Milei captura raiva de argentinos nas urnas e ‘casta política’ é a grande perdedora, diz analista

Segundo o sociólogo Carlos De Angelis, argentinos, principalmente os jovens, se mobilizaram para demonstrar sua raiva contra as respostas econômicas e de segurança dos políticos tradicionais

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Por Carolina Marins
Atualização:

O candidato libertário Javier Milei foi o grande vencedor das primárias eleitorais da Argentina deste último domingo, 13, ao capturar a raiva dos argentinos com o que ele chama de “casta política”. Embora as pesquisas de intenção de votos mostrassem o libertário crescendo, nenhuma conseguiu capturar o voto de protesto que os argentinos exerceram, principalmente os mais jovens, avalia Carlos De Angelis, professor de sociologia da opinião pública da Faculdade de Buenos Aires.

Com 97,42% das urnas apuradas, Javier Milei recebeu 30,04% dos votos, muito acima do teto de menos de 20% que muitas pesquisas previam. O presidente da coalizão A Liberdade Avança ficou a frente da aliança de centro-direita Juntos pela Mudança (28,27%), que definiu Patricia Bullrich como sua candidata, e da coalizão de esquerda União Pela Pátria (27,27%), encabeçada por Sergio Massa.

“Todo esse cenário de instabilidade econômica deixou o argentino muito cansado da política e que acha que a classe política não tem mais nada a oferecer”, afirma o professor. “Eles não acreditam no peronismo, mas também não acreditam na oposição do Juntos pela Mudança. E o que Milei conseguiu foi capturar votos de vários grupos distintos, seja pobre, seja uma classe mais alta, províncias maiores e em províncias menores. Houve uma quebra da estrutura política dividida entre peronismo e oposição”.

O candidato presidencial de extrema direita da Argentina, Javier Milei, fala durante evento após os primeiros resultados das PASO Foto: Natacha Pisarenko/AP

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“Existe um cansaço, um desencanto e uma raiva, de tudo junto e em todas as pessoas. Têm pessoas que vivem dificuldades financeiras na Argentina hoje e que estão muito revoltadas, mas também têm pessoas que não estão com tantas dificuldades financeiras e que ainda assim estão revoltadas, mesmo que seja por outros motivos”, completa.

As PASO (Primárias, Abertas, Simultâneas e Obrigatórias) não servem para definir cargos, mas sim candidatos. Elas servem para organizar as coalizões que eventualmente tenham disputas internas, como foi o caso do Juntos pela Mudança, mas também é um termômetro para a corrida presidencial de 22 de outubro. Um segundo turno pode ocorrer em 19 de novembro.

E o que o termômetro mostrou, aponta De Angelis, é que o argentino está com muito mais raiva do que se previa anteriormente. “O voto jovem é o que podemos marcar como o mais sólido. São pessoas que disseram: ‘que diferença faz?’, ‘O que importa depois?’. Para essas pessoas não importa como Milei vai governar, como vai dolarizar a economia, não importa, estão cansados do que está aí”.

Essa derrota da “casta política” - termo que Milei utiliza para se referir aos nomes tradicionais da política argentina - se refletiu na derrota avassaladora do pré-candidato de direita Horacio Rodríguez Larreta, atual prefeito de Buenos Aires e que representava as vozes mais moderadas da direita argentina. A derrota histórica do peronismo também é reflexo desta raiva aos políticos, ainda que o sociólogo reconheça que Massa conseguiu evitar resultados ainda piores para o peronismo.

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Com um empate técnico triplo entre as três principais coalizões, o cenário continua em aberto para outubro, ressalta, principalmente considerando que houve uma abstenção de 31% nessas primárias, um recorde desde a redemocratização do país. Para quem esse eleitor ausente deve se voltar nas eleições gerais - historicamente com maior participação eleitoral que as PASO - ainda é um mistério.

“Quem foi votar foram os jovens entre 16 e 25 anos, que são muitos. Além disso, o voto opcional entre os 16 e 18, bem como para os acima de 70 anos, e nesse eleitorado há 3 milhões de pessoas que ainda podem ir a votar nas gerais. Como isso pode impactar? Não sabemos. Pode ser que caiam os votos de Milei, mas também pode ser que seja ainda melhor que nas PASO”.

A vitória de Milei deixa claro dois cenários: que o voto econômico exerceu um grande poder no eleitor e que o argentino cada vez mais apela para a linha-dura na segurança.

O argentino demonstrou que está cansado de ver o seu poder de compra sendo consumido por uma inflação interanual de 116% e com uma moeda perto de bater os US$ 700 de desvalorização. O libertário, que é economista de formação, não apresenta planos concretos para a economia, mas abraça ela em seus discursos e apela para ideais radicais: dolarizar tudo e acabar com o Banco Central.

A candidata presidencial da coalizão Juntos Pela Mudança, Patricia Bullrich, ao lado de Mauricio Macri (esquerda) e Horacio Larreta (direita) Foto: Daniel Jayo/AP

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Já na segurança, Milei e Bullrich disputam a tapas um eleitorado que quer ver penas cada vez mais duras e respostas enérgicas a episódios de violência. Quatro dias antes das primárias, a morte de uma menina de 11 anos paralisou as campanhas eleitorais e provocou protestos na cidade de Lanús, na província de Buenos Aires. A jovem ia para a escola antes das 8h da manhã quando foi assaltada por dois motociclistas, que a arrastaram pela mochila e lhe deram um golpe na cabeça. A menina chegou a ser socorrida, mas morreu no hospital.

O episódio parece ter sido um estopim para os argentinos que cada vez mais pedem por mais segurança, e explica em partes a vitória de Bullrich sobre Larreta. Agora, Bullrich terá o desafio de capturar este mesmo eleitorado que também se apega a Milei.

“Esse episódio foi um golpe muito forte para todo mundo porque se uma menina de origem humilde não pode ir para a escola porque lá ela é morta na porta ,você perde a perspectiva de futuro. Isso me parece que foi um elemento dessas eleições e que não vai e que vai continuar, porque é algo muito sério”.

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