Ruas de Buenos Aires ficam desertas em segunda greve geral contra ajustes econômicos de Milei

Protesto levou ao cancelamento de centenas de voos e paralisou as principais linhas de ônibus, trens e metrô, deixando avenidas e ruas vazias, com o comércio funcionando sem clientes

PUBLICIDADE

Foto do author Redação
Por Redação

BUENOS AIRES - Os maiores sindicatos da Argentina lançaram nesta quinta-feira, 9, um de seus mais ferozes desafios ao governo do presidente libertário Javier Milei, organizando uma greve geral em massa no país. O protesto levou ao cancelamento de centenas de voos e paralisou as principais linhas de ônibus, trens e metrô, deixando avenidas e ruas completamente vazias, com o comércio funcionando, mas sem clientes.

PUBLICIDADE

O maior sindicato da Argentina, conhecido por sua sigla CGT (Confederação Geral do Trabalho), disse que estava realizando a greve juntamente com outros sindicatos “em defesa da democracia, dos direitos trabalhistas e de um salário digno”. Os sindicatos lideraram a resistência às políticas de Milei nas ruas e nos tribunais nos últimos meses, apoiados pelos partidos peronistas de esquerda.

A greve de 24 horas contra as medidas de austeridade e desregulamentação controvertidas de Milei ameaçava paralisar completamente a nação de 46 milhões de habitantes, considerando que bancos, empresas e agências estatais também fecharam em protesto. Os coletores de lixo abandonaram o trabalho, assim como os profissionais de saúde, exceto os que atuavam em salas de emergência. Não ocorreram mobilizações em Buenos Aires, mas em províncias como Córdoba, Río Negro e Chubut, grupos de grevistas marcharam com palavras de ordem contra o governo.

Pontos de ônibus vazios na estação Constituición em 9 de maio Foto: Natacha Pisarenko/AP

Héctor Daer, líder da CGT enalteceu sua “contundência” e disse que a adesão maciça “mostra que o governo tem que tomar nota”. Já Milei comparou os líderes sindicais com faraós do Egito. “Sabem como se diz faraó em hebraico? Eu te digo... PARO” [greve, em espanhol].

Protestos ocorreram durante quase todos os dias desta semana, cada dia abrangendo uma categoria diferente. Na segunda-feira, sindicatos dos transportes públicos terrestres, aéreos e marítimos protestaram contra a reforma trabalhista do governo. Na terça-feira, a mobilização foi para exigir aumentos na ajuda às cozinhas populares do país, que se veem afetadas pelo corte de recursos e por uma auditoria do governo sobre corrupção.

A manifestação de hoje marcou a segunda greve sindical nacional desde que Milei chegou ao poder em dezembro, cortando gastos, demitindo funcionários do governo e congelando todos os projetos de obras públicas em uma tentativa de resgatar a Argentina de sua pior crise financeira em duas décadas. Ele também desvalorizou a moeda local, estabilizando o peso, mas também fazendo com que a inflação subisse para aproximadamente 300%, a mais alta do mundo.

Trens da estação Constituição vazios durante a greve geral Foto: Natacha Pisarenko/AP

‘Não tem ninguém’

Alejandro Felippe, de 59 anos, é dono de uma popular cafeteria em frente ao Parque Chacabuco, em um bairro de classe média da capital argentina. “Quem quis abriu as portas, mas não há clientes, nem sequer se parece com um domingo, não justifica o que gasto com luz”, disse ele à AFP, apoiado sobre uma mesa. “As coisas estão muito ruins, o protesto é compreensível, as pessoas só compram o imprescindível”, acrescentou.

Publicidade

A maioria dos comércios abertos era do ramo alimentício, enquanto os poucos ônibus que circulavam estavam quase vazios.

Sentada em um banco do parque com seu cão, Griselda Ottamando, uma aposentada de 72 anos, lamentou não poder aderir à greve. “Mas contribuo não comprando nada. Nós aposentados estamos muito mal, não conseguimos comprar os remédios, precisamos da solidariedade de todos”, disse.

“A opinião pública estava disposta a se mobilizar em certas questões que considera bens coletivos e que estão acima da polarização política”, disse à AFP o cientista político Gabriel Vommaro.

Lixo não recolhido pelo coletores em greve acumulam do lado de fora da estação Constituição, em Buenos Aires Foto: Natacha Pisarenko/AP

A escalada ocorre uma semana depois que Milei obteve sua primeira vitória legislativa, fazendo com que o projeto de lei no centro de sua reforma econômica fosse aprovado na câmara baixa do Congresso, depois de ter sido forçado a retirar uma versão mais abrangente no início deste ano. O projeto de reforma do Estado e os pacotes de impostos propostos estão agora sendo debatidos no Senado, dominado pela oposição.

PUBLICIDADE

Do lado econômico, porém, o presidente acumulou boas notícias, com o primeiro trimestre superavitário da Argentina em 16 anos. As medidas foram elogiadas pelo governo dos EUA e pelo FMI, com que a Argentina renegocia uma dívida bilionária. O outro lado dessa moeda, no entanto, é o aumento exponencial da pobreza, para cifras maiores que as da época da pandemia.

É esse avanço da pobreza, em conjunto com a política de demissões de funcionários públicos, cortes de repasse às províncias, congelamento de salários e uma recessão proposital que tem derrubado o consumo e a produção do país, que impulsiona manifestações quase semanais.

Um ônibus estacionado com a janela quebrada depoos que alguém arremessou uma pedra durante a greve geral Foto: Cristian Kovadloff/AP

No início de abril, dirigentes sindicais e trabalhadores declararam greve em estatais e tentaram entrar em prédios ministeriais do governo em protesto contra a demissão em massa de servidores públicos. Segundo o governo, 15 mil contratos de trabalho temporários se encerraram em março e não foram renovados e o governo espera demitir mais de 70 mil este ano. O protesto terminou em confronto com a polícia em meio a uma operação especial de segurança que colocou até a Polícia Federal nas ruas.

Publicidade

O último grande protesto, em 24 de abril, foi de professores e estudantes das universidades públicas do país que se veem em estado de emergência devido ao corte de repasses. A mais importante deles, a Universidade de Buenos Aires (UBA) teme não ter dinheiro para abrir as portas no mês que vem. Segundo cálculos do jornal La Nación, com base em análises fotográficas, 430 mil manifestantes estiveram presentes no final da tarde — quase o dobro dos participantes no velório de Diego Maradona, que aconteceu durante as restrições da pandemia.

Milei ainda guarda um apoio considerável, em torno dos 50%, mesma cifra que conquistou nas eleições. Mas analistas se questionam até quando o humor social se manterá esperançoso como está agora./Com AFP e Carolina Marins

Trabalhadores dentro do Aeroparque, em Buenos Aires, que ficou vazio durante a greve Foto: Natacha Pisarenko/AP
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.