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'Não senti medo de me contaminar': brasileiras contam como é passar a pandemia na Nova Zelândia

A ilha na Oceania, que é lar de muitos brasileiros, se destaca por ser uma das nações que melhor soube lidar com a crise sanitária gerada pela covid-19

Por Fernanda Bastos
Atualização:

Comunicação, planejamento e transparência. Essa é a tríade de elementos que fez a diferença no combate à pandemia da covid-19 na Nova Zelândia para Lídia Elias, brasileira, de 36 anos que mora há quase 11 no país. “O governo tomou medidas restritivas rígidas desde o início, a informação foi transmitida diariamente de forma simples e com embasamento científico.”

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Mãe de dois filhos, um de 7 anos e outro de 5, a analista de negócios, que vive em Auckland, maior cidade do país, na região norte da ilha, afirma que uma de suas maiores preocupações foi o ensino e bem-estar dos meninos.

A primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, anunciou neste domingo, 15, uma quarentena de três dias em Auckland, depois que três casos de covid-19 surgiram, as primeiras infecções locais desde o final de janeiro. O alerta para o resto do país foi elevado para o nível 2, com todos os encontros limitados a 100 pessoas, incluindo em restaurantes e cafés.

Lídia e a família. Gustavo, filho mais velho, Adriano (marido) e Thomas, filho mais novo. Lídia relembra o lockdown com a família: 'não tinha divisão entre trabalho e casa, tudo era trabalho, muito mais do que as 8h diárias'. Foto: Arquivo pessoal

As restrições foram aumentadas para o nível 3 até quarta-feira, exigindo que todos fiquem em casa, exceto para compras e trabalhos essenciais, disse Ardern. Locais públicos serão fechados e reuniões fora de casa serão proibidas, exceto casamentos e funerais de até 10 pessoas. As escolas permanecerão abertas para os filhos de trabalhadores essenciais, mas outros foram solicitados a ficar em casa.

“No início queria fazer tudo, cozinhar, entreter as crianças. Com o tempo a gente desencanou, eles ficaram muito o ipad, na televisão, não fizeram todos os deveres de casa. Mas a escola e a professora foram super compreensivas, primeiro lugar é a sanidade das crianças”, diz Lídia.

Sob a liderança da primeira-ministra Jacinda Ardern, a Nova Zelândia implantou uma campanha abrangente para a eliminação do coronavírus: fronteiras bloqueadas desde março de 2020, ampla testagem, rastreamento de contato (aplicativo de QR code e bluetooth) e um sistema de alerta dividido em quatro níveis que deixou explicado o que era esperado de todos. O quarto nível é o lockdown mais restritivo e o primeiro é adotado quando a doença está controlada e é no qual o país se encontra agora.

A Nova Zelândia foi classificada como a nação de melhor desempenho em um índice de quase 100 países com base na contenção do coronavírus e passou mais de dois meses sem infecções locais antes do caso de janeiro. O país deve começar a inocular seus 5 milhões de habitantes contra o novo coronavírus em 20 de fevereiro, recebendo a vacina Pfizer-BioNTech antes do previsto.

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Hoje, as crianças já voltaram para a escola e Lídia e o marido para o trabalho. Em Auckland, a maior cidade do país, o uso de máscara só é obrigatório em transportes públicos e voos domésticos e não há restrições em relação ao distanciamento social.

O mesmo acontece na região sul da ilha. Na cidade de Queenstown, a estudante e garçonete Beatriz Grigoletto, de 24 anos, conta que shows, festas e festivais acontecem normalmente. “A cidade é 100% dependente do turismo, tanto no verão como no inverno, sempre tem muitos jovens. Festas, festivais e shows estão acontecendo sem nenhuma restrição de distanciamento ou obrigação de uso de máscara, tudo completamente normal. É surreal, mas normal”.

Em março, Beatriz, que entrou no país com o visto de estudante para estudar inglês, precisou renová-lo. Conseguiu um emprego e a promessa que o empregador iria aplicar o pedido de visto de trabalho. Mas com a pandemia, foi mais uma entre os vários demitidos e ficou sem visto, apenas com um provisório chamado interim. Esse tipo de visto não permite trabalho e a jovem precisou recorrer ao governo. Durante meses, Beatriz recebeu o auxílio, com o qual conseguiu pagar a acomodação, todas as contas e recebeu vouchers de supermercado.

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Segundo o Ministério dos Negócios, Inovação e Emprego da Nova Zelândia, de 1º de julho a 30 de novembro de 2020, Te Tari Taiwhenua, Departamento de Assuntos Internos e Cruz Vermelha da Nova Zelândia apoiaram portadores de visto temporário que enfrentavam dificuldades por causa do covid-19 via Visitor Care Manaaki Manuhiri.

O apoio de amigos também foi essencial para Beatriz. A jovem decidiu, durante o nível 3, morar na casa de uma amiga com mais 7 brasileiros e uma criança. “Todos nos divertimos ali na nossa bolha, fazendo festas a fantasia, cozinhando juntos, dançando em noites do pijama. Acabei não saindo de casa e aproveitando muito com os amigos, foi muito mais leve”.

Beatriz (ao centro) com os amigos em casa se divertindo durante as semanas de isolamento social mais rígido. Foto: Arquivo pessoal

Beatriz, que se mudou em julho de 2019 para a Nova Zelândia, afirma que nas primeiras semanas de lockdown, em março de 2020, o que a acalmou foram os pronunciamentos da primeira-ministra. “Eu lembro que quando ela ia falar, todos se reuniam na sala, tipo Copa do Mundo, sabe? O governo sempre estava atualizando a gente, com dados, muita informação e isso dava muita paz”, diz.

Por meio de resumos diários com o diretor geral de saúde da Nova Zelândia, Dr. Ashley Bloomfield e lives no Facebook respondendo perguntas de internautas, a líder do governo da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, trouxe como lema principal da campanha de combate ao coronavírus a ideia de “somos um time de 5 milhões”.

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Esse posicionamento, para Eliza Almeida, de 25 anos, bióloga e chefe de cozinha, foi o diferencial. “É sobre a confiabilidade em quem está governando, quem está no poder. O que é uma primeira-ministra? É a pessoa que uma nação elege para poder confiar e ela tem que demonstrar que é digna de confiança”.

A jovem que mora há 2 anos no país, descobriu a gravidez no final de abril de 2020 e conta que não sentiu apreensão. “Em momento nenhum senti o medo de contrair o vírus durante a gravidez aqui, realizei meu pré-natal com todos os cuidados, estava sempre sozinha na clínica, ia no horário exato da minha consulta e se preciso fosse, esperava no carro a minha vez.”

Eliza e o marido durante o chá de bebê, na quarentena nível 2, quando era possível reunir no máximo 100 pessoas. Foto: Arquivo pessoal

O mais complicado durante a gravidez, para Eliza, foi o emocional. “Enquanto mulher que tem uma relação boa com a mãe, a gente nunca pensa em passar esse momento longe dela.Também fique nervosa por conta da pandemia no Brasil, meus pais são mais velhos, minha mãe tem 65 anos e meu pai tem mais de 70”, diz.

Eliza conseguiu atendimento gratuito por ser mãe do filho de um residente do país. No entanto, segundo o Ministério dos Negócios, Inovação e Emprego, em relação a covid-19, os testes são gratuitos na Nova Zelândia. Isso se aplica para pessoas com sintomas da doença ou não e independentemente de cidadania, status de imigração, nacionalidade ou nível de cobertura de seguro médico. As pessoas não são cobradas por seus cuidados se o teste for positivo.

O medo de não se contaminar também é compartilhado por Mirian Eger, de 26 anos, profissional de zootecnia, que hoje é auxiliar na fazenda produtora de leite na região rural da cidade de Ashburton. A Nova Zelândia, que tem uma população de 4,886 milhões de pessoas, teve um total de 2.324 casos e 25 mortes.

“Eu não tive medo da doença chegar em mim, por conta de como o governo está lidando, eles passam muita segurança para gente, não teve pânico aqui. O meu medo maior foi a minha família no Brasil, minha mãe não pode parar de trabalhar, pois trabalha em uma fábrica de peixe. Meu avô de 98 anos pegou covid-19 e perdi uma amiga em maio que tinha 27 anos”, diz Mirian, que caracterizou o sentimento de impotência como o mais recorrente durante os últimos meses.

A jovem que se mudou há 1 ano e 8 meses para a Nova Zelândia e atuou como trabalhadora essencial durante a pandemia, não pode parar, não veio visitar a família no Brasil, porque a ilha da Oceania está com as fronteiras fechadas e só permite a entrada de residentes no país.

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Gerente em uma loja de shopping, T., de 37 anos, que preferiu não se identificar, diz que o fechamento das fronteiras na Nova Zelândia pode ter sido usado como estratégia política para garantir votos na eleição de outubro do ano passado. “Muitas pessoas não puderam voltar para cá, porque não tinham visto de residência. Elas tinham emprego, casa e não conseguiram voltar para buscar nada. Nas eleições de outubro, uma das medidas que a primeira-ministra prometeu era a permissão do retorno das pessoas que estavam fora do país, mas ela já estava no governo e poderia ter feito isso antes”, diz T.

Segundo a brasileira, algumas medidas adotadas pelo governo da Nova Zelândia são muito rígidas e ela enxerga como uma falsa realidade de normalidade. “O lado positivo é que estamos em uma bolha, temos a impressão que está tudo normal, pessoas caminham na rua sem máscara, vida normal, crianças vão para a aula, estamos livres, mas o que é mais profundo é que estamos presos aqui dentro”, relata.

Para residentes, como T., o retorno para a Nova Zelândia exige quarentena em um hotel durante 14 dias. Todos os custos são dos cidadãos e podem chegar a 5 mil dólares. Ela é mãe de duas crianças e não vê a possibilidade de sair do país. 

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