Morte de soldados russos ameaça apoio doméstico a Putin na guerra na Ucrânia

Analistas militares dizem estar surpresos com abandono de corpos no campo de batalha: 'Em algum momento as mães vão questionar ‘Onde está Yuri? Onde está Maksim?''

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Por Helene Cooper e Eric Schmitt
Atualização:

WASHINGTON — Quando a Rússia anexou a Crimeia, em 2014, o presidente Vladimir Putin estava tão preocupado com os números de baixas russas que as autoridades abordavam jornalistas que tentavam cobrir funerais de alguns dos 400 soldados mortos durante a campanha de um mês. 

Nesta quarta-feira, o Ministério da Defesa da Rússia informou que 498 soldados russos morreram e 1.597 ficaram feridos na Ucrânia desde o início da operação militar de Moscou no país, em 24 de fevereiro. O alto volume de baixas, em apenas uma semana, pode expor uma potencial fraqueza de Putin.

Um homem armado fica ao lado dos restos de um veículo militar russo em Bucha, perto da capital Kiev, Ucrânia, terça-feira, 1 de março de 2022. Foto: AP/Serhii Nuzhnenko

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Autoridades americanas esperavam que a cidade de Kharkiv, no Nordeste do país, caísse em um dia, mas as tropas ucranianas reagiram e recuperaram o controle, apesar dos furiosos disparos de foguetes. 

Os corpos de soldados russos foram deixados em áreas ao redor de Kharkiv. Vídeos e fotos nas redes sociais mostram restos carbonizados de tanques e veículos blindados, com suas tripulações mortas ou feridas.

O porta-voz do Ministério da Defesa russo, major-general Igor Konashenkov, reconheceu no domingo, pela primeira vez, que “há soldados russos mortos e feridos”, mas sem apresentar números naquele momento.

Ele insistiu que as perdas militares ucranianas seriam bem maiores. Mas, apesar de o serviço de emergência da Ucrânia ter divulgado nesta quarta o número de mortos entre os civis — que somariam já mais de dois mil —, o país não divulga suas baixas militares. Ao mesmo tempo, sempre aponta muitas perdas do lado russo. Nesta quarta, afirmou que suas forças mataram mais de sete mil soldados russos.

Altos funcionários do Pentágono haviam dito a parlamentares em coletivas fechadas, na segunda-feira, que as mortes de militares russos e ucranianos pareciam equivaler em números, em cerca de 1.500 de cada lado nos primeiros cinco dias do conflito, disseram autoridades do Congresso. Mas alertaram que os números — baseados em imagens de satélite, interceptações de comunicação, mídia social e relatórios da mídia local — eram estimativas.

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Para efeito de comparação, quase 2.500 soldados dos EUA foram mortos no Afeganistão ao longo de 20 anos de guerra.

Para Putin, o número crescente de mortos pode prejudicar qualquer apoio doméstico restante para seus empreendimentos ucranianos.

Um homem olha para o corpo de um soldado russo deitado ao lado de um veículo militar em uma estrada na cidade de Bucha, perto de Kiev, na Ucrânia, terça-feira, 2022. Foto: AP/Serhii Nuzhnenko

As memórias russas são longas – e as mães de soldados, em particular, dizem as autoridades americanas, poderiam facilmente relembrar os 15 mil soldados mortos quando a União Soviética invadiu e ocupou o Afeganistão (1979-1989) ou os milhares de mortos na Chechênia (1994-1996).

A Rússia instalou hospitais de campanha perto da linha de frente, dizem analistas militares, que também monitoraram ambulâncias indo e vindo de unidades russas para hospitais na vizinha Bielorrússia, aliada de Moscou.

“Dados os muitos relatos de milhares de russos mortos em ação, está claro que algo dramático está acontecendo”, disse o almirante James G. Stavridis, que era o comandante aliado supremo da Otan antes de sua aposentadoria. “Se as perdas russas forem tão significativas, Putin terá dificuldade em explicá-las internamente.”

O deputado democrata Adam Schiff, da Califórnia, presidente do Comitê de Inteligência da Câmara, acrescentou. “Haverá muitos russos voltando para casa em sacos de cadáveres e muitas famílias russas de luto quanto mais tempo isso continuar.”

Desinformação

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Em particular, funcionários do Pentágono e analistas militares disseram ser surpreendente que soldados russos tenham deixado para trás os corpos de seus camaradas.

“Foi chocante ver que estão deixando seus irmãos caídos para trás no campo de batalha”, disse Evelyn Farkas, a principal autoridade do Pentágono para a Rússia e a Ucrânia durante o governo Obama. “Uma hora as mães vão questionar ‘Onde está Yuri? Onde está Maksim?'”

O governo ucraniano já começou a responder a essa pergunta. No domingo, as autoridades lançaram um site que, segundo eles, foi feito para ajudar as famílias russas a rastrear informações sobre soldados que podem ter sido mortos ou capturados. 

O site, que afirma ter sido criado pelo Ministério de Assuntos Internos da Ucrânia, diz que está fornecendo vídeos de soldados russos capturados, alguns deles feridos. As fotos e vídeos mudam ao longo do dia.

“Se seus parentes ou amigos estão na Ucrânia e participam da guerra contra nosso povo — aqui você pode obter informações sobre seu destino”, diz o site.

O nome do site, www.200rf.com, é uma referência sombria a Cargo 200, uma palavra de código militar que foi usada pela União Soviética para se referir aos corpos de soldados colocados em caixões revestidos de zinco para serem transportados para longe do campo de batalha. No fim das contas, é um eufemismo para as tropas mortas na guerra.

O site faz parte de uma campanha lançada pela Ucrânia e pelo Ocidente para combater o que as autoridades americanas caracterizam como desinformação russa, que inclui a insistência da Rússia, antes da invasão, de que as tropas que cercavam a Ucrânia estavam ali simplesmente para exercícios militares. 

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A informação e a disputa pela opinião pública em todo o mundo passaram a desempenhar um papel descomunal em uma guerra que passou a parecer uma disputa de Davi contra Golias.

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