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Tentando viver um dia sem plástico em um mundo praticamente dominado por ele

Ele está ao nosso redor, apesar de seus efeitos adversos para o planeta. Em um experimento de 24 horas, um jornalista tentou se livrar do plástico

Por A.J. Jacobs
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Na manhã do dia em que decidi ficar sem usar produtos de plástico - ou mesmo tocar em qualquer plástico - abri os olhos e coloquei os pés descalços no tapete. Que é feito de nylon, um tipo de plástico. Estava há cerca de 10 segundos em meu experimento e já havia cometido uma violação.

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Desde sua invenção há mais de um século, o plástico entrou em todos os aspectos de nossas vidas. É difícil passar alguns minutos sem tocar nessa substância durável, leve e extremamente versátil. O plástico possibilitou milhares de conveniências modernas, mas trouxe desvantagens, especialmente para o meio ambiente. Na semana passada, em um experimento de 24 horas, tentei viver sem ele em um esforço para ver de que material plástico não podemos abrir mão e do que podemos desistir.

Na maioria das manhãs, checo meu iPhone logo após acordar. No dia marcado, isso não foi possível, já que, além de alumínio, ferro, lítio, ouro e cobre, cada iPhone contém plástico. Em preparação para o experimento, guardei meu aparelho em um armário. Rapidamente descobri que não ter acesso a ele me deixava desorientado e ousado, como se eu fosse algum tipo de intrépido viajante do tempo.

Um barbear matinal sem plástico, graças a uma navalha feita de zinco e aço. Foto: Jonah Rosenberg/The New York Times

Fui em direção ao banheiro, apenas para parar antes de entrar.

“Você poderia abrir a porta para mim?” Perguntei para minha esposa, Julie. “A maçaneta tem um revestimento de plástico.”

Ela abriu para mim, deixando escapar um suspiro de “este vai ser um longo dia”.

Minha rotina de higiene matinal precisou de uma reformulação total, o que exigiu preparações detalhadas nos dias anteriores ao meu experimento. Eu não podia usar minha pasta de dentes, escova de dentes, xampu ou sabonete líquido comuns, todos envoltos em plástico ou feitos de plástico.

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Felizmente, existe uma enorme indústria de produtos sem plástico voltados para consumidores com consciência ecológica, e eu comprei uma variedade deles, uma coleção que incluía uma escova de dente de bambu com cerdas feitas de pelo de javali da Life Without Plastic. “As cerdas são totalmente esterilizadas”, garantiu-me Jay Sinha, o coproprietário da empresa, quando conversei com ele na semana anterior.

Em vez de pasta de dente, eu tinha um frasco de pastilhas cinzentas de pasta de dente de hortelã. Peguei uma, mastiguei, tomei um gole de água e escovei. Era gostoso e mentolado, embora o cuspe cinza fosse perturbador.

Eu gostei da minha barra de xampu. Uma barra de xampu é exatamente o que parece: uma barra de xampu. A minha era de toranja perfumada e baunilha, e fazia bastante espuma. De acordo com os defensores da barra de xampu, ela também é mais barata do que o xampu considerando o uso por lavagem (uma barra pode render 80 lavagens). O que é bom, porque a vida sem plástico pode ser cara. A Package Free, uma elegante loja no bairro NoHo de Manhattan que fica ao lado da loja Goop de Gwyneth Paltrow, vende uma lâmina de barbear de zinco e aço inoxidável por US$ 84 (assim como “o primeiro vibrador biodegradável do mundo”).

Um suéter de lã tricotado à mão completou o look do dia. Foto: Jonah Rosenberg/The New York Times

Vestir-se também foi um desafio, já que muitas peças de roupa incluem plástico. Encomendei uma calça de lã que prometia não ter plástico, mas ela não chegou. Em seu lugar, escolhi um par de calças velhas de chino da Banana Republic.

Felizmente, minha cueca não representou uma violação do uso de plástico - cuecas boxers azuis da Cottonique feitas de algodão 100% orgânico com um cordão de algodão no lugar do elástico (que geralmente é de plástico). Encontrei este item por meio de uma lista na Internet de “14 marcas de roupas íntimas atraentes e sustentáveis para homens”.

Para a parte superior do meu corpo, tive sorte. Nossa amiga Kristen tricotou um suéter para minha esposa como presente de aniversário. Tinha retângulos azul e roxo e era 100% de lã merino.

“Posso pegar emprestado o suéter de Kristen hoje?” perguntei a Júlia.

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“Você vai alargá-lo”, disse Julie.

“É para o planeta Terra,” eu a lembrei.

Colher nozes em um recipiente de vidro com uma concha de aço trazida de casa. Foto: Jonah Rosenberg/The New York Times

O presente e o passado dos plásticos

O mundo produz cerca de 400 milhões de toneladas métricas de resíduos plásticos a cada ano, de acordo com um relatório das Nações Unidas. Cerca de metade é descartada após um único uso. O relatório observou que “nos tornamos viciados em produtos plásticos de uso único - com graves consequências ambientais, sociais, econômicas e de saúde”.

Eu sou um dos viciados. Fiz uma auditoria e estimo que jogo cerca de 800 itens de plástico no lixo por ano - recipientes para viagem, canetas, copos, pacotes da Amazon com espuma dentro e muito mais.

Antes do meu Dia Sem Plástico, mergulhei em vários livros, vídeos e podcasts sobre a vida sem plástico e sem desperdício. Um dos livros, Life Without Plastic: The Practical Step-by-Step Guide to Avoiding Plastic to Keep Your Family and the Planet Healthy (Vida sem plástico: o guia prático passo a passo para evitar o plástico e manter sua família e o planeta saudáveis), de Sinha e Chantal Plamondon, veio da Amazon embrulhado em plástico transparente, como uma fatia de queijo americano. Quando comentei isso com Sinha, ele prometeu investigar.

Também liguei para Gabby Salazar, uma cientista social que estuda o que motiva as pessoas a apoiar causas ambientais, e pedi seu conselho enquanto me preparava para o meu dia sem plástico.

“Talvez seja melhor começar aos poucos”, disse Salazar. “Comece criando um único hábito - como sempre carregar uma garrafa de água de aço inoxidável. Depois disso, você começa outro hábito, como levar sacolas ao supermercado. Você constrói gradualmente. É assim que você faz uma mudança real. Caso contrário, você ficará sobrecarregado”.

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Não é fácil pagar sem usar plástico. Mesmo o papel-moeda pode ter ingredientes sintéticos. Foto: Jonah Rosenberg/The New York Times

A fabricação de plástico aumentou para a Segunda Guerra Mundial e foi crucial para o esforço de guerra, fornecendo paraquedas de náilon e janelas de aeronaves de plexiglas. Isso foi seguido por um boom pós-guerra, disse Susan Freinkel, autora de Plastic: A Toxic Love Story (Plástico: uma história de amor tóxica), um livro sobre a história e a ciência do plástico. “O plástico foi usado em coisas como balcões de fórmica, revestimentos de geladeira, peças de carros, roupas, sapatos, todo tipo de coisa que foi projetada para ser usada por um tempo”, ela disse.

Então houve uma reviravolta.

“Realmente começamos a ter problemas quando isso se transformou em material de uso único”, disse Freinkel. “Eu chamo de lixo pré-fabricado.”

A efusão de canudos, copos, sacolas e outras coisas efêmeras trouxe consequências desastrosas para o meio ambiente. De acordo com um estudo do Pew Charitable Trusts, mais de 11 milhões de toneladas métricas de plástico entram nos oceanos a cada ano, mantendo-se na água, interrompendo a cadeia alimentar e sufocando a vida marinha.

Ele está em toda parte

No início do meu dia sem plástico, comecei a ver o mundo de maneira diferente. Tudo parecia ameaçador, como se pudesse abrigar polímeros ocultos. A cozinha estava particularmente difícil. Qualquer coisa que eu pudesse usar para cozinhar estava fora dos limites - a torradeira, o forno, o micro-ondas. Mesmo as sobras eram proibidas. Meu filho acenou com um saquinho de plástico cheio de rabanadas. “Você quer um pouco?” Sim eu queria.

Em vez disso, decidi procurar alimentos crus.

Saí do meu prédio usando as escadas, em vez do elevador com seus botões de plástico, e caminhei até uma loja de produtos naturais perto do nosso apartamento no Upper West Side de Manhattan.

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Quando vou às compras, procuro me lembrar de levar uma sacola de pano comigo. Dessa vez, eu trouxe sete sacolas de tamanhos variados, todas de algodão. Eu também tinha dois recipientes de vidro.

Na loja, enchi uma das minhas sacolas de algodão com maçãs e laranjas. Em uma inspeção minuciosa, notei que cada casca tinha um adesivo com um código. Outra violação provável, mas eu ignorei.

Diante dos recipientes a granel, coloquei nozes e aveia em meus recipientes de vidro usando uma concha de aço (lavada) que trouxe de casa. Os próprios recipientes eram de plástico, o que ignorei, porque estava com fome.

Recipiente de vidro? garfo de bambu? Toalha de algodão? Cadeira de madeira? Verifique, verifique, verifique, verifique. Foto: Jonah Rosenberg/The New York Times

Fui ao caixa. Nesse ponto, era hora de pagar. O que era um problema. Não dava pra usar cartões de crédito. Assim como o Apple Pay do meu iPhone. O dinheiro em papel era outra violação: embora o papel-moeda dos EUA seja feito principalmente de algodão e linho, cada nota provavelmente contém fibras sintéticas e as mais altas têm um fio de segurança feito de plástico para evitar a falsificação.

Por segurança, eu trouxe um saco de algodão cheio de moedas. Sim, um grande saco velho cheio de moedas - cerca de US $ 60 que eu havia sacado do Citibank e dos cofrinhos de meus filhos.

No caixa, comecei a empilhar as moedas o mais rápido que pude entre olhares irritados dos clientes atrás de mim.

“Sinto muito que esteja demorando tanto”, eu disse.

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“Tudo bem”, disse o caixa. “Eu medito todas as manhãs para poder lidar com turbulências como esta.”

Ele acrescentou que gostava do meu compromisso com o meio ambiente. Foi o primeiro feedback positivo que recebi. Contei $ 19,02 - o dinheiro exato! - e fui para casa tomar meu café da manhã: nozes e laranjas em uma bandeja de metal, que equilibrei no colo.

Algumas horas depois, em busca de um almoço sem plástico, caminhei até Lenwich, uma lanchonete de sanduíches e saladas no meu bairro. Cheguei no início da tarde, carregando meu prato retangular de vidro e talheres de bambu.

O primeiro rascunho deste artigo foi escrito com um lápis sem plástico à luz de velas. Foto: Jonah Rosenberg/The New York Times

“Você pode fazer a salada neste recipiente de vidro?” Eu perguntei, segurando-o.

“Um minuto, por favor”, disse o homem atrás do balcão, de forma brusca.

Ele chamou um gerente, que disse OK. Vitória! Mas o gerente rejeitou meu pedido para usar minha concha de aço.

Depois do almoço, fui para o Central Park, imaginando que aquele era um lugar em Manhattan onde eu poderia relaxar em um ambiente sem plástico. Peguei o metrô lá, o que me rendeu mais infrações, já que os próprios trens têm peças de plástico e você precisa de um MetroCard ou smartphone para passar pelas catracas.

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Caminhando pelo Central Park, vi pedaços de fio dental, uma faca de plástico preta e um saco plástico.

De volta para casa, registrei algumas de minhas impressões. Escrevi no papel com um lápis de cedro sem pintura de um “conjunto de lápis Sem Desperdício” (os lápis comuns contêm tinta amarela preenchida com plástico). Depois de um tempo, fui beber água. O que talvez traga o inimigo mais difundido de todos, um que ainda nem mencionei: os microplásticos. Essas minúsculas partículas estão por toda parte - na água que bebemos, no ar que respiramos, nos oceanos. Elas vêm, entre outras coisas, de lixo plástico degradado.

Elas são prejudiciais para nós? Conversei com vários cientistas e a resposta geral que obtive foi: ainda não sabemos. “Acho que teremos uma compreensão melhor nos próximos anos”, disse Todd Gouin, consultor de pesquisa ambiental. Mas aqueles que são extremamente cautelosos podem usar produtos que prometem filtrar os microplásticos da água e do ar.

Eu tinha comprado um jarro da LifeStraw que contém um microfiltro de membrana. Claro, o próprio jarro tinha peças de plástico, então não pude usá-lo no Grande Dia. Em vez disso, na noite anterior, passei algum tempo na pia filtrando água e enchendo potes de vidro. Parecia que nossa cozinha estava pronta para o apocalipse.

A água tinha um sabor particularmente puro, o que imagino ser algum tipo de efeito placebo.

Eu escrevi por um tempo. Depois sentei-me na minha cadeira de madeira. Sem telefone, sem Internet. Julie ficou com pena de mim e se ofereceu para jogar cartas. Eu balancei minha cabeça.

Usar as escadas após as compras, para evitar o elevador, que possui peças plásticas. Foto: Jonah Rosenberg/The New York Times

“Revestimento de plástico,” eu disse.

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Por volta das 21h, levei nosso cachorro para passear. Eu estava usando uma coleira 100% algodão que comprei online. Eu havia abandonado os saquinhos de cocô - mesmo os sustentáveis que encontrei eram feitos com plástico reciclado ou à base de plantas. Em vez disso, eu carregava uma espátula de metal. Felizmente, não precisei usá-la.

Às 22h30, exausto, deitei na minha cama improvisada - lençóis de algodão no chão de madeira, já que meu colchão e travesseiros são de plástico.

Acordei na manhã seguinte feliz por ter sobrevivido à minha provação e por ter reencontrado meu telefone - mas também com um sentimento de derrota.

Uma grande confusão

Eu havia cometido 164 violações, pelas minhas contas. Como Salazar havia previsto, me senti sobrecarregado. E também inseguro. Havia tanta coisa que permanecia obscura, mesmo depois de estudar esse tópico por semanas. Quais itens sem plástico realmente fizeram a diferença, e o que é mera “lavagem verde”? É uma boa ideia usar escovas de dente de pelo de javali, desodorante de melaleuca, dispositivos de filtragem de microplástico e canudos de papel, ou o problema de usar essas coisas deixa todo mundo tão maluco que acaba prejudicando a causa?

Não foi possível usar a cama (plástico). Foto: Jonah Rosenberg/The New York Times

Liguei para Salazar para um apoio moral.

“Você pode enlouquecer”, ela disse. “Mas não se trata de perfeição, trata-se de progresso. Acredite ou não, o comportamento individual é importante. Ele ajuda.

“Lembre-se”, ela continuou, “não se trata do plástico ser o inimigo. É sobre o uso único como inimigo. É a cultura de usar algo uma vez e jogar fora.”

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Vou começar com coisas pequenas, construindo hábitos. Gostei do xampu em barra. E posso levar sacolas para o supermercado. Posso até levar minha garrafa de água de aço e talheres de bambu para minhas viagens até Lenwich. E a partir daí, quem sabe?

E usarei com orgulho a camiseta “Keep the Sea Plastic Free” (Mantenha o mar livre de plástico) que comprei online nos dias que antecederam o experimento. É apenas 10% poliéster. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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