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Novos filmes impulsionam o combalido cinema do Irã

Em meio à crise econômica causada pelas sanções internacionais, duas produções batem recorde de bilheteria e provocam intenso debate sobre o setor cinematográfico

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Por É CORRESPONDENTE EM TEERÃ

A aclamada indústria cinematográfica do Irã foi o mais recente setor a sofrer os efeitos das sanções econômicas impostas em razão do programa de enriquecimento de urânio do país. No entanto, quando os cineastas alertaram que poderiam interromper a produção de filmes em razão da escassez de recursos, dois novas produções controvertidas, lançadas recentemente, deram nova vida ao setor.No fim de um ano em que os preços dos ingressos foram aumentados, o que provocou uma queda de 40% do público cinéfilo, os filmes Facing Mirrors ("Olhando Espelhos") e I am a Mother ("Sou uma Mãe") levaram a um pico de vendas de ingressos. E os protagonistas provocadores de ambos os filmes - uma transexual, no primeiro, e um novo rico alcoólatra que adota comportamentos tabus, no segundo - provocaram um grande debate sobre o cinema no país.I am a Mother causou um tumulto particular e protestos por parte de grupos religiosos conservadores, além de uma tentativa de proibição pela Academia de Artes do Irã, uma divisão da Organização de Desenvolvimento Islâmico, proprietária de mais de um terço dos cinemas no Irã. No entanto, o que para alguns observadores é demonstração de um afrouxamento das restrições culturais em resposta à frustração da população com a escassez de entretenimento, o Ministério da Cultura da Orientação Islâmica autorizou a produção das películas e o seu lançamento.Em meio ao debate, Mohamed Hosseini, ministro da Cultura e Orientação Islâmica, explicou a decisão de modo diferente, afirmando que "para mostrar como alguns estilos de vida levam a um beco sem saída, o cineasta precisa retratar o seu comportamento e os relacionamento inadequados". "A sociedade deve mostrar um pouco de tolerância", disse.Seja qual for a razão da aprovação oficial dos filmes, as duas novas películas deram um novo estímulo a uma indústria em dificuldades. Em fevereiro, os iranianos celebraram o primeiro Oscar de melhor filme estrangeiro, concedido à produção Separação, recebido pelo cineasta iraniano Farhad Asghari.A associação de proprietários de cinema, contudo, alertou, em novembro, que a afluência do público cada vez menor poderia obrigá-los a fechar suas salas sem uma ajuda do governo. Os preços dos ingressos mais do que dobraram, para cerca U$S 1,75, desde 2009, e os custos de produção aumentaram em meio a uma economia cambaleante.Ainda assim, no mês passado, o filme I am a Mother bateu o recorde de venda de ingressos, que até então estava em poder de Separação. Atualmente, ele está em primeiro lugar em bilheteria no Irã. Facing Mirrors ocupa o quarto, embora esteja sendo exibido em três cinemas no país."Esses filmes estão com uma enorme audiência, mostrando mais uma vez que nossos cidadãos têm sua própria lógica", afirmaram os produtores e diretores de I am a Mother e de outros cinco filmes, em uma carta desafiadora, na semana passada, publicada por diversos jornais, reagindo à tentativa de proibição por parte da academia de artes. "A tremenda venda de ingressos para esses filmes é uma resposta vigorosa a suas acusações sem base de que tais películas são imorais e 'contrárias aos valores'. Agora, esses filmes deram um novo alento aos cinemas iranianos."I am a Mother relata a história de uma jovem que mata um amigo da família depois de ser estuprada por ele. A família do homem exige a execução dela com base na lei islâmica, que permite aos herdeiros de uma pessoa assassinada decidirem a sorte de um assassino condenado. No entanto, o debate sobre o filme centrou-se no estilo de vida relativamente liberal dos personagens. As mulheres, por exemplo, não usam véus.Facing Mirrors acompanha a vida de uma transexual que pega um táxi conduzido por uma mulher que tenta ganhar algum dinheiro para pagar a libertação do marido preso em razão de dívidas. Adineh, a transexual, fugira de casa porque o pai havia arranjado um casamento para ela, acreditando que a união solucionaria a "maldição" da família.O sucesso dos filmes e os temas enfocados, como também os personagens, animaram alguns amantes de cinema. "Quase chorei", disse Mahsa, uma transexual de 24 anos, depois de assistir Facing Mirrors. "Ele pode ajudar os pais a compreender que existem outros filhos que têm esses problemas além do seu. Espero que meus pais assistam ao filme também."Mohamed Reza, apreciador de cinema que trabalha numa construtora em Teerã, disse que os novos filmes sinalizaram uma tendência de maior liberdade por parte das autoridades morais do Irã."O cinema iraniano está ficando menos restrito em termos de histórias e temas", disse Reza, de 28 anos. "Não só porque algumas autoridades desejam reduzir as restrições, mas também porque os diretores, roteiristas e o público estão exigindo isso, e as autoridades não podem mais se aferrar a suas regras básicas mais rigorosas."No entanto, apesar de um pouco mais de liberdade, os cineastas no Irã ainda se mantêm discretos e as tentativas de falar com os produtores e diretores dos dois filmes foram em vão. Diversos cineastas iranianos foram presos nos últimos anos por ligações com organizações culturais e com a mídia estrangeira. Hojatoleslam Ghafouri, um clérigo influente no país, disse recentemente a jornalistas que os responsáveis pelo filme I am a Mother deveriam ser disciplinados. "Estou entre os que conhecem o conteúdo do filme e acham que a demanda para tirá-lo de circulação é correta", afirmou, referindo-se a manifestações públicas contra a produção. "Aqueles que são acusados em razão dessas películas precisam ser intimados a comparecer em um tribunal, imediatamente, para responder ao público."Falando recentemente em uma entrevista coletiva, Mohamed Baheri, clérigo e membro da comissão de cultura do Parlamento, discordou. "Eles têm de permitir que as autoridades realizem seu trabalho. Como qualquer outro filme, existem alguns aspectos que podem ser criticados no caso de I am a Mother, mas, simplesmente por isso, não podemos deixar de exibi-lo." / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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