Papa faz primeira viagem do ano e visita exposição de arte em presídio para mulheres em Veneza

Francisco andou de barco e papamóvel, conversou com as cerca de 80 detentas e com artistas; um dos ambientes foi criado pela artista visual brasileira Sonia Gomes

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Por Nicole Winfield e Paolo Santalucia
Atualização:

Em seu primeiro compromisso fora do Vaticano neste ano, o Papa Francisco foi a Veneza neste domingo, 28. Ele visitou o pavilhão da Santa Sé na mostra de arte contemporânea da Bienal de Veneza, montado na ilha de Giudecca, e se encontrou com presidiárias e artistas.

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A visita terminou com uma missa na Praça de São Marcos. A saída do Vaticano é cada vez mais rara para o pontífice de 87 anos, que tem tido problemas de saúde e de mobilidade.

Veneza, com suas 121 ilhas e 436 pontes, não é um lugar fácil para se transitar. Mas Francisco conseguiu, chegando de helicóptero de Roma, cruzando o Canal de Giudecca em um táxi aquático e depois à Praça de São Marcos em um mini papamóvel que atravessou o Grande Canal por uma ponte flutuante erguida para a ocasião.

O Vaticano decidiu montar seu pavilhão numa prisão feminina de Veneza e convidou as detentas para colaborar com os artistas. Assim, o projeto assumiu um significado muito mais complexo, tocando na crença de Francisco no poder da arte para elevar e unir, e na necessidade de dar esperança e solidariedade aos mais marginalizados da sociedade.

Francisco abordou ambas as mensagens durante sua visita, que começou no pátio da prisão de Giudecca, onde ele se encontrou com as cerca de 80 detentas uma a uma. Enquanto algumas delas choravam, Francisco as instou a usar seu tempo na prisão como uma chance de “renascimento moral e material”.

“Paradoxalmente, uma estadia na prisão pode marcar o início de algo novo, por meio da redescoberta da beleza insuspeita em nós e nos outros, simbolizada pelo evento artístico que vocês estão hospedando e pelo projeto ao qual vocês contribuem ativamente”, disse o Papa.

Francisco então se encontrou com os artistas que participaram do projeto na capela da prisão, decorada com uma instalação da artista visual brasileira Sonia Gomes, com objetos pendurados no teto, destinados a atrair o olhar do espectador para cima. Ele estimulou os artistas a abraçar o tema da Bienal deste ano, “Estranhos em Todos os Lugares”, para mostrar solidariedade a todos os que estão à margem.

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O Papa Francisco é felicitado por gondoleiros, em sua chegada para a Bienal de Veneza. (AP Photo/Alessandra Tarantino) Foto: Alessandra Tarantino/AP

A exposição do Vaticano transformou a prisão de Giudecca, um antigo convento para prostitutas reformadas, em uma das atrações imperdíveis da Bienal deste ano, mesmo que para vê-la os visitantes precisem reservar ingressos com antecedência e passar por uma verificação de segurança.

Os visitantes são recebidos, na entrada, com um mural de Maurizio Cattelan de dois pés gigantes e sujos, uma obra que lembra os pés sujos das pinturas de Caravaggio ou os pés que Francisco lava todos os anos em um ritual de Quinta-feira Santa que ele rotineiramente realiza com os prisioneiros.

A exposição também inclui um curta-metragem estrelado pelas detentas e pela atriz Zoe Saldana, e gravuras na cafeteria da prisão, feitas pela ex-freira católica e ativista social americana Corita Kent.

Mais tarde, durante um encontro com jovens na icônica basílica de Santa Maria della Salute, Francisco reconheceu o milagre que é Veneza, admirando sua “beleza encantadora” e tradição, como um lugar de encontro entre Oriente e Ocidente, mas alertando que está cada vez mais vulnerável às mudanças climáticas e ao despovoamento.

“Veneza está em união com as águas sobre as quais se assenta”, disse Francisco. “Sem o cuidado e a proteção deste ambiente natural, ela até poderia deixar de existir.”

Papa Francisco faz discurso em Veneza, em visita ao pavilhão do Vaticano na 60a Bienal de Artes. (AP Photo/Alessandra Tarantino) Foto: Alessandra Tarantino/AP

Veneza, afundando sob o aumento do nível do mar e sobrecarregada pelo impacto do turismo excessivo, tenta limitar os tipos de passeios de um dia, como o que Francisco realizou no domingo.

As autoridades lançaram na semana passada um programa-piloto para cobrar 5 euros (R$ 27) por pessoa nos dias de pico de viagem. O objetivo é incentivar os turistas a ficar mais tempo ou visitar a cidade em épocas fora do pico, para reduzir multidões e tornar a cidade mais habitável para o seu número cada vez menor de residentes.

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Para o patriarca católico de Veneza, arcebispo Francesco Moraglia, o novo programa de impostos é um experimento válido, um mal necessário capaz de tentar preservar Veneza como uma cidade habitável para visitantes e residentes.

Moraglia disse que a visita de Francisco — a primeira de um papa à Bienal — foi um impulso bem-vindo, especialmente para as mulheres da prisão de Giudecca que participaram da exposição como guias turísticas e como protagonistas em algumas das obras de arte.

Ele reconheceu que Veneza ao longo dos séculos teve uma longa e complicada relação de amor e ódio com o papado, apesar de sua importância central para o cristianismo.

As relíquias de São Marcos — o principal ajudante de São Pedro, o primeiro papa — são mantidas na basílica da cidade, que é uma das mais importantes e espetaculares de todo o Cristianismo. Vários papas são originários de Veneza — apenas no último século, três pontífices foram eleitos depois de serem patriarcas de Veneza. E Veneza sediou o último conclave realizado fora do Vaticano: a votação de 1799-1800 que elegeu o Papa Paulo VII.

Mas, por séculos antes disso, as relações entre a República de Veneza independente e os Estados Papais estavam longe de ser cordiais, já que os dois lados duelavam pelo controle da igreja. Os papas em Roma emitiram interditos contra Veneza que essencialmente excomungaram todo o território. Veneza revidou expulsando ordens religiosas inteiras, incluindo os próprios jesuítas de Francisco.

“É uma história de contrastes porque foram dois competidores por tantos séculos”, disse Giovanni Maria Vian, historiador da igreja e editor aposentado do jornal do Vaticano L’Osservatore Romano, cuja família é originária de Veneza. “O papado queria controlar tudo, e Veneza guardava ciumentamente sua independência.”

Moraglia disse que essa história conturbada já aconteceu há muito tempo e que Veneza estava recebendo Francisco de braços abertos e gratidão, em conformidade com sua história como uma ponte entre culturas.

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“A história de Veneza, o DNA de Veneza — além da linguagem da beleza e cultura que unifica —, incluem esse caráter histórico que diz que Veneza sempre foi um lugar de encontro”, disse.

Francisco disse, ao encerrar a missa em São Marcos, diante de cerca de 10.500 pessoas, que “Veneza, que sempre foi um lugar de encontro e intercâmbio cultural, é conclamada a ser um sinal de beleza disponível para todos”. “Começando pelos menos favorecidos, um sinal de fraternidade e cuidado com nossa casa comum”, completou. /AP

Este conteúdo foi traduzido com o auxílio de ferramentas de Inteligência Artificial e revisado por nossa equipe editorial. Saiba mais em nossa Política de IA.

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