Putin diz que negociações de paz atingiram ‘beco sem saída’, e ‘guerra continuará’

Em entrevista coletiva, presidente russo afirmou que Rússia vai sair vitoriosa da guerra e que sanções do Ocidente não o enfraquecem; morte de civis em Bucha é chamada de farsa

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Por Redação
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AMUR OBLAST, RÚSSIA - Em uma de suas primeiras declarações públicas após a retirada das tropas russas do norte da Ucrânia, o presidente russo Vladimir Putin disse nesta terça-feira, 12, que as negociações de paz com a Ucrânia chegaram a um “beco sem saída” e prevê a continuação da guerra até “alcançar seus objetivos”. Visando ao seu público interno, o líder russo voltou a alegar que as acusações de crimes de guerra em Bucha são falsas.

Putin ainda não havia se pronunciado sobre a guerra desde que suas tropas se retiraram do norte da Ucrânia e seguiram para o leste, onde é esperada uma intensificação das batalhas. Ele prometeu que a Rússia vai alcançar todos os “objetivos nobres” na guerra e disse que o Ocidente falha em tentar atingir Moscou.

As declarações foram os sinais mais fortes até o momento de que a guerra na Ucrânia vai continuar por mais tempo. Putin disse que Kiev desmanchou as negociações de paz ao encenar “alegações falsas de crimes de guerra pela Rússia” e exigir garantias de segurança para cobrir toda a Ucrânia.

Presidente da Rússia, Vladimir Putin, afirmou nesta terça-feira, 12, que negociações de paz com a Ucrânia chegaram a um 'beco sem saída'. Putin realizou visita ao Cosmódromo de Vostochny, onde foto foi registrada, e concedeu coletiva de imprensa Foto: Mikhail Klimentyev / AFP

Putin disse que a Ucrânia mudou sua posição após a rodada de negociações de paz realizada em Istambul em 29 de março para uma que não era mais aceitável para o Kremlin. Embora haja indicações de que a Ucrânia voltou a adotar esta semana uma postura mais construtiva, disse ele, a “operação militar da Rússia continuará até sua completa conclusão” e seus objetivos sejam alcançados.

Esses objetivos, disse ele, estão centrados na região de Donbas, no leste da Ucrânia, onde autoridades ucranianas e ocidentais esperam que a Rússia em breve monte uma ofensiva intensa.

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“Voltamos novamente a uma situação sem saída para nós”, disse Putin, líder da Rússia desde 1999, durante entrevista coletiva concedida em uma visita ao Cosmódromo de Vostochny, a 5.550 quilômetros a leste de Moscou.

Embora a ofensiva inicial da Rússia seja amplamente vista como um fracasso porque suas forças não conseguiram tomar a capital Kiev e tiveram que recuar, Putin insistiu nesta terça - como fez nas primeiras semanas da guerra - que o que ele chama de “operação militar especial” estava indo “de acordo com o plano”.

Questionado por funcionários da agência espacial russa se a operação na Ucrânia atingiria seus objetivos, Putin disse: “Absolutamente. Não tenho nenhuma dúvida”. A Rússia, acrescentou, continuará “ritmicamente e com calma” sua operação.

O presidente ainda afirmou que não tinha escolha além de lutar na Ucrânia para defender os russófonos que vivem no leste do país e impedir que seu ex-vizinho soviético se tornasse um trampolim anti-russo para os inimigos de Moscou.

“O que está acontecendo na Ucrânia é uma tragédia”, disse Putin em entrevista coletiva após uma reunião no espaçoporto com o presidente Aleksandr Lukashenko de Belarus, seu aliado internacional mais próximo.

O Ocidente condenou a guerra como uma apropriação brutal de terras ao estilo imperial sobre um país soberano. A Ucrânia diz que está lutando por sua sobrevivência depois que Putin anexou a Crimeia em 2014 e em 21 de fevereiro reconheceu duas de suas regiões rebeldes como soberanas.

Putin considerou as sanções do Ocidente, que levaram a Rússia a sua pior contração econômica desde os anos que se seguiram à queda da União Soviética em 1991, como um fracasso. “Aquela Blitzkrieg (tática de guerra que ficou conhecida por ataques surpresas e rápidos para desestabilizar o inimigo) com a qual nossos inimigos estavam contando não funcionou”, disse.

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Declarações para os apoiadores

A coletiva de imprensa desta terça parecia estar voltada em grande parte para reforçar o apoio de Putin em casa. Desde que ele apareceu diante de dezenas de milhares de pessoas em um estádio de Moscou em 18 de março, as aparições públicas de Putin se limitaram a breves clipes mostrando-o se encontrando com funcionários do governo, principalmente por videoconferência, nos quais ele não comentou sobre as negociações de paz ou a guerra. Em vez disso, ele deixou seu Ministério da Defesa e outros funcionários falarem.

A única aparição pública na semana passada foi no funeral de um legislador nacionalista, onde ele não abordou diretamente a guerra. Na segunda-feira, ele se encontrou com o chanceler visitante da Áustria em uma residência rural nos arredores de Moscou, mas nenhuma imagem dessa reunião foi divulgada.

Na terça-feira, Putin chegou à região de Amur, no Extremo Oriente da Rússia, e foi mostrado em vídeo divulgado pelo Kremlin conversando informalmente com trabalhadores do Cosmódromo de Vostochny, um novo espaçoporto que tem sofrido atrasos na construção e continua inacabado.

Putin disse aos trabalhadores que a Rússia continuará revigorando seu programa espacial, incluindo planos para lançar uma missão não tripulada à Lua programada para este ano. O vídeo parecia ser um esforço para sinalizar aos telespectadores que a economia da Rússia pode permanecer vibrante apesar das sanções ocidentais.

O presidente russo Vladimir Putin fala com o diretor da Roscosmos, Dmitri Rogozin, durante uma reunião no aeroporto de Blagoveshensk em 12 de abril Foto: MIKHAIL KLIMENTYEV / AFP

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‘Bucha é uma farsa’, diz Putin

Putin rejeitou as alegações ucranianas e ocidentais de que a Rússia havia cometido crimes de guerra em Bucha. Ele chamou as acusações de falsas, repetindo o que o Kremlin já havia dito em dias anteriores.

Desde que as tropas russas se retiraram das cidades e vilarejos ao redor da capital ucraniana, as tropas ucranianas têm mostrado aos jornalistas cadáveres do que dizem ser civis mortos pelas forças russas, casas destruídas e carros incendiados.

A agência Reuters viu cadáveres na cidade de Bucha, mas não conseguiu verificar independentemente quem foi o responsável pelos assassinatos.

A Rússia já acusou a própria Ucrânia de matar civis após a retirada das tropas russas, na intenção de atribuir a culpa. Mas imagens de satélite verificadas pelo jornal The New York Times há duas semanas mostraram que os corpos estavam exatamente nas posições em que foram encontrados semanas antes da retirada da Rússia.

A Ucrânia diz que Rússia é culpada de genocídio e o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, acusou Putin de crimes de guerra e pediu um julgamento.

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Segundo Putin, ele afirmou aos líderes ocidentais que pensassem um pouco sobre as destruições da cidade síria de Raqqa, antiga capital do califado do Estado Islâmico, e do Afeganistão, promovidas pelos Estados Unidos. “Você viu como esta cidade síria foi transformada em escombros por aviões americanos? Os cadáveres ficaram nas ruínas por meses em decomposição”, disse Putin. “Ninguém se importou. Ninguém nem percebeu.”

“Não houve esse silêncio quando as provocações foram encenadas na Síria, quando retrataram o uso de armas químicas pelo governo Assad. Então se descobriu que era falso. É o mesmo tipo de falsificação em Bucha.”

Putin, que diz que a Ucrânia e a Rússia são essencialmente um povo, classifica a guerra como um confronto inevitável com os Estados Unidos, que ele acusa de ameaçar a Rússia ao se intrometer em seu quintal.

Sessenta e um anos desde que Yuri Gagarin, da União Soviética, se tornou o primeiro homem no espaço, Putin fez uma analogia entre os sucessos espaciais soviéticos e o desafio da Rússia hoje. “As sanções foram totais, o isolamento foi completo, mas a União Soviética ainda era a primeira no espaço”, disse Putin, lembrando sua própria admiração como um estudante aprendendo sobre a conquista.

“Não pretendemos ficar isolados”, acrescentou Putin. “É impossível isolar severamente qualquer pessoa no mundo moderno – especialmente um país tão vasto como a Rússia.”/NYT e REUTERS

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