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Thomas Friedman: Por que o vice será importante nas eleições de 2024 nos EUA

Idade de Biden e busca por voto moderado tornam escolha crucial para democratas e republicanos

Por Thomas Friedman (The New York Times)
Atualização:

Algumas semanas atrás, um dos intelectuais mais famosos da França, Bernard-Henri Lévy, deu entrevista ao New York Times a respeito de seu novo documentário, Slava Ukraini, e disse algo que me ajudou a entender por que, conforme me aproximo do meu 70.º aniversário, continuo querendo ser jornalista.

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Ao ser questionado por que, aos 74 anos, ele desviou de foguetes na Ucrânia para registrar a selvageria da invasão russa, Lévy disse: “Na Ucrânia, eu senti pela primeira vez que o mundo que conheci, o mundo no qual eu cresci, o mundo que eu quero deixar para meus filhos e netos pode acabar”.

Eu sinto exatamente esse mesmo medo. Por isso, o foco das minhas colunas nestes dias tem sido bastante estreito. Há três coisas que não podem ser permitidas.

Não podemos permitir que Israel seja transformado em uma autocracia, como a Hungria de Viktor Orbán. Não podemos permitir que a Ucrânia caia nas mãos de Vladimir Putin. E não podemos permitir que Donald Trump ocupe a Casa Branca outra vez. Se essas três coisas ocorrerem, o mundo que eu quero deixar para meus filhos e netos poderia ruir completamente.

Forças de segurança de Israel tentam conter manifestantes contrários à reforma judicial no país, na cidade de Tel-Aviv Foto: Jack Guez/AFP - 29/4/2023

O Estado de Israel – a única democracia pluralista funcional no Oriente Médio e moderada pelo estado de direito, apesar de imperfeita – estaria perdido.

A União Europeia – os Estados Unidos da Europa, o maior centro multiétnico de mercados livres, pessoas livres e direitos humanos no planeta – ficaria à mercê de Putin.

E os EUA, com um Trump vingativo de volta à Casa Branca, efetivamente perdoado por seus muitos ataques contra nossas instituições democráticas e seu assalto contra a integridade das nossas eleições, jamais seriam os mesmos. Trump estaria incontido – um pensamento totalmente arrepiante.

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É através dessas lentes que quero falar a respeito do anúncio de Joe Biden, na terça-feira, de que ele concorrerá à reeleição acompanhado novamente de Kamala Harris. A capacidade de Biden terminar o atual mandato e navegar de maneira bem-sucedida por um segundo é crucial para todos os cenários mencionados acima. E é por isso que, agora que Biden declarou que vai disputar, ele tem de vencer.

O presidente Joe Biden concorrerá à reeleição acompanhado de sua vice, Kamala Harris; na imagem, os dois em evento em Atlanta Foto: Patrick Semansky/AP - 11/1/2022

Mas ainda que você possa pensar que a eleição de 2024 será muito provavelmente uma reprise da disputa de 2020, não é este o caso para os democratas. Desta vez, a companheira de chapa de Biden será realmente importante.

Sempre ouvimos que, no fim das contas, as pessoas votam no candidato à presidência, não à vice. Mas, já que Biden terá 86 anos no fim de um segundo mandato – e portanto a chance de sua saúde decair não é pouca –, será exigido das pessoas que votem tanto na candidata a vice quanto nele, talvez mais do que em qualquer outra eleição na história americana.

A média mais recente de pesquisas do site FiveThirtyEight, considerando todas as sondagens de aprovação de Biden, constatou que 51,9% dos americanos desaprovam o desempenho de Kamala Harris e 40% aprovam, aproximadamente os mesmos números de Biden.

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Permita-me ser claro: eu votei em Joe Biden – e não estou arrependido. Ele é um bom homem e tem sido um bom presidente, melhor do que as pesquisas fazem transparecer.

A aliança ocidental que ele montou e manteve unida para combater a invasão russa à Ucrânia foi uma aula-magna de gestão de defesa da ordem democrática na Europa. Pergunte a Putin.

A maneira que Biden disse ao primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, que não se deixou enganar pelo golpe contra o Judiciário mascarado de “reforma judicial”, tem sido uma fonte tremenda de encorajamento para os centenas de milhares de israelenses que têm tomado as ruas para defender sua democracia.

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E em relação às questões domésticas que eu mais estimo – reconstruir a infraestrutura dos EUA, garantir a liderança americana na manufatura dos microchips mais avançados que alimentarão a era da inteligência artificial e incentivar as forças de mercado a produzir a energia limpa em grande escala que precisamos para mitigar os piores impactos das mudanças climáticas – Biden entregou mais do que as minhas mais elevadas esperanças.

Ele seria meu candidato, não importa sua idade, enquanto seja capaz fisicamente e mentalmente, porque eu não conheço nenhum outro democrata com sua combinação entre habilidades políticas, sua convicção essencial na necessidade e na possibilidade da unidade nacional, sua cancha internacional e sua capacidade de discordar dos apoiadores de Trump sem tentar humilhá-los. Biden quer verdadeiramente livrar nosso sistema político de todo esse veneno.

Mas estou bastante ciente de que muitos americanos não compartilham dos meus pontos de vista. E sei bem que aqueles cerca de 30% de republicanos devotos a Trump estão provavelmente fora de alcance – e nada que Biden possa dizer os fará mudar de ideia. Não são eles, porém, que decidirão a próxima eleição.

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Eleitores independentes

Conforme o site Axios noticiou, em 17 de abril, uma pesquisa Gallup de março “constatou que 49% dos americanos, um recorde, consideram-se independentes politicamente – o que equivale às preferências por ambos os grandes partidos somadas”.

Isso significa que há muitos conservadores moderados, com princípios, e independentes que não votarão ou preferirão não votar em Trump novamente. Muitos desses eleitores demonstraram essa posição nas eleições de meio de mandato, em 2022, o suficiente para evitar que virtualmente todos os grandes negacionistas eleitorais trumpistas concorrendo para cargos estaduais e nacionais conquistassem poder. Seus votos ajudaram a salvar nossa democracia.

Se a corrida eleitoral de 2024 for novamente entre Biden e Trump, nós precisaremos que esses independentes e republicanos moderados se apresentem outra vez. Mas agora, por causa de sua idade e da possibilidade de ele não ser capaz de completar um segundo mandato, a vice de Biden terá muito mais importância.

Dado o que está em jogo, Biden precisa convencer seu partido – e mais importante, os eleitores independentes e republicanos moderados – de que Kamala Harris é a melhor escolha para suceder-lhe, caso ele não seja capaz de completar seu mandato. Biden não pode ignorar essa questão, porque ela estará nas mentes de muitos eleitores no momento do voto.

Em imagem de arquivo, a vice-presidente americana, Kamala Harris, concede entrevista coletiva em El Paso, Texas Foto: Jacquelyn Martin/AP - 25/6/2021

Ao mesmo tempo, Kamala precisa defender a si mesma, idealmente demonstrando com mais contundência o que é capaz de realizar. Algo que Biden pode considerar é encarregá-la de garantir que a transição dos EUA para a era da inteligência artificial trabalhe para fortalecer comunidades e a classe média. Trata-se de um tema importante, com potencial de levá-la a todas as partes do país.

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Estou apavorado com a possibilidade das eleições terem uma chapa democrata que dê aos republicanos moderados e aos independentes – desesperados por uma alternativa a Trump – qualquer desculpa para gravitar de volta na direção do ex-presidente.

E estejam atentos. Trump não é nada bobo. Se ele for indicado pelo Partido Republicano, eu consigo imaginar facilmente ele convidando uma mulher republicana mais moderada, como Nikki Haley, para ser sua companheira de chapa, ciente de que sua presença na cédula poderia ser um incentivo que dê a pelo menos parte desses republicanos e independentes que rejeitam Trump uma desculpa para tapar o nariz e votar nele outra vez.

Não tenham dúvida: a vice-presidência será realmente importante em uma eleição realmente importante. Porque eu não quero que Biden vença a reeleição por 50,1%, eu quero que essa votação expresse uma rejeição esmagadora ao trumpismo e a sua política divisionista.

Eu quero mandar uma mensagem estridente para todo o mundo – para todos os Putins, Netanyahus e Orbáns – que há mais de nós, americanos, na centro-direita e na centro-esquerda, muito mais gente disposta a trabalhar junta pelo bem comum do que pelo ódio e pela divisão. Os EUA que devemos transmitir para os nossos filhos e netos são assim. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL


*É colunista e ganhador de três prêmios Pulitzer

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