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‘Starbucks da maconha’: indústria da cannabis na Tailândia cresce e impulsiona negócios locais

A cannabis se tornou parte de jantares em cruzeiros, tratamentos de massagem, espaços sofisticados e excursões rurais

Por Natalie Compton
Atualização:

Escondido do tráfego da cidade em um beco repleto de salões de massagem, prédios de escritórios e hotéis, este lugar lembra muito um bar de coquetéis. Os clientes podem se sentar em poltronas de couro ou nos bancos altos do balcão de madeira em forma de L. As prateleiras, porém, não têm nada de álcool. No lugar das típicas garrafas de bebidas e copos, há bongs, papéis de fumar, trituradores de erva e potes — iluminados dramaticamente — cheios de flores como Critical Purple Kush e Amnesia Haze, a cepa mais popular na loja.

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O All The Smoke Lounge é um dos lugares mais sofisticados para fazer a cabeça em Bangcok.

Milhares de empreendimentos canábicos foram inaugurados na Tailândia desde que o país retirou a maconha de sua lista de narcóticos proibidos, em 9 de junho de 2022, tornando-se o primeiro país na Ásia a descriminalizar a cannabis. Nesse curto período, empreendedores como o dono do All the Smoke, Rithichai “Mai” Chaisingharn, têm transformado a paisagem do reino exponencialmente.

Os turistas argentinos Luciano e Daiana dão uma olhada de perto nas ofertas de maconha na Leaf 5, na Plantopia, a cidade da maconha na Khaosan Road, em Bangkok. Foto: Jittrapon Kaicome / The Washington Post

“A maconha se transformou, da noite para o dia, de uma coisa sinistra como a heroína em algo tão inocente quanto um tomate”, afirmou Chaisingharn, de 39 anos, um maconheiro de vida inteira que fantasiava em abrir um estabelecimento similar a uma tabacaria.

Agora, há bares sofisticados e jantares em cruzeiros em Bangkok regados a cannabis, e é possível encontrar maconha em barraquinhas de madeira e espaços lounge à beira das praias repletas de turistas. Esses negócios ficaram tão lucrativos que “parecem o Starbucks”, afirmou a apresentadora de TV Vanessa Dora Lavorato, de 36 anos, que produz comestíveis elaborados com a erva e visitou a Tailândia em janeiro. “Tem uma loja de maconha em cada esquina.”

Turistas podem receber tratamentos de massagem de 90 minutos com temática canábica que culminam com um banho de banheira em uma infusão da erva nos resorts Anantara, ou reservar uma excursão de meio dia a fazendas de cannabis. Em Bangkok, a empresa de turismo canábico Budler (pronuncia-se como “butler”) está decolando, levando clientes a dispensários, pontos culturais e lugares para comer.

É uma mudança diametral em relação à posição anterior do país a respeito da maconha e à situação da erva no restante da região.

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“O Sudeste Asiático em geral sempre foi realmente muito rígido (em relação às drogas)”, afirmou o escritor Joe Cummings, radicado em Bangkok, que elaborou o primeiro guia Lonely Planet para a Tailândia.

Recuando na ‘guerra às drogas’

Antes da Tailândia tornar a cannabis ilegal, em 1935, a erva era um elemento comum na culinária e na medicina do país. Cummings afirmou que havia uma atitude de tolerância em relação à cannabis na Tailândia quando ele viveu aqui nas décadas de 70 e 80, mesmo após o governo enrijecer as leis contra narcóticos, em 1979.

“Era comum ver em pequenos restaurantes, especialmente em barcos-restaurante que vendem noodles”, afirmou ele. “E quando caminhávamos próximo a alguma doca ou algum tipo de píer, víamos os pescadores fumando abertamente.”

Ao longo do tempo, o governo começou a levar mais a sério sua “guerra às drogas”, incendiando milhões de dólares em maconha no Dia Internacional Contra o Abuso de Drogas e o Tráfico Ilícito. A maconha deixou de ser amplamente acessível, mas ainda era fácil encontrar em lugares frequentados por mochileiros ou zonas de prostituição. Prisões por uso recreativo eram comuns e podiam ocasionar multas.

Mas, afirmou Cummings, as punições por posse de maconha não eram tão severas na Tailândia como nos países vizinhos, como Malásia, Cingapura, Indonésia e Mianmar.

As leis são ainda mais brandas hoje. E depois do governo remover a cannabis de sua lista de narcóticos proibidos, mais de 4,2 mil pessoas encarceradas por supostos crimes relacionados a maconha tornaram-se elegíveis para libertação.

Odor que vai longe

Em sua mais recente viagem para a tranquila Praia de Naiyang, a menos de 3,2 quilômetros do Aeroporto Internacional de Phuket, Marissa Caluzzi reencontrou a areia dourada de sempre, as barracas de comida de rua familiares e o mesmo murmurinho da brisa contra os pinheiros. Mas havia algo diferente no ar. “Era o cheiro”, afirmou Caluzzi, de 56 anos, australiana que frequenta Naiyang há décadas. “As pessoas se sentam nas varandas e fumam, vêm à praia e fumam.”

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Fumar maconha em público é tecnicamente ilegal, um delito punível com uma multa de reparação pública de US$ 780 ou uma possível sentença de três meses de detenção. Em abril, o Departamento da Saúde da Tailândia alertou que a aplicação dessa regra seria mais rígida.

Produtos a base de cannabis com mais de 0,2% de THC são ilegais na Tailândia. (A maioria dos Estados americanos que legalizaram a maconha não impõe limites sobre potência.)

Exceto por essas restrições, qualquer pessoa pode comprar e consumir maconha se tiver mais que 20 anos e não for gestante nem lactante. As pessoas podem até levar maconha em voos domésticos.

“Eu acho isso bom para o turismo”, afirmou o guia turístico Prawit “Wit” Chankasem, de 39 anos, que trabalha em Bangkok há 13 anos. A maconha adquiriu onipresença não apenas em áreas turísticas e cidades grandes, mas também em regiões onde é incomum encontrar forasteiros e estrangeiros. “Eu fui a alguns vilarejos e me impressionei, ‘Nossa, vocês têm lojas de cannabis por aqui’”, afirmou Chankasem.

Chankasem, como outros tailandeses, preocupa-se com a possibilidade da grande disponibilidade da droga poder colocar crianças em risco. Essa preocupação está no centro de esforços recentes de reclassificar a erva como narcótico, sob o argumento de que o uso recreativo é ruim para o país.

“Eles acham que eu estou vendendo uma coisa que está matando a sociedade”, afirmou Chaisingharn, do All the Smoke, a respeito de seus críticos.

Oportunidade agrícola

Cummings afirmou que a demanda por cannabis no país é tão alta “que, mesmo com milhares de hectares dedicados ao cultivo, ainda há escassez neste momento”. Nos seis meses que se passaram desde a inauguração do All the Smoke, afirmou Chaisingharn, outras sete lojas de cannabis e derivados germinaram nas redondezas.

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Isso é boa notícia para pessoas como Cha “Ice” Na, de 33 anos, um novo cultivador de cannabis em Rayong, uma província oriental no Golfo da Tailândia. Depois de sofrer um acidente de moto antes da pandemia, Na voltou-se para a cannabis medicinal para alívio da dor. (A Tailândia legalizou a maconha para uso médico em 2018.)

Quando se recuperou dos terríveis ferimentos, Na ficou tão entusiasmado com a capacidade terapêutica da maconha que começou a cultivar suas próprias plantas. Agora ele tem três grandes salões de cultivo interno e um jardim externo em que planta Wild Thai, uma cepa de Cannabis-sativa considerada rara. Uma vez ao mês, ele vai de carro para Phuket entregar o produto para a Skushi, uma nova loja que atende turistas na Cidade Velha.

Cultivar maconha não vai fazer dele um homem rico, particularmente enquanto a indústria tem de competir com importações contrabandeadas, mas, segundo Na, a atividade rende o suficiente para sustentar ele, sua mulher, “Apple”, e o bebê do casal. Ele também acha que a maconha inspirará turistas a voltar a visitar o país.

“As pessoas vêm à Tailândia para desfrutar de boa culinária, (…) ver belas paisagens, (…) relaxar”, afirmou ele. A cannabis realça essa atmosfera. “Agora eles vão voltar.”

Viagens diferentes

É o caso de Lavorato, que foi à Tailândia visitar um tio e gravar vídeos para seu website, o Edibles Club. Depois de viajar de carro de Bangkok até Hat Yai e saltar de ilha em ilha entre Koh Samui, Koh Tao e Ko Pha Ngan, “Eu faria tudo outra vez amanhã mesmo”, afirmou Lavorato.

A cannabis não foi o impulso principal para Caluzzi passar férias na Tailândia, mas provar maconha algumas vezes “acrescentou um elemento de diversão” à viagem. Com o uso recreativo da erva ilegal na Austrália, ela e seu parceiro, Chris Wessels, de 62 anos, decidiram experimentar a maconha legalizada da Tailândia. Eles tinham seis fornecedores diferentes na pequena Praia de Naiyang ao seu dispor e, depois de escolher um hotel e se consultar com um funcionário, decidiram comprar uns cookies de maconha para compartilhar nos fundos do estabelecimento.

“Ih, não bateu nada”, afirmou Caluzzi. “Eles só fizeram a gente rir um pouquinho, mas nada demais.”

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Seu experimento seguinte foi uma fatia fina de um brownie de maconha — “que chapou muito a gente” — e depois umas balas de gelatina com THC. Eles afirmaram que também provaram sorvetes de avelã e creme fabricados com a erva “que eram gostosos, mas (os efeitos da cannabis eram) bem fracos.”

No All the Smoke, afirmou Chaisingharn, a clientela é 50% de cidadãos locais e frequentadores regulares e 50% de transeuntes aleatórios, que resolvem parar para dar um tapa, e turistas de países em que a maconha é ilegal e que vêm à Tailândia explicitamente pela maconha.

Entre os clientes havia uma mãe com sua filha, de Taiwan, um diretor de hospital de Omã, cientistas e estudantes universitários. Muitos são totalmente iniciantes. Outros “conhecem bem sua erva”, afirmou Chaisingharn.

Ele observa paralelos entre Bangkok e Amsterdã — grandes destinos turísticos que possuem zonas de prostituição famosas — mas não considera a comparação totalmente acurada. “Nós não regulamos a maconha nem como Amsterdã”, afirmou ele. “Aqui a coisa é ainda mais doida.”

Como experimentar de maneira segura

O conselho de Lavorato para curtir maconha na Tailândia é planejar o seu dia: onde ir, o que comer e como voltar para o hotel. “Você quer estar em um lugar seguro, que seja relaxante e com comida por perto”, afirmou ela.

Se você precisar de carona, baixe um aplicativo de transporte como Grab e insira suas informações de pagamento antes de fazer a cabeça. Considere atividades como tomar uma massagem ou ir visitar pontos artísticos ou populares e “não deixe de jeito nenhum de passar nos mercados noturnos”, afirmou ela. Se estiver na praia, tente ir nadar ou mergulhar com snorkel.

Também leve em conta os costumes locais. “A Tailândia é um país muito religioso”, afirmou o fundador da Budler, Berga Huang. “Então é melhor evitar levar cannabis para lugares sagrados, como templos.”

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E apesar de ser possível encontrar pessoas fumando em público, consuma privadamente para evitar o risco de ser interpelado pela polícia. “Como uma cortesia, como se faz com tabaco”, afirmou Chaisingharn.

Quanto ao que fumar, comer ou beber, encontre uma loja ou bar com que você simpatize e converse com algum especialista da equipe. Muitos lugares vendem baseados enrolados, que facilitam a coisa para os iniciantes. Não se acanhe, faça perguntas.

“A maioria das pessoas não sabe muito sobre cannabis na primeira vez que experimenta”, afirmou Huang. “Muitos turistas de países asiáticos onde a cannabis é super ilegal nem sabem por onde começar.”

Note que, apesar dos comestíveis feitos a base de cannabis na Tailândia terem de conter menos de 0,2% de THC, Lavorato afirmou que encontrou produtos muito mais fortes em sua visita. “Posso te dizer que não é isso que está sendo vendido agora”, afirmou ela a respeito das promessas de baixas dosagens.

Você não deve evitar totalmente os comestíveis, mas pode preferir optar pela abordagem conservadora de Lavorato. Coma um pedacinho, espere uma hora, e depois coma mais um pouco, de acordo com o que você estiver sentindo. Se você sentir que a onda está forte demais, Lavorato recomenda “café e comida. É o melhor a fazer”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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