The Economist: Mesmo que não haja julgamento, crimes de guerra na Ucrânia devem ser investigados

Criminosos poderão jamais ser julgados, mas devem ser investigados e indiciados mesmo assim

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Por The Economist
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Evidências de crimes de guerra da Rússia se acumulam na Ucrânia, mas ao contrário do que muitos ucranianos e alguns russos desejam, ninguém — muito menos o presidente russo, Vladimir Putin — deverá passar nenhum dia sequer na cadeia por isso.

Não obstante, é importante que as atrocidades sejam investigadas; em parte para homenagear as pessoas torturadas, estupradas e mortas; e também para expor as mentiras do Kremlin para um mundo afeito demais a deixá-las passar. Além disso, indiciamentos públicos de militares russos serviriam como um alerta que pode ser capaz de impedir a rodada seguinte de matança.

A procuradora-geral da Ucrânia afirmou em 3 de abril que 410 civis haviam sido mortos nas proximidades de Kiev. Muitos outros cadáveres serão encontrados. A Economist viu o corpo da prefeita de Motizhin, um subúrbio, com os olhos vendados e marcas de tiros, disparados aparentemente pelas forças russas, junto com sua família.

Ira Gavriluk descobre os corpos de seu marido, irmão e outro homem mortos do lado de fora de sua casa em Bucha  Foto: Felipe Dana/AP

Ouvimos detalhes a respeito do assassinato de homens ucranianos em Bucha, ordenado por um comandante russo. A ONG Human Rights Watch relata que soldados russos jogaram uma granada de fumaça dentro de um porão em Vorzel, próximo a Irpin, e atiraram numa mulher e seu filho quando eles saíram do local.

Evidências como essas têm causado, devidamente, indignação mundial. O presidente da Ucrânia e o primeiro-ministro da Polônia acusaram a Rússia de genocídio. O presidente americano, Joe Biden, chamou as monstruosidades em Bucha de crimes de guerra. E o secretário-geral da ONU determinou uma investigação a respeito das mortes, que se soma a várias outras já em andamento.

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Os investigadores provavelmente constatarão que as forças russas deveriam responder pelos crimes, mesmo que não tenham matado em uma escala sistemática que configure genocídio. As Convenções de Genebra, das quais a Rússia é signatária, qualificam como crimes de guerra violações que incluem mortes intencionais, causar grande sofrimento e ter civis como alvo.

As mortes em Bucha se enquadrariam na definição. Assim como o bombardeio no teatro de Mariupol, em que a palavra em língua russa para “crianças” estava escrita em letras grandes o suficiente para serem lidas do alto pelos responsáveis pela pontaria. A própria invasão russa é um crime de agressão, conforme definido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), que julga indivíduos por violações que afrontam o direito internacional.

E os vastos e indiscriminados ataques da artilharia russa contra cidades ucranianas são crimes contra a humanidade, definidos pelo TPI como participação e conhecimento de “ataque generalizado ou sistemático direcionado contra qualquer população civil”.

Infelizmente, indiciamentos dificilmente levarão criminosos de guerra russos à Justiça. Expulsa do Conselho da Europa em 16 de março, em virtude da invasão, a Rússia passou a ignorar o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. E não reconhece a jurisdição do TPI desde 2016.

Isso não impede o TPI de produzir indiciamentos ou emitir mandados de prisão contra russos, mas a aplicação de suas ordens requer que o Conselho de Segurança da ONU denuncie a Rússia ao tribunal — e, como membro permanente do Conselho, o país tem poder de vetar qualquer movimentação do organismo.

Mais sanções

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A Rússia reconhece a Corte Internacional de Justiça, que arbitra a respeito de disputas entre governos, mas essa instância também está submetida às determinações do Conselho de Segurança da ONU.

Uma resposta é mandar mais armas para a Ucrânia e impor mais sanções contra a Rússia. Os EUA vão banir novos investimentos por lá. A União Europeia propôs bloquear navios e caminhões da Rússia, assim como banir todas as importações de carvão do país. A UE deveria fazer mais e também limitar suas compras de petróleo e gás russo.

Outra resposta é as cortes pressionarem com suas investigações. As forças russas têm o dever de proteger os ucranianos, mas os estão tratando como ferramentas de guerra. Em razão do Ocidente — assim como a Ucrânia — rejeitar a visão russa de que o povo é um meio de alcançar objetivo, ele deveria apoiar os esforços dos tribunais para mostrar que cada vida importa.

O processo judicial também evidenciará as mentiras da Rússia, para vergonha dos apoiadores internacionais de Putin. Até agora, o Kremlin tem afirmado que as atrocidades são forjadas e posteriormente usou a ONU para colocar a culpa nos ucranianos e acusá-los de ser nazistas.

E, para a satisfação dos que querem a queda do regime de Putin, indiciamentos podem ajudar a garantir que outros criminosos de guerra percam poder junto com ele. Quem sabe eles não acabam em uma cela? / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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