Rebeldes pró-Rússia ainda usam o Facebook para recrutar combatentes e disseminar propaganda

Duas denúncias apresentadas aos departamentos de Justiça e Tesouro dos EUA argumentam que o Facebook violou leis ao permitir contas de entidades e indivíduos sancionados

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Por Cat Zakrzewski, Elizabeth Dwoskin e Craig Timberg
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6 min de leitura

THE WASHINGTON POST, MOSCOU - Nos dias que se seguiram à invasão russa à Ucrânia, Aleksandr Zaldostanov, líder de uma gangue de motoqueiros pró-Putin, os Lobos da Noite, conectou-se ao Facebook para difamar o presidente ucraniano e disseminar informações falsas a respeito da guerra.

“A Ucrânia é um pedaço de território arrancado da Rússia, que ainda se contorce de dor sangra”, postou ele em 1.º de março, para mais de 18 mil seguidores. “A Rússia não iniciou uma guerra agora!!! Aqueles que nos dividiram que a iniciaram!”

Ex-médico conhecido pelo apelido de “o cirurgião”, Zaldostanov está na lista de sancionados pelo governo dos EUA desde 2014, em meio a alegações de que ajudou tropas da Rússia a confiscar armas durante sua invasão à Crimeia.

As sanções bloqueiam os bens de Zaldostanov e, de maneira geral, proíbem cidadãos americanos de “fazer negócios” com ele, mas no Facebook ele mantém um perfil muito ativo, postando com frequência mensagens de apoio à Rússia desde o início da invasão.

A horda de entidades e indivíduos sancionados que, como Zaldostanov, mantêm presença robusta no Facebook e no Instagram é objeto de duas novas delações, apresentadas em dezembro e fevereiro, argumentando que o Facebook e sua empresa-mãe, a Meta, são responsáveis por violações “negligentes ou intencionais” das sanções americanas por permitir a existência desses perfis, de acordo com cópias editadas de trechos dos processos analisados com exclusividade pelo Washington Post.

A existência desses perfis, afirmam as denúncias, permitiu que seus autores cultivassem legitimidade global e disseminassem propaganda russa. As queixas identificam outras postagens, que aparentemente recrutam combatentes e pedem ajuda em dinheiro para apoiar os separatistas pró-Rússia, o que, segundo sugerem juristas, poderia violar as leis de sanções americanas, assim como as regras do Facebook.

Um post de um rebelde pró-Rússia conclamava voluntários com experiência “em combate e conflitos armados”. Outro pedia com um vídeo doações para forças separatistas comprarem “equipamentos para os soldados no front” (o Post visualizou independentemente esse conteúdo no Facebook na terça-feira).

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As queixas foram apresentadas aos Departamentos de Justiça e do Tesouro pela Whistleblower Aid, organização sem fins lucrativos que representa Joohn Choe, prestador de serviço do Facebook contratado para analisar a ocorrência de extremismo em suas plataformas depois do ataque de 6 de janeiro de 2021 contra o Capitólio dos EUA. Uma queixa paralela apresentada à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) argumenta que a empresa ludibriou seus investidores. Choe está buscando mecanismos de proteção a delatores da CVM.

Em entrevista ao Post, Choe afirmou que decidiu tornar públicas as queixas depois que a Rússia invadiu a Ucrânia, motivado pela preocupação de que os perfis no Facebook ajudem o presidente russo, Vladimir Putin, a criar uma narrativa para justificar a guerra.

“O Facebook está colaborando conscientemente e facilitando a guerra de informação travada pela Rússia”, afirmou Choe. As postagens da rede social “(legitimam) o pretexto que serve de base nessa guerra”.

Apesar de posts que objetivam levantar dinheiro para milícias parecerem violar os termos de serviço do Facebook, a maior parte das queixas de Choe colide com uma área turva do direito. Especialistas afirmam que houve pouca ação do governo para esclarecer se empresas de redes sociais têm obrigação legal de remover perfis e postagens de muitos indivíduos e organizações sob sanção. Limitar as comunicações de pessoas sancionadas poderiam violar leis que protegem a liberdade de expressão.

Essas questões jurídicas adquirem urgência maior à medida que o governo americano impõe sanções sem precedentes para punir a Rússia por sua agressão à Ucrânia. As queixas dos delatores têm potencial para forçar o governo americano a esclarecer suas próprias posições, afirmou Scott Anderson, especialista em sanções da não partidária Brookings Institution.

A Meta afirma que adere às sanções e que as proibições variam consideravelmente dependendo do tipo de sanção que o governo impõe. A empresa afirma que as sanções costumam ter alvos específicos e nem sempre proíbem as pessoas de manter presença em sua plataforma.

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“Essa alegação falta com a verdade — estamos comprometidos em atender as leis de sanções dos EUA e tratando esses indivíduos e entidades conforme exigido pela legislação americana”, afirmou a porta-voz da Meta, Dani Lever.

Muitas leis de sanções historicamente eximiram o compartilhamento de informação enquanto atividade sujeita a sanção, e até agora empresas de tecnologia resistiram a solicitações para fechar o cerco contra certas figuras: o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, e o aiatolá Ali Khamenei, do Irã, estão nas listas de sanções do governo, mas mantêm presença ativa em várias plataformas de redes sociais.

Empresas americanas não podem prestar serviços ou assistência a entes sancionados, mas o governo fez amplas exceções para meios de comunicação e comunicações pessoais porque não quer ser percebido como supressor de livre expressão, afirmou Anderson. A exceção, conhecida como emenda Berman, remonta aos anos 80, quando os EUA apreenderam revistas e livros vindos de países embargados e sujeitos a sanções.

Internamente, executivos do Facebook debateram como deveriam aplicar leis de sanções sobre seus serviços, de acordo com três fontes cientes das discussões, que falaram sob condição de anonimato para relatar assuntos sensíveis. Executivos da empresa pressionaram o Departamento de Estado por mais clareza nos anos recentes sobre as maneiras como as redes sociais deveriam fazer valer sanções em suas plataformas.

Moradores com suas bagagens atravessam uma ponte destruída enquanto fogem da cidade de Irpin, região de Kiev, Ucrânia Foto: ROMAN PILIPEY

“O Congresso precisa considerar essa questão e deveria especificar com maior clareza, em todos os regimes de sanções, o que é exigido das redes sociais. A ambiguidade é insustentável”, afirmou Brian Fishman, pesquisador-sênior do instituto de análise New America e ex-diretor do Facebook para contraterrorismo, organizações perigosas e política de conteúdo. Fishman afirmou que não tinha nenhum conhecimento específico a respeito das alegações do delator, mas que atuou em temas relacionados a indivíduos e grupos sancionados quando trabalhou para a empresa.

Nas queixas, os advogados de Choe pediram que as agências apurem se a empresa deve ou não pagar multa por violar sanções, a equipe jurídica argumenta que esse montante poderia chegar a dezenas de milhões de dólares. Por registrar a denúncia no programa de delação da CVM, Choe poderia ter direito a uma recompensa em dinheiro.

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“O que eles fazem não é apenas moralmente errado, é ilegal. Não é uma decisão difícil”, afirmou John Tye, fundador da Whistleblower Aid e advogado de Choe, que trabalhou com regimes de sanções dos EUA durante o governo de Barack Obama. Tye afirmou que, com base em sua experiência no Departamento de Estado, as postagens e os perfis identificados não estariam sujeitos a isenções sob a emenda Berman.

A Whistleblower Aid é a mesma organização sem fins lucrativos que representou a ex-gerente de produto do Facebook Frances Haugen em suas revelações à CVM, argumentando que o Facebook mentiu para investidores a respeito da amplitude da desinformação sobre coronavírus, extremismo e tráfico humano presente na plataforma.

As queixas de Choe identificam páginas de Instagram e Facebook ligadas a Denis Pushilin e Leonid Pasechnik, os líderes apoiados pela Rússia nos enclaves separatistas no leste da Ucrânia, ambos na lista de sancionados dos EUA há anos. O Departamento do Tesouro acusou Pushilin de coordenar insurreições em todo o leste da Ucrânia e acusou Pasechnik de contrabandear armas e outros produtos para a Rússia.

Ambos desempenharam um papel central na justificativa de Putin para sua invasão à Ucrânia. O presidente russo declarou que estava acionando “forças de paz” ao mesmo tempo em que reconheceu a independência dessas regiões separatistas, conhecidas como repúblicas populares de Donetsk e Luhansk.

Zaldostanov, Pushilin e Pasechnik não responderam a pedidos de comentários realizados por meio de seus perfis em redes sociais. Pasechnik afirmou publicamente que não será dissuadido por sanções econômicas e prometeu resistir. O Departamento do Tesouro, o Departamento de Justiça e a CVM não responderam imediatamente a pedidos de comentário. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL