O discreto retorno do México à liderança diplomática; leia a análise

À medida que a maré política muda na América Latina, o presidente mexicano luta para posicionar seu país como liderança regional

PUBLICIDADE

Por Genaro Lozano Americas Quarterly
Atualização:

CIDADE DO MÉXICO - Com uma cerimônia no Castelo de Chapultepec em meados de julho, o México comemorou o 238º aniversário de Simon Bolívar. De início, essa comemoração no centro da Cidade do México parecia irrelevante. Afinal, o que há de tão especial num aniversário de 238 anos? Mas o evento teve um outro objetivo, ou seja, demonstrar a força diplomática do México, ou, nas palavras da escritora chilena Isabel Allende, seu papel de “farol na neblina” e “uma nação líder no continente”. Allende foi uma das convidadas na comemoração juntamente com autoridades diplomáticas de alto nível dos 32 países latino-americanos, com a observada exceção do Brasil. O grupo de ministros e dignitários estrangeiros reuniu-se no México para participar de um encontro ministerial da CELAC (Comunidade dos Países Latino-americanos e do Caribe), órgão regional que não se reúne desde 2017 e o México deseja reviver. Ao reunir os membros da esfera diplomática, o ministro do Exterior Marcelo Ebrard conseguiu o que aparentemente era impossível: colocar o presidente da Colômbia sentado ao lado dos ministros do Exterior da Venezuela e Cuba sem criar nenhuma tensão envolvendo eventos recentes nesses dois países. A diplomacia mexicana sempre teve de encontrar uma maneira de afirmar sua vocação entre as nações latino-americanas. Durante a Guerra Fria, o México aderiu ao Movimento dos Países Não-Alinhados como observador e manteve uma política externa orientada para a América Latina. O país foi fundamental na defesa dos interesses da região diante dos Estados Unidos e também no provimento de asilo para intelectuais e políticos perseguidos por ditaduras na Espanha e na América do Sul. Na verdade, a tradição do México na concessão de asilo e acolhimento de refugiados políticos é um dos pilares da política externa mexicana.

Presidente mexicano evita injetar grandes quantias para a recuperação econômica Foto: Presidência do México / Efe

Mas a partir de 1994 a integração comercial com Estados Unidos e Canadá levou o país a deixar de olhar para o Sul e focar no Norte. O México se distanciou da América Latina, apesar da retórica de governos do PRI e do PAN, que se alternavam no poder desde a ratificação do tratado do NAFTA (Tratado Norte-Americano de Livre-Comércio) até 2018. O país ficou cada vez mais próximo dos Estados Unidos, a ponto de gerar antagonismos com países importantes para a região, como Cuba e Venezuela. Quem ganhou com esse afastamento do México do resto da América Latina foi o Brasil, que, sob os governos dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, se tornou o líder da região durante esse período.Andrés Manuel López Obrador, amplamente conhecido como AMLO, chegou à presidência com a ambição de manter os vínculos comerciais, políticos e sociais com os Estados Unidos e ao mesmo tempo olhar para o Sul, iniciando uma nova aproximação com a América Latina. Embora seus predecessores Felipe Calderón e Enrique Peña Nieto tivessem o mesmo objetivo, não conseguiram conciliar os dois objetivos. Agora a pandemia da Covid-19 provocou um impacto brutal na América Latina e deu à CELAC uma nova missão. Ebrard usou a presidência temporária da comunidade para liderar a demanda por um acesso igualitário às vacinas e suprimentos médicos contra a Covid. Durante o primeiro semestre de 2021, o governo Biden manteve a política do seu antecessor Donald Trump, América em primeiro lugar, impedindo a exportação de milhões de doses da vacina da Pfizer para a América Latina. O México precisou importar vacinas da União Europeia e foi obrigado a diversificar o portfólio de imunizantes, adicionando vacinas chinesas e russas. Em parceria com a Argentina e a Fundação de Carlos Slim, o país desde então fez um estoque de vacinas da AstraZeneca e logo começou a doar centenas de milhares de doses para o Paraguai, Honduras, Guatemala, El Salvador, Belize e Jamaica. E também doou medicamentos, alimentos e ventiladores para Belize, Bolívia, Cuba, El Salvador, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, República Dominicana, as ilhas de São Vincente e Granadinas, Santa Lúcia, Suriname e Trinidad e Tobago. A diplomacia mexicana não gosta de projetar o país como líder da América Latina, mas a notável ausência do Brasil deixou um vazio que o México ocupa agora. Jair Bolsonaro decidiu deixar a CELAC em janeiro de 2020 afirmando que o órgão “deu proeminência a regimes não-democráticos”, uma declaração irônica uma vez que acusações similares são levantadas contra seu governo pela sociedade civil brasileira. A visão de saúde e ultranacionalista do presidente Bolsonaro, os problemas internos do Brasil, a pandemia da Covid-19 e a mudança para governos de esquerda na Argentina e no México vêm contribuindo para isolar a maior economia da América Latina e no processo vem abrindo uma oportunidade para uma liderança regional do México. Durante seu discurso no Castelo de Chapultepec, o presidente López Obrador fez uma revisão inusitada da história do Hemisfério Ocidental. Falou sobre as lutas de independência e soberania das nações latino-americanas, primeiro contra os poderes europeus e depois contra o intervencionismo dos Estados Unidos, que surgiu como potência mundial predominante. AMLO reconheceu a importância de manter uma boa relação com os Estados Unidos, mas também insistiu em não ignorar o resto da região, sublinhando o exemplo de Cuba como o único país latino americano que resistiu à interferência americana. Isso foi suficiente para o discurso de López Obrador ser visto como um elogio a uma ditadura em vez de um comentário sobre a hombridade diante do imperialismo. Além disso, a declaração sobre Cuba ofuscou o fato de que hoje a CELAC não só está viva, mas também sob a presidência temporária do México e parece ter mais relevância do que a anacrônica e desgastada Organização dos Estados Americanos (OEA). Basicamente, a diplomacia mexicana não só vem garantindo vacinas, mas também poderia estar forjando um novo paradigma diplomático para a região diante da irrelevância crescente da OEA. O secretário geral do órgão, Luis Almagro, perdeu apoio de muitos países, em parte por causa das suas posições sobre o conflito entre Israel e palestinos, a crise venezuelana e Cuba, que não são compartilhadas amplamente na região. Ainda não se sabe ao certo o que o presidente López Obrador e o ministro Ebrard pensam realmente sobre o futuro da OEA, mas o que está claro é que o México está de volta e tem provado ser um bom líder diplomático. / Tradução de Terezinha Martino* Genaro Lozano é professor de Ciências Políticas no departamento de relações internacionais da Universidade Iberoamericana na Cidade do México. É também analista político do jornal Reforma e da ForoTV

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.