Gaulle, ficou com apenas 5%.

A durabilidade de Le Pen é um tributo à sua habilidade em refazer sua imagem sem mudar seu programa radical de direita. No que pode ser um aviso para os democratas nos Estados Unidos e em outras partes do mundo, ela minimizou seus problemas de imigração e medo dos muçulmanos e se concentrou no custo de vida. Macron reconheceu o poder da questão em seu discurso de vitória, dizendo que apenas sua abordagem reduziria os preços.

O candidato de extrema direita Eric Zemmour agradece a seus apoiadores após eleição na França  Foto: EFE / EFE

Ela também se beneficiou da presença de Éric Zemmour, o apresentador de talk show e jornalista, que foi ainda mais extremo em sua retórica anti-muçulmana e anti-imigrante do que Le Pen.

Mas ela usou Zemmour para ajudar a se refazer como uma candidata “presidencial” mais moderada. Ambos abraçaram Putin, mas Le Pen recuou um pouco sua posição pró-Rússia, pedindo à França que aceitasse refugiados ucranianos enquanto Zemmour defendia rejeitá-los.

Ao permitir que Macron se apresentasse como um estadista global, o conflito na Ucrânia foi inicialmente uma bênção para o presidente. Mas Macron o usou para ficar fora da campanha, o que ofendeu muitos eleitores e alimentou sua imagem de distanciamento, e seus números nas pesquisas caíram.

Seu revés temporário, no entanto, pode no final ter empurrado os eleitores moderados em seu caminho, à medida que o perigo de uma presidência de Le Pen crescia. A má exibição de Pécresse, Hidalgo e do candidato ambientalista Yannick Jadot parecia refletir esse movimento para Macron. Ele agradeceu aos candidatos derrotados que se manifestaram contra Le Pen por “sua sensatez sobre a extrema direita”.

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A boa notícia de domingo é que o total para os dois candidatos de extrema direita foi menor do que parecia provável há apenas alguns meses. Mas o fardo sobre Macron é enorme. Ele deve se defender de uma extrema direita que ameaça não apenas sua própria nação, mas os democratas liberais em todos os lugares – e, talvez mais imediatamente, o povo da Ucrânia.


*E. J. Dionne é professor da Universidade de Georgetown, membro da Brookings Institution e autor do livro “Code Red: How Progressives and Moderates Can Unite to Save Our Country”