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As casas abandonadas do Instagram

Antigamente, pessoas viviam nesses lugares. Quais mistérios elas deixaram para trás?

Por Lia Picard
Atualização:

As trepadeiras tomam conta aos poucos da casa, que parece estar prestes a desmoronar. A casa colonial em Roscoe, Nova York, um povoado na região de Catskills, estava decrépita - o que a tornava ainda mais interessante para Bryan Sansivero, 36 anos, e um amigo, que tinham chegado antes do amanhecer. Eles entraram na residência mofada e vazia, que era não bem uma residência, porque ninguém residia ali, e sentaram no escuro por cerca de meia hora até o sol nascer.

A preservação das casas rurais é o que leva Kelly Gomez a documentá-las para seu projeto online 'The Forgotten South'. Foto: Kelly Gomez via The New York Times

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Pouco tempo depois, a sala estava iluminada e o que havia nela foi revelado: mobília antiga, uma lareira cheia de bugigangas e, o mais chocante, um tapete de pele de tigre (com a boca da criatura boquiaberta), além de um rifle de caça. “Nós ficamos tipo ‘Esta casa é insana. Como isso pode estar simplesmente assim, completamente abandonado dessa maneira?’”, disse Sansivero.

Apesar da condição em ruínas, incluindo paredes descascando e uma cozinha nada agradável, a casa estava em muito bom estado. Ele tirou fotos e depois as compartilhou em um grupo no Facebook dedicado a casas antigas, onde suas postagens despertam emoções que vão desde a nostalgia à tristeza, passando pelo ceticismo de que a casa tenha sido realmente encontrada naquelas condições. (Sansivero disse que faz apenas pequenos ajustes.)

Sansivero é fotógrafo profissional de retratos, mas tirar fotos de casas abandonadas tem sido uma paixão desde a faculdade, onde se formou em cinema e filmou um documentário de curta-metragem sobre um hospital abandonado em Long Island. Seus olhos se abriram para esse misterioso mundo de tais propriedades.

Sua atenção se voltou para as casas quando visitou a família na Pensilvânia e analisou quantas casas abandonadas havia nas áreas rurais. “Fiquei fascinado”, disse Sansivero. “Ir a essas casas é como visitar cápsulas do tempo em que as famílias apenas desapareceram”.

Ele já esteve em centenas de casas abandonadas, mas apenas algumas vão para sua conta no Instagram. “Tem que haver um tipo de luz temperamental”, disse Sansivero. “Tem que ser colorido, o que eu acho que atrai o espectador. É atraente”. E ele disse: “Eu tendo a gostar mesmo dos itens incomuns que são deixados para trás”.

Na internet, as pessoas são atraídas por uma grande variedade de casas abandonadas. Às vezes, é uma casa de campo abandonada em uma área, ou uma mansão em Ontário, onde o ponto central são os detalhes arquitetônicos, ou uma casa em Nantes, na França, com uma atmosfera do Velho Mundo. No grupo de Facebook “I Love Old Houses and Gardens” (Eu amo casas e jardins antigos), as publicações dedicadas a casas abandonadas podem atrair milhares de reações. As pessoas há muito tempo amam coisas assustadoras e até coisas tristes, e essas casas atendem a esses critérios e muitos mais.

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Explorar essas casas vazias não é uma tarefa sem riscos. “Sob qualquer circunstância, se eles estiverem em uma propriedade ou em uma estrutura abandonada, ou casa, ou edifício, eles estão invadindo”, disse Peter Graubard, advogado imobiliário em Manhattan, a respeito dos visitantes. Embora uma casa talvez esteja vazia há anos, ela normalmente é propriedade de alguém – mesmo se esse “alguém” for uma entidade governamental.

Dito isto, o risco legal associado a dar uma olhada é pequeno, disse Graubard. “Se está abandonado, então provavelmente ninguém está de fato vigiando”, afirmou. “E quando alguém descobrir que talvez você esteve na propriedade dessa pessoa para tirar uma foto, duvido que a polícia ou as autoridades estarão muito interessadas em ir atrás de alguém que apenas tirou uma foto para as redes sociais”.

Entretanto, existem outros riscos associados a explorar essas casas, como tábuas de piso soltas e criaturas agressivas.

Hannah Lombard, 33 anos, cuidadora, gosta de explorar casas abandonadas no sudeste do Wisconsin durante suas horas de folga. “Sempre gostei de qualquer coisa vintage, retrô, qualquer coisa com personalidade”, disse. Ela comprou uma câmera quatro anos atrás e começou a postar fotos no Instagram. Ela usa o OnX, um aplicativo para caçadores que identifica os limites das propriedades e os nomes dos proprietários, para tentar localizar os donos, ou, às vezes, ela bate na porta de um vizinho.

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“Se não consigo descobrir quem é o dono do lugar, não entro; fico na estrada e tiro fotos”, disse ela. Hannah geralmente descobre que as casas estão vazias porque alguém herdou a propriedade e não quer ou não tem condições de cuidar delas.

“Acho que é meu amor pela história e por antiguidades que faz ser tão interessante caminhar por esses lugares”, disse Hannah. “Você não vê isso todos os dias”.

Algumas das casas que ela viu têm centenas de anos. Muitas estão vazias, mas ela encontrou itens deixados para trás, como cartões de racionamento, álbuns de fotografias e uma carta datada de 1864 escrita em alemão. “Tentamos decifrá-la, mas não conseguimos”, disse. Por que, ela e outros curiosos se perguntam, essas posses ficaram para trás?

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Arrebatados pelos filtros nebulosos do Instagram e pelas legendas românticas, pode ser fácil esquecer que as casas abandonadas frequentemente guardam os restos de histórias pessoais devastadoras. Alguns proprietários abandonam suas casas sem esperar que um sistema de execução fiscal ou entidade governamental tome a propriedade, simplesmente porque não têm mais condições de permanecer nelas, disse Margaret Dewar, professora emérita de planejamento urbano e regional da Universidade de Michigan. Muito de seu trabalho se concentra em bairros de Detroit onde, em setembro de 2020, segundo relatado pela organização de notícias sem fins lucrativos Next City, havia 102.330 unidades habitacionais desocupadas.

Se há um grande número de casas vazias em uma área, normalmente é por causa da depressão econômica. Em Detroit, isso foi acelerado por uma combinação de blockbusting (agentes imobiliários que usam táticas de intimidação para persuadir proprietários brancos a venderem suas casas e, em seguida, as imobiliárias revendem as propriedades por preços inflacionados para compradores negros) e pela crise das hipotecas subprime, que resultou na cidade perdendo 25% de sua população de 2000 a 2010, disse Margaret.

A preservação de casas rurais é o que motiva Kelly Gomez, outra fotógrafa, a documentá-las para um projeto online chamado “The Forgotten South” (O sul esquecido). Kelly, 37 anos, mora em Durham, Carolina do Norte, mas começou a documentar casas abandonadas em todas as partes do sul dos Estados Unidos em 2010, quando vivia em Gainesville, Flórida.

Kelly Gomez fotografa uma casa em pilares documentada em seu projeto 'The Forgotten South'. Foto: Kelly Gomez via The New York Times

Kelly ficou sabendo de uma propriedade abandonada que estava apenas a 10 minutos de sua casa e foi dar uma olhada. No fim do dia, ela tinha explorado 18 lugares históricos abandonados, todos a apenas poucas horas de Gainesville. Eles pareciam peças de um quebra-cabeças para Kelly e ela tentava descobrir o que aqueles lugares já foram e por que foram abandonados, usando um mapa com alfinetes para marcar seus achados.

“Já vi todas as cidades do interior que você possa imaginar entre a Flórida e a Carolina do Norte”, afirmou. “Passei muito tempo explorando a Geórgia. Por isso, amo perambular e descobrir a história”.

As casas que ela fotografa vão de imóveis como a mansão de 464,5 m² em Madison, Geórgia, até as cabanas caindo aos pedaços no condado de Suwannee, Flórida.

Por mais que pareça que essas casas abandonadas foram deixadas para trás para se tornarem playgrounds para fotógrafos, algumas delas conseguem outra chance na vida. Em Oakland, Califórnia, onde a corretora Redfin informa que o preço médio de uma casa é de US$ 950 mil, há casas vazias e muitas pessoas sem ter onde viver. Isso motivou Dominique Walker a fundar a Moms 4 Housing, uma organização sem fins lucrativos que ajuda mães sem um lugar para morar ou vivendo em condições precárias. O grupo foi elogiado por assumir o controle de uma propriedade vazia no bairro de West Oakland, que depois adquiriu por meio de um fundo fiduciário. Organizações semelhantes existem em outras partes dos Estados Unidos, como a Well House, em Grand Rapids, Michigan, que revitaliza casas vazias para pessoas em situação de rua.

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Até mesmo em cidades rurais existem iniciativas para preservar casas em deterioração. Na cidade de Danville, Virgínia, por exemplo, uma organização de bairro, a Friends of the Old West End, fez um esforço para impedir demolições em um distrito histórico que já foi próspero. A cidade passou por uma depressão econômica após grandes indústrias fecharem, com mansões de estilo vitoriano e eduardiano sendo deixadas no limbo.

A Friends of the Old West End fez parceria com a cidade para vender as casas por preços acessíveis - o que significa US$ 1 por uma casa construída em 1907 que precisará de reparos ou US$ 250 mil por uma pronta para viver em Queen Anne.

“Temos tido muito sucesso em trazer novos moradores para essas casas, com o propósito de reforma”, disse Paul Liepe, 71 anos, diretor executivo da organização. “E, na verdade, essas pessoas estão fechando contratos com a cidade de que elas não vão apenas reformar, mas residir nessas casas por cinco anos”, disse ele. O objetivo é impedir que as pessoas não se limitem apenas a recuperar as propriedades, mas, em vez disso, foquem em construir uma comunidade.

Ainda assim, muitas casas abandonadas vão desmoronar ou sucumbir às trepadeiras. Por ora, elas continuam a capturar a atenção de fotógrafos como Sansivero e Kelly, que esperam preservar as cápsulas do tempo, mesmo que apenas em seus perfis no Instagram.

“Meu sentimento favorito é uma sensação de admiração e apreciação que tenho por um segundo ao entrar em um lugar desses”, disse Kelly. “É quase como um museu que não tem ingresso de entrada ou a corda de veludo. Posso tocar as paredes, sentir os cheiros e imaginar como deve ter sido viver naquela casa, que acho que dá exatamente uma perspectiva muito íntima da vida de alguém. Em vez de apenas ler um livro de história”. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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