Trump recebe Netanyahu para discutir próximos passos em Gaza; entenda as chances de a trégua avançar

Donald Trump e Binyamin Netanyahu devem se encontrar nesta terça-feira, 4, para discutir a segunda fase do cessar-fogo em Gaza; partidos de extrema direita em Israel querem retornar a guerra

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Foto do author Daniel Gateno

A primeira fase do cessar-fogo entre Israel e o grupo terrorista Hamas segue em curso, apesar da desconfiança de ambas as partes e claras violações. A frágil trégua aliviou momentaneamente o sofrimento de israelenses e palestinos totalmente emergidos em uma guerra que já dura 15 meses. Agora, o desafio será avançar à segunda fase do acordo, que será discutido nesta terça-feira, 4, com a reunião entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, na Casa Branca.

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Netanyahu é o primeiro líder estrangeiro a se reunir com Trump na Casa Branca neste segundo mandato. Antes de embarcar para Washington, o primeiro-ministro ressaltou que quer atingir uma “era de paz” no Oriente Médio. Já o presidente americano apontou em diversos momentos que deseja acabar com a guerra na Faixa de Gaza e garantiu um acordo de cessar-fogo antes do início de sua administração. Ontem, no entanto, Trump disse não ter nenhuma garantia que a trégua irá se manter.

Atingir a segunda fase da trégua promete ser mais complexo. É preciso fazer com que os israelenses saiam de Gaza e traçar um plano para a reconstrução e governabilidade do território. Para Netanyahu, um acordo para o fim da guerra pode derrubar o seu governo, que é mantido apenas com o apoio de partidos de extrema direita.

“Os cálculos políticos de Netanyahu são um desafio para atingir a segunda fase”, aponta Hugh Lovatt, analista especializado em Oriente Médio do European Council on Foreign Relations. “Membros de extrema direita da coalizão de Netanyahu já ressaltaram que querem retomar a guerra após a primeira fase do acordo e Netanyahu já bloqueou outros acordos anteriormente por querer manter o seu governo. Ele pode fazer isso de novo”.

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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, cumprimenta o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, em Jerusalém, Israel  Foto: Sebastian Scheiner/AP

Como manter o cessar-fogo?

A manutenção do acordo até agora evidenciou o desafio dos negociadores. Nas últimas semanas, o cessar-fogo precisou ser remendado pelos mediadores em diversos momentos e nada garante que o conflito não será reiniciado. No domingo, 2, um avião israelense disparou contra um carro em Gaza que estava avançando em direção ao norte do território em uma rota não autorizada.

Mas analistas entrevistados pelo Estadão apontam que ambas as partes desejam a implementação da primeira fase da trégua.

“A primeira fase deve ser completada, mesmo com todas as acusações de ambos os lados”, aponta Hussein Ibish, analista do Arab Gulf States Institute em Washington. “Em todas as fases do acordo os dois lados vão se acusar do não cumprimento da trégua, mas o Hamas está comprometido com a primeira fase e Israel também, principalmente porque Trump quer que aconteça”.

Soldados israelenses são libertadas do cativeiro do Hamas na Cidade de Gaza  Foto: Abed Hajjar/AP

Na primeira etapa do cessar-fogo de 42 dias, as forças israelenses se retiraram dos centros populacionais de Gaza e foi permitido o retorno de palestinos ao norte do enclave palestino. Até agora, 13 reféns foram libertados e o acordo prevê que outros 20 saiam de Gaza nas próximas semanas, mas nem todos estão vivos. Em troca dos reféns, mais de 1.500 prisioneiros palestinos estão sendo liberados das prisões israelenses e cerca de 600 caminhões de ajuda humanitária estão entrando no enclave palestino.

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O comprometimento de Israel com a próxima fase não é certo. “Israel até agora foi bem ambíguo em relação à segunda fase e disse que pode voltar a guerra a qualquer momento, mas eles estão sob imensa pressão de Trump e todos os reféns só serão libertados depois da segunda fase”, disse Ibish.

Caso um acordo seja alcançado para a próxima etapa, o Hamas libertaria o restante dos sequestrados vivos, principalmente soldados homens, em troca de mais prisioneiros e da “retirada completa” das forças israelenses de Gaza. O grupo terrorista ressaltou que não libertaria os reféns restantes sem o fim da guerra e uma retirada israelense completa de Gaza, enquanto o primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu prometeu só encerrar a guerra após destruir as capacidades militares do Hamas.

Em uma eventual terceira fase, os corpos dos reféns restantes seriam devolvidos em troca de um plano de reconstrução de três a cinco anos que seria executado em Gaza sob supervisão internacional.

Caminhões com ajuda humanitária entram na Faixa de Gaza após o acordo de cessar-fogo entre Israel e o grupo terrorista Hamas  Foto: Jehad Alshrafi/AP

Israel e sua política interna

Em Israel, negociações envolvendo o fim da guerra poderiam significar o fim do governo Netanyahu. Itamar Ben-Gvir, líder do Partido do Poder Judaico, de extrema direita, saiu da coalizão após o acordo de cessar-fogo, mas o ministro da Economia, Bezalel Smotrich, do Partido Religioso Sionista, segue no governo. Ambos querem que Israel siga lutando em Gaza e já ressaltaram que são favoráveis a assentamentos israelenses no enclave palestino.

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Se Smotrich sair do governo, a coalizão de Netanyahu cai. O líder da oposição, Yair Lapid, afirmou que poderia entrar no governo de Netanyahu para garantir a segunda fase do acordo, mas é incerto se Netanyahu aceitaria a proposta.

Para Yuval Benziman, professor do departamento de direito internacional e resolução de conflitos da Universidade Hebraica de Jerusalém, a pressão de Trump e a opinião favorável do público israelense em relação ao acordo podem ter convencido Netanyahu a não pensar em sua coalizão.

“Em Israel todos são muito pró-acordo, as pessoas estão vendo os reféns voltando e se reunindo com suas famílias e querem que isso continue”, destaca Benziman. “Todas as pesquisas mostram que a população israelense quer que o acordo continue e os partidos de extrema direita, que são contra o cessar-fogo, estão perdendo força”.

O paramentar Itamar Ben-Gvir conversa com jornalistas em uma marcha em Jerusalém, Israel  Foto: Ariel Schalit/AP

Para acabar com a guerra, Israel também teria que admitir que não conseguiu destruir completamente a capacidade militar e governamental do Hamas, uma meta anunciada por Netanyahu após os ataques terroristas de 7 de outubro de 2023, que deixaram 1,2 mil mortos e 250 sequestrados.

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“É preciso aceitar que o Hamas não está destruído, esta meta era impossível de ser atingida”, avalia Benziman. “Se Israel ainda quiser atingir esta meta, então o cessar-fogo vai cair, mas isso significaria continuar a guerra para sempre porque isso não vai acontecer”.

Durante a libertação dos reféns, o Hamas tentou mostrar que segue no comando da Faixa de Gaza e está bem equipado depois de 15 meses de guerra, com carros novos, câmeras caras e armas. Segundo dados da inteligência americana, o Hamas recrutou 15 mil novos combatentes desde o inicio da guerra.

Terroristas do Hamas e da Jihad Islâmica participam de cerimônia para a libertação de reféns israelenses, na Cidade de Gaza  Foto: Abed Hajjar/AP

Hamas e os possíveis ganhos com a trégua

O grupo terrorista declarou que está comprometido com a trégua e quer negociar a segunda fase do cessar-fogo. Para Hussein Ibish, mudanças no tabuleiro político do Oriente Médio fizeram o Hamas desejar o fim da guerra em Gaza.

O ataque terrorista de 7 de outubro de 2023 foi realizado pelo braço militar do Hamas, as brigadas Al-Qassam, que foram muito enfraquecidas pela morte de líderes como Yahya Sinwar e Mohammed Deif em Gaza. Esta ala desejava uma guerra regional no Oriente Médio, com a participação do Irã, Hezbollah, o então governo Bashar Assad na Síria e os Houthis, no Iêmen, mas o objetivo não foi atingido.

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“Esta ala do Hamas contava que teria uma vasta rede de aliados pró-Irã na região que poderiam ajudá-los, mas tudo isso ficou em ruínas. O Irã está enfraquecido, o Hezbollah está tentando juntar as suas peças novamente e o governo Assad caiu na Síria”, apontou o especialista. “Houve uma mudança na estrutura de poder do Hamas, a ala militar que tinha o maior apoio do Irã perdeu poder para a ala política, mais ligada ao Catar e a Turquia”.

Para Ibish, o gabinete político do Hamas está mais focado em garantir a reconstrução de Gaza e se colocar como entidade governamental no enclave palestino. “A liderança do Hamas que realmente está no poder quer que a guerra acabe, principalmente desde que o regime Assad caiu em dezembro”.

Trump e o desejo de se tornar um pacificador

Trump declarou que queria um acordo de cessar-fogo até a sua inauguração, no dia 20 de janeiro, e segue comprometido com a implementação da trégua. O enviado especial do republicano para o Oriente Médio, Steve Witkoff, se envolveu nas negociações desde antes de Trump assumir a Casa Branca e forçou Netanyahu a aceitar o acordo.

Para Benziman, da Universidade Hebraica de Jerusalém, se Trump quiser que a guerra acabe, o conflito será terminado. “Depende muito mais de Trump do que de Netanyahu, mas ele é muito imprevisível, então não sabemos o que vai acontecer”.

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A administração Trump sinalizou que quer avançar rapidamente com a segunda fase do acordo. Witkoff se encontrou com lideranças do Catar, Arábia Saudita, Autoridade Palestina e Israel na semana passada e chegou até a visitar a Faixa de Gaza.

Em entrevista ao portal americano Axios, Witkoff afirmou que a reconstrução do território palestino poderia demorar de 10 a 15 anos. “É impressionante a destruição, não há água e nem eletricidade. Foi importante ir até Gaza para ver isso”, apontou o enviado.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, discursa no Quarto Roosevelt, na Casa Branca  Foto: Julia Demaree Nikhinson/AP

Futuro de Gaza e reconstrução

A maior dúvida sobre o fim da guerra é o futuro da Faixa de Gaza. Israel declarou que não aceita retornar a realidade pré-7 de outubro, com o Hamas governando um território que fica há poucos quilômetros de distância de diversas comunidades do sul de Israel. A Autoridade Palestina, que governa partes da Cisjordânia, disse que estaria disposta a governar o enclave palestino, mas o Hamas não aceitaria ficar de fora.

“A Autoridade Palestina poderia retornar a Gaza para governar o território, o Hamas está aberto a isso, mas Israel ainda não”, aponta Hugh Lovatt, do European Council on Foreign Relations. “O Egito sugeriu um comitê com diversas lideranças palestinas independentes como uma possível forma de governança de Gaza, mas o Hamas e a Autoridade Palestina precisariam fechar um acordo”.

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O enclave palestino também precisa ser reconstruído depois do fim do conflito, mas ainda não está claro quem financiaria a reconstrução e se Israel permitiria isso. Países do Golfo estariam dispostos a bancar a reconstrução, mas não sem um acordo de condições que poderia garantir um caminho para o estabelecimento de um Estado palestino.

Palestinos inspecionam os escombros de uma rua em Khan Younis, no sul de Gaza  Foto: Fatima Shbair/AP

A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que 69% das estruturas em Gaza foram danificadas ou destruídas, incluindo 245 mil casas. A organização também aponta que 50 milhões de toneladas de entulho se espalharam em Gaza e levaria mais de 15 anos para remover os escombros. Segundo o ministério da Saúde de Gaza, que é controlado pelo Hamas e não diferencia civis de terroristas, 46 mil palestinos morreram no enclave palestino durante o conflito.

Trump tem insistido na ideia de que países como Egito e Jordânia poderiam receber palestinos durante uma eventual reconstrução de Gaza, uma sugestão ventilada pela extrema direita israelense e totalmente rejeitada por todos os países árabes.

“Esta ideia é totalmente fora da realidade, os países árabes são contra ela e logisticamente é muito difícil. Como os palestinos de Gaza chegariam na Jordânia?”, questionou Ibish, do Arab Golf States Institute. “Trump sempre olhou para o conflito entre israelenses e palestinos como um acordo imobiliário. Não pode ser resolvido desta forma”.

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