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The Economist: Xi faz defesa do partido único e ameaça Ocidente

No centenário do Partido Comunista da China, ele se gaba dizendo que a autocracia é melhor que a democracia

Por The Economist
Atualização:

PEQUIM - Para todos que acreditam que as pessoas são dotadas de direitos inalienáveis que incluem o direito à vida, à liberdade e à busca pela felicidade, que os governos justos derivam seu poder do consentimento dos governados, foi alarmante ouvir os vivas e aplausos com que foi recebido Xi Jinping nesta quinta-feira, 1, no 100.º aniversário do Partido Comunista

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Falando na Praça Tiananmen, o líder da China tinha acabado de prometer que qualquer estrangeiro que tentasse intimidar a China acabaria “batendo a cabeça contra uma Grande Muralha de aço, forjada com o sangue e os corpos de mais de 1,4 bilhão de chineses”. O partido esmaga as liberdades individuais com implacabilidade despótica. No entanto, seus líderes têm certeza de que governam com o consentimento da ampla maioria. Como resultado, alegam desfrutar da mesma legitimidade que qualquer democracia.

Seria perigosamente complacente descartar a demonstração de apoio na praça e considerá-la um gesto vazio. É verdade que o público foi escolhido a dedo e trazido ao local de ônibus horas antes da chegada de Xi. Quase todos os detalhes do evento foram mantidos em segredo antes da sua realização. 

Mas, como ocorre frequentemente graças à paranoia das autoridades chinesas, tudo isso foi provavelmente desnecessário. Sem a necessidade de estímulo, muitas pessoas comuns manifestam sua sincera admiração por Xi e o celebrariam pessoalmente, se tivessem a oportunidade.

O partido enxerga uma confluência de forças promissoras. Passados 40 anos de progresso econômico, tecnológico e militar, a organização está disposta a receber o crédito por ser uma fonte indispensável de sabedoria, guiando a ascensão da China. Ao mesmo tempo, uma crise de confiança envolve boa parte do mundo democrático. 

Multidão que aplaudiu as palavras de Xi Jinping na Praça Tiananmen foi escolhida a dedo, mas muitos chineses, sem nenhum incentivo, realmente aprovam o presidente Foto: Wang Zhao/AFP

Autocracia

As autoridades se deleitam ao comparar sua autocracia com aquilo que retratam como o caos ocidental. Gostam de apontar para os Estados Unidos, retratados como um inferno de mortos por covid-19, policiais racistas, tiroteios e paralisia bipartidária.

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Na prática, os líderes da China estão tentando refazer definições conhecidas do governo representativo para adaptá-las às necessidades do partido. Se a declaração de independência dos EUA diz que homens livres devem buscar a felicidade como lhes parecer melhor, a mídia chinesa afirma que o partido busca “a felicidade do povo” – algo que certamente virá de cima para baixo. 

Em vez de ecoar as palavras de Abraham Lincoln, ao falar em um governo do povo, pelo povo e para o povo, a mensagem do partido elogia Xi enquanto “líder do povo” cujos anos de serviço dedicado levaram a “pensar em um desenvolvimento voltado para o povo” que se concentra nos “interesses fundamentais da grande maioria”.

Os sistemas políticos ocidentais pensam muito em como os governos conquistam e mantêm o consentimento dos governados, seja por meio de eleições ou da contínua observação de uma imprensa livre, dos partidos de oposição e de um Judiciário independente. O partido argumenta que merece governar por causa das coisas incríveis que faz, sendo vigiado pela própria autodisciplina.

A reivindicação chinesa de legitimidade pelo desempenho, para usar uma expressão da ciência política, costuma ser extremamente detalhada, e até pouco ideológica. Durante o verão chinês, órgãos do partido elogiaram Xi por melhorar o ensino, proporcionar uma renda mais estável e satisfatória, mais confiança no pagamento de aposentadorias, serviços médicos melhores, habitações mais confortáveis e um meio ambiente mais belo. 

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Este foco na solução de problemas do mundo real é a prova de que a “democracia socialista”, ou seja, um governo por tecnocratas não eleitos, seria mais “autêntica” do que os sistemas políticos ocidentais. De acordo com a narrativa das autoridades chinesas, os políticos ocidentais só se preocupam com os interesses de algumas pessoas, e o fazem periodicamente, quando chegam as eleições.

Embora Xi seja um autoritário, exigindo rigorosamente trabalho duro, disciplina e sacrifício por parte dos membros do partido e das massas, ele também tem um lado populista. Ele e seus conselheiros tomam o cuidado de apresentar listas insossas de feitos com histórias emotivas a respeito de heroicos funcionários do partido, incluindo aqueles que morreram como mártires em batalha ou servindo em lugares inóspitos e perigosos. 

Um evento de gala em celebração do centenário, no Estádio Olímpico de Pequim, apresentou uma série de elaboradas minidramatizações, entre elas uma que retratava médicos e enfermeiras vestidos de branco combatendo a covid-19.

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Quando Chaguan foi transferido para Pequim pela primeira vez para trabalhar como repórter, há 23 anos, as autoridades eram um pouco defensivas em relação ao regime de partido único. Descreviam seu sistema político como obra em andamento, condizente com uma China ainda pobre. Às vezes, era difícil ver o partido enquanto líderes reformistas atraíam empresários estrangeiros. 

Os diretores visitantes costumavam se reunir com ministros, prefeitos e reitores de universidades, e não com o verdadeiro chefe de cada instituição, seu secretário do partido. Agora, autoridades do alto escalão falam abertamente da sua fé no partido, como padres descrevendo uma vocação. “Leste, oeste, sul, norte, o partido lidera tudo”, diz Xi.

Em antecipação ao centenário, Xi visitou locais revolucionários e insistiu a todos que estudassem a história do partido. Isso não inclui as crueldades da era de Mao, praticamente omitidas da história representada no centenário. Quem insiste em lembrar dos milhões de mortos produzidos pelos piores erros do partido corre o risco de ser acusado de “niilismo histórico”, ou o crime de difamar heróis do partido.

Cada vez mais, o partido se mostra indisposto a aceitar críticas com base em princípios contra sua autocracia do século 21, que a organização descreve como moralmente equivalente a qualquer democracia. Na verdade, essa alegação nunca foi posta a prova. 

Para começar, censores, propagandistas e agências de segurança dedicam muito esforço a ocultar erros e silenciar críticos, e com isso é impossível dizer que o consentimento do público seria plenamente informado. Além disso, todo sistema político e econômico acaba cometendo erros grandes demais para serem ocultados, como uma crise financeira ou uma derrota em guerra.

Como muitos especialistas no Ocidente poderão dizer, a reputação de competência é um bem preciso até o momento em que deixa de sê-lo. A China evitou uma crise grave, com o potencial de abalar a sociedade, após os protestos da Praça Tiananmen de 1989. Mas outra crise virá e, nesse momento, outras formas de legitimidade serão necessárias. 

Até o foco do partido em atender aos interesses da maioria é um problema. Isso envolve passar por cima de grupos que englobam milhões de pessoas, desde os muçulmanos em Xinjiang até os defensores da democracia em Hong Kong. Com 100 anos de história, este é um partido (e uma festa) para o qual nem todos são convidados. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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© 2021 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

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