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Questão de Israel expõe batalha na transição dos EUA

Interferências de Donald Trump na política externa de Barack Obama antes da posse deixam país com ‘dois governos em duelo’

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Por Redação
Atualização:

WASHINGTON - O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, e o líder atual, Barack Obama, vinham mantido a cortesia um com o outro desde as eleições de novembro. Mas com o magnata manifestando com firmeza posições diferentes das do democrata em alguns temas sensíveis, como Israel, e Obama ao mesmo tempo agindo de maneira agressiva para proteger seu legado, ambos se tornaram líderes de dois governos em duelo.

A divisão se ampliou na sexta-feira, quando o governo americano se absteve de votar no Conselho de Segurança da ONU sobre a condenação de Israel pelos assentamentos judaicos em territórios ocupados, permitindo, assim, a aprovação da resolução.

Conselho de Segurança da ONU aprova resolução proibindo ampliação de colônias em territórios palestinos Foto: Manuel Elias / AFP

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Um dia antes, Trump havia pedido publicamente que Obama vetasse a medida, intervindo até mesmo junto ao Egito, a pedido de Israel, para pressionar o governo sobre a votação. “Quanto à ONU”, escreveu o republicano no Twitter após a decisão, “as coisas serão diferentes depois do dia 20 de janeiro”. Esse foi o último de uma série de tuítes publicados ao longo da semana nos quais ele destacou a resolução envolvendo os israelenses, o terrorismo e a proliferação nuclear – contrariando Obama e desprezando a ideia de que o país pode ter apenas um presidente por vez.

O antigo princípio entrou em colapso com a vitória do empresário, que em sua campanha ressaltou a estratégia de quebrar regras e continuou discursando em tons nada moderados. “De certa forma, Trump está neutralizando o governo Obama”, disse Douglas G. Brinkley, professor de história e historiador presidencial na Rice University, em Houston. “Eles têm evitado se atacar pessoalmente, mas, nos bastidores, trabalham para enfraquecer um ao outro, e eu não vejo como isso pode ser benéfico para o povo americano.” 

Na última semana, Trump disse no Twitter que os EUA “precisam fortalecer e expandir sua capacidade nuclear”. Ele também acusou Pequim de um “ato sem precedentes” ao confiscar um drone submarino da Marinha americana no Mar do Sul da China e, após o Pentágono negociar com os chineses o retorno do aparelho, sugeriu que Washington deveria “deixar que eles ficassem” com ele. 

As declarações do presidente eleito são comumente tão vagas e intempestivas que seu impacto de longo prazo nas políticas americanas é questionável. Mas a intervenção dele para pressionar o Egito a postergar a votação no Conselho de Segurança atravessou uma negociação diplomática delicada e talvez tenha empanado a tentativa de Obama de marcar uma última posição no processo de paz do Oriente Médio.

Batalha. “Na prática, a mensagem é que o governo Obama acabou”, afirmou Daniel Kurtzer, ex-embaixador americano no Egito e em Israel. “Todos sabem que essa resolução não tem qualquer peso. O governo de Israel deve tomar medidas de retaliação e, sabendo que Trump tentou impedir a aprovação, fará isso impunemente.”

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Trump tem sido cauteloso e respeitoso com seu antecessor. Assessores do republicano dizem que os dois conversam frequentemente. O magnata, no entanto, tem demonstrado pouca paciência para as tradições do interregno entre presidentes. “O presidente Obama e sua equipe têm sido incrivelmente gentis com o presidente eleito e seus assessores, mas, no fim das contas, ele (Trump) não é alguém que vai apenas ficar esperando sentado”, afirmou Sean Spicer, nomeado por Trump para ser o porta-voz da Casa Branca. 

Não é inédito que um presidente eleito mergulhe em política externa antes de tomar posse. Durante a transição de 1968, Richard Nixon enviou dois assessores – Henry Kissinger e Robert Ellsworth – para uma reunião com autoridades soviéticas, na qual informaram à URSS as ideias do futuro líder americano sobre um tratado de não proliferação nuclear, ideia lançada pelo então presidente no cargo, Lyndon Johnson.

Eliot Cohen, republicano especialista em política externa que trabalhou no governo de George W. Bush e é crítico de Trump, avaliou que o presidente eleito se comunica como se ainda fosse candidato. “Não creio que ele entenda como cada palavra que sai de sua boca pode ter consequências concretas.”

Ainda assim, Trump não tem dado sinais de pretender desistir de suas postagens no Twitter ou baixar o tom de suas declarações públicas durante as próximas semanas, o que poderia levar a mais sinais ambíguos e mais tensão com a Casa Branca até a posse, no dia 20. / NYT

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