Em meio a uma onda de protestos por todo o país, o Ministério Público do Paraguai afirmou ter identificado contradições entre os depoimentos do presidente Mario Abdo Benítez e do vice, Hugo Velázquez, e as informações prestadas pelo ex-presidente da Administração Nacional de Energia (Ande, a estatal energética paraguaia) Pedro Ferreira sobre o acordo de revisão do uso da energia de Itaipu.
Velázquez prestou depoimento nesta segunda-feira por mais de seis horas aos procuradores que integram a força-tarefa criada para investigar supostos prejuízos ao interesse público paraguaio causados pelo acordo, considerado “entreguista”.
Segundo os procuradores, Velázquez repetiu a versão dada no domingo pelo próprio presidente ao MP sobre uma reunião da qual teriam participado os dois além de Ferreira e do ministro da Fazenda, Benigno López, na qual se tratou informalmente, segundo ele, sobre a venda da energia de Itaipu.
Os procuradores não deram detalhes sobre as contradições. A investigação corre em sigilo. Segundo eles, Velázquez negou que o advogado José “Joselo” Rodríguez seja assessor jurídico da vice-presidência, mas disse que encaminhou o advogado para falar com Ferreira.
O vice-presidente disse que Joselo era um militante de seu partido (Colorado) e se apresentou como advogado da empresa brasileira Léros, ligada ao empresário e político Alexandre Giordano (PSL), suplente do senador Major Olímpio (PSL-SP). A Léros é uma das interessadas em comercializar a energia paraguaia no Brasil.
Nas mensagens entregues por Ferreira ao MP, Joselo vinculava a empresa ao “governo brasileiro” e representava a “família presidencial”. De acordo com o vice-presidente, pelo menos outras duas empresas, uma da Argentina e outra da Coreia do Sul, manifestaram interesse em comercializar a energia paraguaia.
Segundo pessoas próximas ao MP paraguaio, as investigações devem demorar pelo menos mais um mês. Também ontem o Partido Colorado, governista, nomeou seus representantes para a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada pelo Congresso para apurar a acusação de traição à pátria feita contra Benítez, que pode resultar em impeachment.
Para a oposição e setores do Partido Colorado, a ata do acordo fechado com o Brasil em 24 de maio é “entreguista”, pois admite que o Paraguai seja obrigado a contratar mais energia garantida (que custa US$ 44 o mw/h) e menos energia excedente (US$ 6 o mw/h) de Itaipu. Segundo cálculos de especialistas, isso poderia gerar aumento de até 25% na tarifa de energia elétrica ou déficit de US$ 140 milhões ao ano para o Paraguai, cujo PIB é de US$ 16 bilhões.
Depois que o caso veio à tona no dia 1o de agosto, com a renúncia de Ferreira da presidência da Ande, o governo do Paraguai cancelou unilateralmente o acordo, com apoio do governo Jair Bolsonaro e dos EUA, ambos aliados de Benítez.
A oposição chegou a protocolar um pedido de impeachment do presidente que foi derrubado após o cancelamento do acordo. No entanto, a revelação pela imprensa local das trocas de mensagens entre autoridades paraguaias, entre elas algumas do próprio presidente defendendo o acordo, reacendeu a crise política no país vizinho.
Protestos.
Integrantes de partidos e movimentos de oposição fizeram bloqueios e marchas nesta segunda-feira em ao menos 20 pontos de rodovias em todo o país. Em Três Bocas, na região sul de Assunção, houve um início de confusão entre manifestantes e policiais, que usaram da violência.
Na cidade de Villa Elisa, região periférica de Assunção, balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo foram atiradas pela polícia, levando sete manifestantes ao hospital. A residência do presidente Abdo Benítez também foi palco de protesto. O objetivo da oposição é criar um clima favorável para uma greve geral. Simultaneamente, dezenas de funcionários públicos fizeram uma manifestação em favor do presidente no centro da cidade.