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‘O levante do Oriente': Xi Jinping mapeia ascensão da China pós-covid

Mas enquanto Pequim lançava um plano de longo prazo, seu mais alto líder também advertiu que 'os EUA são a maior ameaça'

Por Chris Buckley
Atualização:

PEQUIM - Xi Jinping tem adotado uma posição confiante quando procura garantir a prosperidade e o poder da China em um mundo pós-covid, afirmando que o país está ingressando em uma época de oportunidades em que “o Leste está em ascensão, e o Oeste declina”.

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Mas atrás de portas fechadas, o líder do Partido Comunista chinês também fez uma incisiva advertência aos funcionários: não subestimem os nossos concorrentes, acima de todos os Estados Unidos.

“Os maiores causadores de caos no mundo atual são os Estados Unidos”, disse, segundo relato de um funcionário do noroeste da China em um discurso divulgado na semana passada em um site oficial. Xi teria afirmado: “Os Estados Unidos são a maior ameaça ao desenvolvimento e à segurança do nosso país”.

Os presidentes da China e dos Estados Unidos, Xi Jinping e Joe Biden, respectivamente. Foto: David McNew/Reuters

A advertência, que ecoou em recentes comentários públicos de funcionários dos altos escalões próximos a Xi, reforça sua decisão de tentar equilibrar confiança e cautela enquanto a China avança e outros países continuam lutando contra a pandemia.

Seus pronunciamentos de duplo sentido refletem o esforço para manter a China em alerta porque, apesar do sucesso doméstico, ele enfrenta uma profunda desconfiança em Washington e em outras capitais ocidentais. Embora a China esteja se fortalecendo, disse Xi, “o Ocidente continua forte (em muitos sentidos), e o Oriente fraco”, disseram funcionários em discursos divulgados recentemente em sites locais do partido.

Xi apresentará um projeto a longo prazo visando conduzir a China neste novo panorama global, no fim da semana, quando o Legislativo controlado pelo Partido Comunista, o Congresso Nacional do Povo, se reunirá, a partir de sexta-feira, por cerca de uma semana. 

“Xi Jinping me impressiona por sua atitude implacável, mas também com a sua cautela no seu projeto de erguer um legado pessoal duradouro”, afirmou Dimitar Gueorguiev, professor assistente de ciência política na Universidade de Syracuse, que estuda a China. Segundo os líderes chineses, afirmou, “a resposta ao coronavírus foi realmente um exemplo básico para o partido de como é possível juntar todos os recursos em um breve período de tempo e as forças por meio de um programa”. 

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Xi e outros líderes chineses descreveram recentemente os desafios, a curto e longo prazo, que poderão ser obstáculo para as suas ambições. O governo Biden assinalou que quer pressionar a China na questão dos direitos humanos e competir com ela no avanço tecnológico e na influência regional na Ásia. Internamente, a China está às voltas com um aumento da população idosa e tentará aperfeiçoar o seu modelo econômico que se baseia em excessivos investimentos e energia para um ganho muito limitado e muita poluição.

Mulheres passam por rua decorada com lanternas para celebrar o Ano Novo Lunar, em Pequim, na China. Foto: Wang Zhao / AFP 

Pequim também é considerada uma ameaça em Hong Kong, depois que a ira provocada pelo aumento do seu controle no território desencadeou meses de protestos contra o governo em 2019. Respaldando a linha dura de Xicontra todo e qualquer desafio político, o Legislativo chinês aparentemente apoia os planos de uma drástica reformulação das normas eleitorais de Hong Kong, retirando todo vestígio da democracia local na antiga colônia britânica.

A China aguarda também a próxima grande reforma da liderança no próximo ano, quando Xi, de 67 anos, parece disposto a candidatar-se a um terceiro mandato de cinco anos no poder, ultrapassando os limites de mandato que haviam sido estabelecidos para restringir as ações da liderança depois de Mao Tsé-tung e Deng Xiaoping

Os líderes chineses apoderaram-se do sucesso do país em acabar com o contágio do coronavírus, reivindicando a forte pressão de Xi, com sua norma de cima para baixo. Saindo vitorioso da pandemia, Xi procurará centralizar ainda mais o seu poder, disse Lyuette H. Ong, cientista política da Universidade de Toronto. 

Xi afirma que a China se aproximará neste ano da reconquista do seu status de direito histórico de grande potência, enquanto as potências tradicionais estão dilaceradas pelo mau funcionamento.

No ano passado, ele instou os funcionários a “insistirem claramente na grande tendência de que o Oriente está ascendendo enquanto o Ocidente está declinando”, disse recentemente Zho Ye, um membro do partido na Universidade Fudan em Xangai, em uma reunião, segundo um relatório online. “Há um vívido contraste entre a ordem da China e o caos do Ocidente."

Retórica arrogante

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Durante anos, Xi e outros funcionários chineses se utilizaram às vezes de uma retórica arrogante, colocando o Oriente contra o Ocidente. Mas eles usaram estas frases marcadamente de maneira mais frequente nos últimos meses, enfatizando a confiança – segundo os críticos, a petulância - do governo chinês.

A saúde da economia será crucial para a sobrevivência desta confiança. Os assessores do governo sugeriram que o crescimento médio poderá ser 5% maior nos próximos cinco anos, ou mesmo mais, se tudo correr bem.

Mas o país talvez não consiga sustentar tal nível de crescimento se não se tornar mais inovador e não reduzir a sua dependência dos investimentos na indústria pesada e na infraestrutura, segundo os assessores econômicos de Pequim.

O país também enfrenta graves problemas demográficos. Há dezenas de anos, a China vem se beneficiando de uma força de trabalho jovem nas fábricas e nas cidades. Mas a população idosa pressionará cada vez mais os fundos de pensão, a assistência médica e a poupança acumulada.

Mulher prepara refeições em seu pequeno comércio, nas ruas de Wuhan, na China. Foto: Hector Retamal / AFP 

Estas pressões econômicas poderão corroer o apoio da sociedade ao partido nos próximos anos, disse Andrew G. Walder, professor da Universidade de Oxford que contribuiu para um livro sobre as “Decisões Fatais” com que a China se defronta. “ Não deveríamos nos deixar embalar demais pela estabilidade da aprovação pública ao desempenho do Partido Comunista”, afirmou. 

Os líderes em Pequim parecem mais preocupados com os Estados Unidos, que consideram decididos a impedir a ascensão da China, independentemente de quem esteja na Casa Branca. 

Os estrategistas chineses ficaram alarmados quando o governo Trump revogou o acesso das companhias chinesas à tecnologia americana. Muitos afirmam que os Estados Unidos continuarão tentando conter a China restringindo o seu acesso a “tecnologias chave de braço”, como semicondutores avançados e as máquinas para produzi-los.

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“A contenção e a opressão dos Estados Unidos é uma enorme ameaça”, disse Chen Yixin, funcionário da segurança que foi diretor da política de Xi em Wuhan, onde surgiu o coronavírus. Discursando para os funcionários sobre as ideias de Xi em janeiro, Chen usou uma linguagem militar para enfatizar os perigos. “Este é um confronto não planejado e será uma guerra prolongada”.

Em 2018, Xi forçou uma mudança constitucional abolindo a limitação do mandato na presidência, abrindo o caminho para permanecer no poder por mais de dez anos como presidente e líder do partido. As elites políticas e econômicas chinesas provavelmente ficarão cada vez mais apreensivas em particular a respeito de quando e como Xi promoverá um possível sucessor, ou um grupo de sucessores.

Entretanto, ele poderá também manter-se anos a fio, com suas decisões ou erros de julgamento, ainda mais significativos. “Internamente, há agora poucas fontes de oposição – nenhuma fonte de oposição”, disse Xiao Gongpin, historiador em Xangai. "Por isso, o líder deve ser capaz de manter o próprio equilíbrio." / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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