Ancestrais dos humanos visitaram uma Arábia verdejante

Há quase 500 mil anos, havia gramados pré-históricos onde hoje vemos apenas um deserto

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Por Nicholas St. Fleur
Atualização:

Enterrados no deserto da Arábia há indícios do passado úmido e verde da península. Fósseis de elefantes, antílopes e jaguares há muito extintos traçam o esboço pré-histórico não de uma paisagem desolada, e sim de uma savana repleta de fontes de hidratação.  Agora, os cientistas encontraram o que acreditam ser evidências da presença de antepassados dos primeiros humanos que viveram entre 300 mil e 500 mil anos atrás.

Se confirmados, os fragmentos de pedra e ossos de animais abatidos seriam evidência da presença dos primeiros hominini - membros extintos do gênero Homo, mas, provavelmente, não da nossa espécie - na Península Arábica pelo menos 100 mil anos antes do que se sabia anteriormente.

Presa de elefante encontrada no Deserto do Nefud, que, de acordo com os cientistas, já foi coberto pela grama e pela vegetação Foto: Michael Petraglia

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Publicadas no mês passado na revista Nature Ecology & Evolution, as revelações indicam também que os primeiros hominini não precisaram de adaptações evolutivas antes de migrarem da África para a Arábia. “A expansão da savana levou consigo os humanos desse período", disse o arqueólogo Michael Petraglia, do Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana, na Alemanha, e um dos autores do estudo, depois de procurar indícios de uma “Arábia verdejante".

A Península Arábica, que liga a África à Eurásia, era considerada demasiadamente árida para a travessia dos primeiros hominini. Mas descobertas recentes indicam que a região pode ter passado por ciclos de desertificação e vegetação.  No início do ano, a equipe do Dr. Petraglia encontrou o osso de um dedo de Homo sapiens de quase 90 mil anos atrás, identificando também cerca de 10 mil lagos antigos e secos usando imagens de satélite.

Alguns anos atrás, ele e os colegas recuperaram fósseis de vários animais extintos encontrados no Deserto do Nefud, na Arábia Saudita. Uma costela apresentava marcas de corte feitas com uma afiada ferramenta de pedra. “Não percebi que aquela seria a mais antiga evidência da presença de pessoas na península, diferente de tudo que já tinha sido encontrado antes", disse Mathew Stewart, estudante da Universidade de Nova Gales do Sul, em Sydney.

A equipe encontrou fragmentos de pedra tipicamente produzidos na fabricação de algumas ferramentas, evidência da ação dos hominini no corte daqueles ossos. Além disso, reuniu também mais de 20 dentes fossilizados de antílopes, elefantes e cavalos antigos.  Patrick Roberts, também do Instituto Max Planck e principal autor do estudo, analisou os dentes. Seu trabalho revelou que os mamíferos comiam plantas encontradas em gramados, e que as condições eram muito mais úmidas na época.

Duna no Deserto do Nefud, de onde foram recuperados fósseis de vários mamíferos extintos Foto: Klint Janulis

A equipe diz que os fósseis podem ter até 500 mil anos. As evidências mais antigas do Homo sapiens são de aproximadamente 300 mil anos atrás, encontradas no Marrocos, e, por isso, os cientistas não acreditam que os hominini responsáveis por essas marcas seriam Homo sapiens. 

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Isso significa que os primeiros hominini não precisaram de equipamento biológico para enfrentar um ambiente mais árduo do que aquele que estavam deixando para trás. “Esses hominini encontraram na Arábia coisas bem semelhantes àquilo que imaginamos como típico da savana da África Oriental de hoje", disse o Dr. Roberts. “Eles não estão se dispersando no deserto; para nós, parece uma expansão natural do seu alcance.”

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