Virada conservadora na Holanda mira maconha

Congresso renovado tende a ampliar restrição a coffee shops de Amsterdã, que já não podem abrir perto de escolas; lei sobre cultivo irá a votação

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Por Andrei Netto e AMSTERDÃ
Atualização:

A inconfundível fachada listrada em amarelo e preto ainda chama a atenção dos transeuntes da Vijzelgracht, uma das avenidas mais importantes do centro de Amsterdã. Mas aqueles que um dia passaram pelo número 33 em busca de skunk a 4 euros se surpreenderão com o destino do mais antigo coffee shop da capital da Holanda. 

Fundada em 1967, a Mellow Yellow foi ao longo de cinco décadas um dos redutos do consumo de maconha e um símbolos da cultura liberal dos holandeses. Mas, desde 1.º de janeiro, suas cortinas metálicas não se abrem mais.

Turistas examinam maconha em café de Amsterdã: novo premiê quer mais restrições ao consumo Foto: Michel de Groot/The International Herald Tribune

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Mellow Yellow tornou-se um dos 22 coffee shops fechados em 31 de dezembro pela prefeitura de Amsterdã na região central da cidade. Eles fazem parte de uma política cada vez mais restritiva que fez com que, em 20 anos, a capital perdesse mais da metade de seus 350 célebres cafés, onde holandeses e estrangeiros compram maconha sem que a polícia os incomode.

O cerco ao consumo de drogas ditas “recreativas” vem ocorrendo em função do retorno gradativo do conservadorismo na sociedade holandesa, que deu mais um passo à direita nas eleições de quarta-feira. O resultado do último pleito ao Parlamento, vencido pelo atual primeiro-ministro Mark Rutte, indica que os três maiores partidos são a favor da limitação progressiva da existência dos coffee shops.

Sozinhos, o liberal-conservador VDD, o populista PVV e o democrata-cristão CDA somam 69 deputados de um total de 150. Se eles se unirem em votações pontuais ao nanico União Cristã (CU), terão a maioria para aprovar textos contrários à regulamentação do comércio de maconha.

Essa situação faz com que experts no tema, como August De Loor, criador de políticas de drogas e de redução de danos, há 30 anos consultor do Ministério da Saúde e da prefeitura de Amsterdã, projetassem para dentro de 10 anos o fim dos coffee shops e das políticas liberais para o consumo de drogas na Holanda. “Estamos vivendo o pior momento em cinco décadas”, afirmou De Loor ao Estado. O pesquisador defende a existência dos cafés por considerá-los locais próprios a um consumo social controlado, longe das redes de tráfico, de criminalidade e do abuso das drogas pesadas, como a heroína. “Não creio que fecharão todos os coffee shops, mas vão diminuir o número drasticamente.”

O fechamento progressivo vem acontecendo sob dois pretextos principais: combater a existência de cafés situados próximos de escolas – razão pela qual Mellow Yellow deixou de existir – e reduzir o turismo internacional ligado ao consumo da erva. 

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Nas próximas semanas, um projeto de lei que regulariza a produção de maconha no país, proposto pelo Partido Trabalhista – derrotado nas eleições – e aprovada por curta maioria (77 contra 72) em primeiro turno na Câmara, em 21 de fevereiro, terá de ser votado pelo Senado. 

Para Joachim Helms, presidente da União dos Revendedores de Cannabis, um sindicato que representa mais de 100 proprietários de coffee shops holandeses, a legalização da produção de maconha colocaria fim a 50 anos de contradição na política pública sobre o tema. O cultivo ilegal, segundo ele, abre as portas para um tráfico internacional de drogas tácito e tolerado pelo Estado. 

Para Helms, se o Parlamento não aprovar a produção pelos próprios coffee shops ou por produtores autorizados pela administração pública, uma oportunidade de corrigir o problema será perdida. “A contradição entre poder consumir, mas não poder produzir é muito forte”, diz Helms, proprietário de quatro coffee shops Green House, bastante frequentadas pelo público brasileiro em Amsterdã. Por ora, Helms ainda prefere ser otimista sobre o futuro, mas não arrisca um prognóstico sobre o voto no Senado.

'Passe da erva'. Embora seja administrada por políticos de linha liberal, Amsterdã vem sendo obrigada pelo governo nacional a fechar coffee shops sob pena de uma intervenção ainda mais severa. Caso se recuse, a capital poderá ser obrigada a adotar o chamado “Weed Pass” (passe da erva, em tradução livre), a carteira de residente na Holanda que dá direito a frequentar os cafés – excluindo turistas estrangeiros. 

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A identidade já é exigida no interior do país, mas a capital conta até aqui com salvo conduto. “Se não aceitássemos um acordo (em torno do fechamento de coffee shops próximo a escolas), nós seríamos forçados a adotar o Weed Pass, e então teríamos grandes problemas”, admitiu o porta-voz da prefeitura de Amsterdã ao jornal britânico Telegraph. “Essa é a forma que encontramos de proteger os 167 coffee shops de Amsterdã.” 

Em outros países, como o Uruguai, que recentemente regulamentou a venda e a produção de maconha, a droga pode ser comercializada apenas com cidadãos uruguaios. A medida foi adotada justamente para evitar o “turismo canábico”, com base na experiência holandesa. Com isso, turistas estão excluídos da venda da droga.

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